Quase lá: Maria da Penha: nova lei e velhos entraves

O enfrentamento da violência contra as mulheres entrou definitivamente na agenda do Estado brasileiro ao longo do biênio 2006-2007. A promulgação da Lei Maria da Penha, a inclusão do combate ao problema como meta prioritária do Plano Plurianual 2008-2011, a abordagem do tema no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres são exemplos de uma nova sistematização de ações frente à questão. Sem dúvida, é um avanço na luta pela consolidação dos direitos das brasileiras.

Para que essas medidas provoquem mudança na vida das mulheres, há que se superar, porém, antigos desafios - fazer com que os recursos a serem alocados para as ações previstas nos próximos anos sejam, de fato, executados e mudar a cultura machista e patriarcal que discrimina as mulheres e fomenta a violência.

Mesmo depois do anúncio de todas as medidas de combate ao problema, a execução orçamentária do programa de Combate à Violência contra as Mulheres, que reúne as principais ações para colocar em prática a Lei Maria da Penha no âmbito do Executivo, chegou, a menos de um mês do fim do ano, a 56,68% do valor autorizado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2007. No início de agosto, quando a execução chegava a apenas 6%, a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Nilcéia Freire, garantiu publicamente que os R$ 23 milhões previstos na LOA seriam todos executados.

Segundo informações da SPM, até 10 de dezembro, o orçamento liberado para movimentação e empenho para todas as suas atividades foi de R$ 26.681.396,00, incluindo as atividades de caráter administrativo. Para o programa de Combate à Violência contra a Mulher foram R$ 16.247.140. Desse total, 86,2% já haviam sido executados até a mesma data.

Uma possibilidade de avanço na aplicação dos recursos para o próximo ano é a proposta anunciada por Nilcéia Freire para a implantação do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que destinará R$ 1 bilhão dentro do Plano Plurianual 2008-2011. A intenção é que o repasse seja feito diretamente a estados e municípios. Hoje, o dinheiro só pode ser remetido mediante convênio. Se estados e municípios têm restrições na prestação de contas, não podem receber os recursos. O instrumento a ser utilizado para isso ainda não está definido, mas a secretaria informou que solicitou estudos de sua assessoria parlamentar e da assessoria jurídica da Presidência da República sobre a proposta.

No pacto, estão previstas ações em quatro áreas principais chamadas estruturantes - Consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Implementação da Lei Maria da Penha; Combate à Exploração Sexual e ao Tráfico de Pessoas; Promoção dos Direitos das Mulheres em Situação de Prisão; Proteção dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e Enfrentamento da Feminização da Aids.

Onze unidades da federação - escolhidas pelo tamanho da população feminina e número de serviços na rede de atendimento - serão atendidas no primeiro ano. Nesse grupo, estão São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Pará, Amazonas, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Tocantins. Os outros 16 estados serão incorporados a partir do segundo ano até que se atinja todo o território nacional.

Mudanças culturais

Para tirar a Lei Maria da Penha do papel, mesmo mais de um ano após sua promulgação, ainda é preciso atuar fortemente junto ao Poder Judiciário e também ao Ministério Público e Defensoria Pública. O caso do juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas, que qualificou a legislação como conjunto de regras diabólicas e, em várias sentenças, negou proteção a mulheres vítima de violência doméstica é exemplar. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir processo disciplinar contra ele, mesmo depois que a corregedoria do próprio tribunal mineiro arquivou pedido de abertura de processo contra o magistrado.

As sentenças de Edilson Rumbelsperger Rodrigues são fruto de uma estrutura patriarcal e machista que vê as mulheres como seres humanos de menor valor. Colocar o tema da violência contra elas nas salas de aula, investir na divulgação da lei e em campanhas educativas são medidas que ajudam a modificar esse quadro. Mais diretamente, é preciso capacitar o Executivo, o Judiciário, o Ministério Público e as Defensorias para a perspectiva de gênero, raça e direitos humanos. A Lei Maria da Penha, com todos os seus 46 artigos, só será realmente efetiva quando Estado e sociedade assumirem definitivamente o enfrentamento da violência doméstica como prioridade.


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