Paula Viana
Enfermeira e coordenadora do Grupo Curumim
Núbia Melo
Socióloga, sanitarista e coordenadora do Programa Parteira do Grupo Curumim
O Brasil guarda uma diversidade geográfica e cultural imensa. Essa diversidade se expressa, também, nas formas de assistência à saúde reprodutiva das mulheres e no universo simbólico representado através das práticas do cuidado. As mulheres índias e quilombolas, as mulheres de regiões ribeirinhas, dos sertões, dos pantanais, das cidades e regiões metropolitanas também contam, muitas vezes, com parteiras tradicionais para ajudá-las, cuidá-las e acompanhá-las em momentos importantes de decisões e de eventos relacionados à vida sexual e reprodutiva. É necessário, portanto, conhecer os diferentes "padrões culturais" que envolvem a atenção à gravidez, ao parto e ao abortamento e respeitar a tradição contida nos conhecimentos de cada grupo específico.
É importante perceber o contexto em que as parteiras atuam hoje, para assim entender a importância da inclusão delas nas discussões e ações da luta pela discriminação e legalização do aborto no Brasil. Ampliar o diálogo sobre os direitos reprodutivos das mulheres com parteiras tradicionais, indígenas e quilombolas, contribuindo para a construção de cidadania e justiça social, desde a vivência e experiência das comunidades, faz parte dos objetivos que o Grupo Curumim vem apontando como prioritários em sua ação política e técnica e como grupo impulsor das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro.
Trabalhamos com a utilização de instrumentos do Reflect-Ação, que é uma abordagem apoiada na Pedagogia de Paulo Freire e no uso de ferramentas de Diagnóstico Rural Rápido Participativo - DRP. Promovemos, dessa forma, a discussão das relações de desigualdades de gênero e diversidade cultural num enfoque etnográfico e na perspectiva do desenvolvimento ético, humano e social. As oficinas do processo Reflect-Ação são construções coletivas de processos de identidade e empoderamento. Trabalhamos conceitos de interculturalidade, gênero e poder, permeando a leitura do mundo que cerca mulheres, parteiras e direitos reprodutivos, e a discussão e o contexto das desigualdades e injustiças sociais que cercam a realidade do aborto no Brasil.
O aborto é um evento cotidiano na vida das parteiras, assim como o parto e mesmo sendo um tema polêmico, surge e dispensa qualquer necessidade de provocação. É, sem dúvida, uma questão conflituosa: do universo religioso determinando que o abortamento é crime, ao universo ético-profissional determinando o dever de cuidar. Esse papel de cuidadora leva a parteira a prestar assistência às mulheres em abortamento de forma incondicional. Por outro lado, ainda por ser crime, as mulheres demoram a procurar os serviços de saúde e quando recorrem à parteira também o fazem de forma tardia e sob o signo do medo, o que se traduz mais uma vez em violação dos direitos reprodutivos das mulheres. "A parteira já é muito discriminada. Já pensou se a mulher chega no hospital passando mal e diz que foi a parteira que ajudou? Ela já é manjada, discriminada, vai se complicar..." essa fala de uma parteira do sertão de Pernambuco mostra o quanto a criminalização do aborto no Brasil produz mais risco, principalmente para as mulheres pobres e moradoras de regiões isoladas.
Vale salientar a importância de parcerias e apoios empreendidos para que este trabalho seja desenvolvido por parte de International Womens Health Coalition (IWHC), Comissão de Cidadania e Reprodução (PROSARE), ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe, Rede Reflect Ação Brasil e do Grupo de Teatro Loucas de Pedra Lilás.