Quase lá: Mulheres engrossam coro contra PL do Estupro na Câmara: 'Não queremos voltar à Idade Média'

Projeto deve ser alvo de comissão legislativa no segundo semestre deste ano, segundo indicou Arthur Lira

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

 

fora lira Juntas

Estética de protestos contra PL 1904/2024 é inspirada na série estrangeira "O Conto de Aia" - Cristiane Sampaio

 

A proposta que equipara o aborto ao crime de homicídio segue gerando polêmicas e mobilizações na Câmara dos Deputados. Nesta quarta-feira (19), um grupo de militantes se concentrou na porta da Casa para protestar novamente contra o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que teve a urgência aprovada na última semana pelo plenário em meio a um conjunto de controvérsias. A nova manifestação popular vem após o presidente Arthur Lira (PP-AL) indicar, na noite de terça (18), que deixaria o tema para ser apreciado por uma comissão no segundo semestre do ano. Parlamentares críticos ao PL e segmentos da sociedade civil vinham pedindo o engavetamento ou a retirada do projeto do horizonte de pauta na Câmara.

A professora aposentada e ex-deputada distrital Lúcia Carvalho disse que decidiu se somar ao grupo de manifestantes por considerar o PL 1904 como uma "aberração". "O que está em jogo são vidas de crianças e mulheres que estão sendo criminalizadas nesse projeto por meio de uma penalidade maior que a do próprio estuprador. É um abuso. Se temos uma lei de 1940 que permite o aborto em algumas circunstâncias, por que retroceder? Nós só aceitamos avançar."

No Brasil, o artigo 128 do Código Penal permite a interrupção voluntária da gravidez em casos de estupro e risco à vida da gestante. Uma terceira liberação foi dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF): em 2012, o plenário da Corte decidiu que a prática também deve ser permitida quando fica comprovada a anencefalia fetal, ocasião em que o bebê nasce com o cérebro subdesenvolvido e vive apenas durante horas ou dias. Na ocasião, os ministros entenderam que, diante de laudo médico que comprove essa condição, a gestante deve ter garantida a liberdade de decidir sobre descontinuar ou não a gravidez.

O PL 1904 iguala o aborto ao crime de homicídio quando ele é feito após a 22ª semana de gestação. Dessa forma, vítimas de estupro podem ser presas caso recorram à prática. O projeto estipula para a mulher uma pena que pode chegar a 20 anos de prisão, enquanto estupradores são condenados a, no máximo, dez anos de cadeia, de acordo com previsão do Código Penal.

"A situação atual [da legislação] sem esse PL já coloca a vida das mulheres em risco porque ainda não dá garantia de aborto seguro pelo [Sistema Único de Saúde] SUS [para todas]. Esse projeto só piora a situação, colocando a vida das mulheres mais em risco, e, por mais absurdo que pareça, valoriza o estuprador", diz o servidor público Sidney Roberto Nobre Júnior, que se engajou no protesto na porta da Câmara. "Equiparar o aborto ao homicídio é um tapa na cara de todas as mulheres e de toda a sociedade, por isso eu, como homem, tenho que estar aqui ao lado delas em defesa da vida."

Militantes do movimento negro também ajudaram a engrossar o coro contra o PL 1904. A aposentada Santa Alves, integrante da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro), chama a atenção para o fato de o segmento ser mais penalizado no cenário dos abortos ilegais. "A gente sabe que a maioria das meninas que morrem por aborto é negra. Isso é estatístico. Então, estamos aqui para apoiar esse movimento e dizer 'não' a esse retrocesso. Não queremos voltar à Idade Média, quando as mulheres eram queimadas por terem posição diferente."

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de 70 milhões de abortos, entre seguros e inseguros, tenham ocorrido no mundo no intervalo de 2015 a 2019, por exemplo. Segundo estudo feito em parceria por pesquisadores da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Fiocruz e da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, as mulheres negras têm 46% mais chance de fazerem um aborto, considerando todas as idades, na comparação com mulheres brancas. A pesquisa foi publicada em 2023.

Edição: Martina Medina


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