Por Nina Madsen e Guacira Oliveira
Sociólogas e integrantes do Colegiado de Gestão do CFEMEA
Neste 2014, o CFEMEA completou 25 anos de existência, de resistência e de luta pelos direitos das mulheres, pelo fortalecimento dos movimentos feminista e de mulheres, pela garantia de um Estado democrático e igualitário.
Para nós, o momento adquire particular importância, já que nos vemos, como muitas organizações feministas, enfrentando um contexto agravado de crise política, além de obstáculos relevantes do ponto de vista institucional. Estamos diante de muitos desafios, mas também diante da oportunidade de abrir um novo ciclo na história de nossa organização.
Do atual contexto político
Uma das estratégias mais importantes do movimento de mulheres e feminista do qual o CFEMEA faz parte, está voltada, há três décadas, à incidência política sobre o Estado para a garantia de direitos.
Tratamos de enfrentar as estruturas patrimonialistas, patriarcais e racistas que sustentam o Estado brasileiro e o sistema político que lhe corresponde. Investimos no fortalecimento da ação do movimento para exigir direitos iguais na lei e na vida e construir uma sociedade justa e igualitária, defensora dos direitos, da autonomia e da liberdade de todas e cada uma das mulheres.
O CFEMEA e outras organizações feministas são parte desta estratégia e construíram espaços na sociedade civil que contribuíram para a consolidação da democracia no país. As conquistas em termos de cidadania das mulheres neste período foram reivindicadas, disputadas e vêm sendo mantidas pela ação, proposição e resistência estratégica do movimento, apesar e contra a sub-representação das mulheres em todos os espaços de poder e decisão; apesar e contra o patrimonialismo, a violência institucional, o fundamentalismo religioso e outras formas de negação de direitos e apropriação privada dos recursos e do poder públicos.
No entanto, nos últimos quatro anos, diante de um quadro agravado de crises políticas e de financiamento das organizações não governamentais e, em particular, das organizações feministas no país, vimos dialogando, interna e externamente, sobre as conquistas alcançadas até aqui e, particularmente, sobre os desafios que se apresentam para as décadas futuras.
Avaliamos estarmos diante de um contexto político adverso, que ameaça várias conquistas feministas em termos de direitos e politicas públicas para as mulheres, exigindo, por isso mesmo, estratégias e sujeitos políticos coletivos para sustentar a resistência contra os retrocessos que o poder político patriarcal, conservador, fundamentalista tenta nos impor.
A explosão de indignação da sociedade brasileira, observada e vivida por nós no ano de 2013, nos informou sobre o surgimento de novos atores políticos e de novas formas de participar politicamente. Ao explodir, forçou vários deslocamentos, pressionou, gerou novos desafios políticos e pode, se potencializada, propiciar uma nova onda de democratização.
As respostas às manifestações têm despertado nossa preocupação: observamos atentas e alertas o processo de criminalização dos movimentos sociais e d@s ativistas políticos. Temos acompanhado e acolhido muitas de nossas companheiras no enfrentamento a esses processos e entendemos que o momento nos exige a construção de novas estratégias para a sustentabilidade do ativismo.
Por tudo isso, decidimos pelo reposicionamento de nossa atuação, de modo a intensificar o diálogo com as mulheres e com a sociedade de maneira geral, investindo na construção de um novo repertório de ações e estratégias.
Do horizonte futuro
A estratégia central do CFEMEA, entre 2015 e 2017, estará voltada à sustentabilidade do ativismo e será desenvolvida em duas linhas de trabalho principais: (i) o apoio à consolidação da Universidade Livre Feminista e (ii) o impulsionamento da dimensão política do autocuidado e do cuidado entre ativistas.
Desde 2010, o CFEMEA vem apostando na gestação da Universidade Livre Feminista. Até 2017, queremos apoiar a consolidação dessa nova proposta organizativa, construída de forma colaborativa por mulheres de diferentes identidades e campos de atuação; um espaço para a reflexão e a troca de ideias e de experiências baseadas em práticas políticas e pedagógicas libertárias, transformadoras das e para as mulheres.
A Universidade Livre tem como seus objetivos (i) gerar e impulsionar os processos de produção de conhecimento, aprendizagem e formação livres; (ii) facilitar a conexão entre pessoas, promovendo o intercâmbio de experiências e a sua expressão em diversas linguagens; (iii) fortalecer e colaborar para expandir a criação libertária artística, cultural e política das mulheres que estão na luta por transformação; e (iv) ampliar processos de construção política dos movimentos de mulheres e feministas; de seus pensamentos e de suas lutas.
A formação política - por meio de cursos online, de jornadas de formação na ação e de conferências livres - e a comunicação política - por meio de um portal eletrônico dinâmico e catalizador de encontros e diálogos - são estratégias centrais para a Universidade Livre, que também assume o compromisso com a construção de novos processos e novas formas de organização feminista.
Sublinhamos, em especial, as jornadas de formação na ação, pelas quais articularemos e desenvolveremos processos de transmissão e apropriação da metodologia adotada pelo CFEMEA para o monitoramento do Parlamento e Governo Federal, pelos movimentos (AMB, MEEL, Plataforma DHESCA entre outras). Subsidiando iniciativas coletivas de incidência política a partir das frentes de luta, jornadas, campanhas, comitivas feministas etc, nós contribuiremos para a geração de novas formas de atuação e o fortalecimento de outras/novas interlocutoras frente ao Poder Público.
Também queremos impulsionar a dimensão política do autocuidado e do cuidado entre as mulheres como parte da cultura organizativa. Partindo de uma das bases fundantes do pensamento e da ação feminista - o pessoal é político -, consideramos estratégico para as transformações sociais que almejamos que as mulheres de uma maneira geral, e as ativistas em especial, que investem sua energia, seu tempo e, algumas vezes, suas vidas nestas lutas possam viver bem, ter direitos e autonomia para decidir sobre questões íntimas, privadas e públicas.
Neste sentido, avaliamos que o cuidado/autocuidado é central na constituição individual e coletiva das ativistas como sujeitos, que se empoderam, lidam com as adversidades e dão sustentabilidade às lutas por transformação social.
Por isso, pretendemos (i) mapear práticas, metodologias, espaços, pessoas e organizações que desenvolvem experiências para o autocuidado e o cuidado entre ativistas; (ii) desenvolver um marco conceitual e metodológico para alicerçar as ações educativas e realizar encontros, oficinas e atividades específicas em processos formativos e organizativos de ativistas; (iii) construir uma rede de healers (curadoras, terapeutas) para/de ativistas e buscar um espaço físico para instalar uma Casa para os processos de formação, as vivências, o acolhimento, o cuidado/autocuidado para/entre ativistas.
Nosso compromisso com o fortalecimento e a sustentabilidade do movimento feminista é o que nos conduz neste movimento de renovação e na abertura deste novo ciclo. Queremos seguir junto com cada uma de vocês, lutando por mais igualdade e justiça social. Por mais 25!