Adilson Paulo Barbosa
Advogado e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor jurídico da liderança do PT na Câmara dos Deputados
Em meio às muitas tragédias sociais que assolam grande parte dos "cidadãs(os)" brasileir@s, destaca-se nos últimos anos a questão da violência urbana, sobretudo, nas cidades mais populosas. No Brasil, morrem anualmente mais de 47 mil pessoas vítimas de homicídios. A grande maioria desses mortos, cerca de 70%, são jovens negros e pobres, com idade entre 15 e 24 anos, moradores de ocupações precárias (estigmatizadas por nossas elites, como favelas ou invasões) ou de bairros pobres das periferias das grandes cidades.
Apesar dos números alarmantes, esse tipo de violência nunca sensibilizou o Estado e certos setores da sociedade brasileira. Falamos desse tipo de violência, porque outros não podem e nem deve ser esquecidos, como por exemplo, o racismo que matou e continua matando milhares de negros e índios no país; a homofobia, que vitima centenas de brasileiros; os acidentes de trânsito, que ainda matam mais de 35 mil pessoas, a cada ano; o trabalho escravo e o trabalho infantil, a que são submetidos milhares de trabalhadores e crianças no país; e a violência contra a mulher, cujos números denunciam uma "epidemia". Todas essas práticas fazem parte do problema, ainda que as políticas públicas para combatê-las tratem-nas de forma separada.
A grande "violência", no entanto, continua a ser gerada pelo próprio Estado, que, dominado por nossas elites "européias", ao longo desses 500 anos, tornou o Brasil campeão de desigualdades e iniqüidades. No caso específico do sistema carcerário, "usado" majoritariamente por pobres e negros, a ação do Estado brasileiro é não apenas discriminatória como genocida. Por ano, cerca de 300 presos são assinados nas cadeias e presídios brasileiros, sem que haja qualquer tipo de reação, comoção ou espanto. Ao contrário, em muitos casos, as mortes são comemoradas e a violação dos direitos dos presos e seus familiares esquecidas.
Assim o é, porque grande parte de nossa legislação penal, sobretudo aquela que impõe obrigações para o Estado, em sua três esferas, jamais foi cumprida. Para não ir muito longe, temos a Lei de Execução Penal e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que, apesar de vigirem há mais de dez anos, jamais foram levados a sério. O caso da adolescente presa e violentada na cadeia do município paraense de Abaetetuba com a cumplicidade e anuência das autoridades locais é, infelizmente, mais uma das milhares de arbitrariedades praticadas diariamente contra os direitos dos "usuários" do Sistema de Justiça Criminal brasileiro e se insere nesse panorama amplo daquilo que chamamos de "violência urbana".
Para mudar essa realidade, são necessárias diversas medidas. Mas, a primeira e mais urgente é exigir que o Estado brasileiro cumpra a lei, punindo as autoridades responsáveis quando a violarem. No caso, específico do sistema penitenciário brasileiro, o cumprimento do recomendado, por exemplo, pela Reforma Penal Internacional - com ações para investir na prevenção e na redução da criminalidade, para reduzir a detenção que antecede o julgamento, para garantir um sistema justo para todos, entre outras - já solucionaria grande parte dos problemas e possibilitaria ao Brasil sair da lista dos países que violam sistematicamente os direitos e garantias individuais (e sociais) de seus "quase" cidadãos e cidadãs.