Quase lá: Não existe libertação sem conscientização

O preconceito contra a mulher é milenar, gerando vários tipos de violência. A nova coordenadora da Bancada Feminina, deputada Janete Pietá (PT/SP) falou ao Jornal Fêmea sobre os direitos das mulheres, a batalha em prol do Estatuto da Igualdade Racial, as quedas de braço para democratizar o poder, e a luta para implementar a Lei Maria da Penha. Segundo ela, não existe libertação sem um processo de conscientização sobre os direitos, sem utopias. Na Constituição somos tod@s iguais, diz a deputada, mas na prática estamos a anos luz de romper com a cultura machista e patriarcal.

A deputada Janete Pietá é uma das poucas mulheres negras que conseguiu ultrapassar todo tipo de obstáculo e interdição para chegar ao Congresso Nacional. Em entrevista ao jornal FÊMEA, a parlamentar afirma temos que mudar completamente a forma como a política opera no Brasil. Aponta o problema do financiamento das campanhas eleitorais; se coloca contra a existência do Senado, e denuncia a composição do Congresso Nacional que ela considera que, ainda hoje, é extremamente patriarcal e escravocrata, temos diversas famílias que ainda vem de Casa Grande e Senzala.

No seu mandato, Janete priorizou o Estatuto da Igualdade Racial. Fizemos discussões em várias comunidades e houve uma participação muito grande das mulheres negras. Entretanto, ela reconhece Não é o Estatuto que queríamos, mas traz parte de algumas bandeiras históricas do movimento negro. O projeto do Estatuto foi aprovado no Senado Federal, entretanto a parlamentar reclama: Temos que mudar o que hoje existe, acabar com o papel revisor do Senado a demora na aprovação das leis. Nós aprovamos o Estatuto, porém ele ficou parado no Senado por muito tempo.

Entre os grandes desafios enfrentados nesses quatro anos na Câmara Federal, Janete Pietá destaca a dura batalha pela Reforma Política. Lutamos pela paridade (um homem e uma mulher) e conseguimos aprovar que nas listas tivesse 30% pelo menos. Foi um embate político muito importante, mas essa discussão não foi concluída. Já no que se refere à participação d@s negr@s nos espaços de poder, Janete lastima que a proposta de ação afirmativa foi rejeitada no projeto de Estatuto da Igualdade Racial no que tange a previsão de cota de 10% para as candidaturas afrodescendentes.

Como bem destaca a deputada, somos minoria no Congresso - 45 mulheres e 468 homens. Em relação aos negros, Janete afirma: são pouc@s @s que se assumem e não passam de 10 os que sustentam a bandeira igualdade racial. Mesmo assim, na condição de minoria política, a Bancada Feminina desempenhou um papel muito importante. Foi “no braço” que conseguimos esta minirreforma eleitoral.

A parlamentar tem toda a razão. Afinal agora, a lei estabelece que os partidos preencham 30% das vagas de candidaturas com mulheres. Anteriormente, a legislação estipulava apenas a reserva de 30% dessas vagas, o que abriu brecha para que os partidos nunca preenchessem essas vagas, salvo raríssimas exceções.

Simbolicamente muitas coisas foram importantes, afirma a parlamentar, mas a minirreforma eleitoral teve caráter essencial. Termos conseguido aprovar a destinação de 5% do Fundo Partidário para formação de lideranças femininas foi uma vitória.

Para democratizar o poder, assegurar direitos e garantir liberdades ainda há um longo caminho a ser percorrido. Frente a tais objetivos, Janete sublinha a importância do Estado que se diz laico, mas na prática não é. As bancadas fundamentalistas na Câmara têm crescido muito e acho que cabe as mulheres mudarem essa correlação de forças no próximo mandato federal. Temos que eleger mulheres e homens que estejam comprometidos com uma nova visão de sociedade.

O enfrentamento da violência contra as mulheres é outra questão prioritária para o mandato da deputada Janete Pietá: devemos garantir que a Lei Maria da Penha seja cumprida. Considero que devemos criar no Congresso mecanismos de cumprimento da lei. Monitorar a sua execução e seu aperfeiçoamento. O problema é que, antes mesmo de assegurar a sua implementação, já estão tramitando no Congresso Nacional 21 projetos para alterar a Lei Maria da Penha. Mal a lei foi aprovada e uma avalanche de propostas, várias delas retrógradas, ganharam destaque na pauta do Congresso.

A deputada Janete Pietá pondera: se a lei é para ser cumprida, então teria que ter um prazo para isso. Antes desse prazo legalmente não poderia ter alteração. E alerta: já no Senado foi criada uma comissão para debater o Código de Processo Penal, e assim revisar a Lei Maria da Penha por meio dele. Esta questão é um perigo que estamos acompanhando. Temos que anotar os avanços da Lei Maria da Penha na futura proposta do Código de Processo Penal que está em processo de discussão entre pessoas de alto saber, mas não necessariamente que tem uma concepção de respeito à mulher. Temos que apelar para que todas as mulheres rompam a lei do silêncio nessa sociedade que amordaça. Primeiro temos que divulgar mais a Lei e mudar essa concepção de que é melhor a mulher continuar casada com um homem que a violenta do que estar divorciada ou separada. A sociedade tem que parar com essa visão de que a mulher tem de ser esse Ser submisso, subjugado idolatrado enquanto mãe, mas fenecido e violentado na medida em que ela começa a pensar e exigir seu direito enquanto mulher. A Lei Maria da Penha mexe com essa estrutura patriarcal.

A deputada Janete Pietá preside, atualmente, a Comissão Especial que analisa a proposta de emenda constitucional (PEC) para a criação de Varas Especializadas nos Juizados Especiais para as questões relativas às mulheres. É a PEC nº485, apresentada em 2005, pela deputada Sandra Rosado (PSB-RN).

A esse respeito, Janete problematiza que, mesmo já havendo passado quatro anos da aprovação da Lei Maria da Penha, percebemos que o artigo dos juizados de violência doméstica e familiar não está sendo cumprido. Janete Pietá esclarece que a relatora dessa PEC, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), está buscando uma solução para reforçar e fortalecer a Lei Maria da Penha: ela não contraditará a LMP, afirma a parlamentar. Estamos estudando um mecanismo, junto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, para que essa PEC seja aperfeiçoada e colocada de uma forma que não entre em contradição com a Lei. Esta é a solução que encontramos, conclui a deputada.


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