Quase lá: Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos, Justa Trama, Creche ... mulheres transformando o mundo

Entrevista com Nelsa Inês Fabian Nespolo, uma das criadoras da Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos – Univens, fundada em 1996 no Bairro Sarandi, na periferia de Porto Alegre.

Isabel Freitas - Cfemea
15/8/2024

 

O Cfemea, tem avançado com seu programa de cuidado e autocuidado para sustentação do ativismo feminista antirracista em vários diálogos com suas equipes, com coletivos e territórios que estão em suas parcerias e com ativistas, intelectuais e movimentos feministas de todos os cantos do país.

A proposta de Territórios de Cuidado Luta e Sustentação da Vida, em processo de co-criação com o Movimento de Educação e Cultura da Estrutural (MECE), no Distrito Federal, com o coletivo Mulheres Cuidando e Movimentando Territórios, no Rio de Janeiro e com o Coletivo de Mulheres do Calafate, em Salvador-BA, tem desafiado as equipes do Cfemea a buscar conhecer experiências de grupos de mulheres que constroem a sustentação coletiva da vida nos territórios e que sustentam os processos organizativos, assim como entender os desafios enfrentados e superados pelas mulheres na organização dos processos produtivos e reprodutivos numa sociedade marcada pela exclusão social.

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Em Porto Alegre, visitamos a Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos – Univens, fundada em 1996 no Bairro Sarandi, na periferia da cidade. Na cooperativa, na manhã dia 25 de julho, Nelsa Inês Fabian Nespolo, sob o olhar das mais de uma dezena de costureiras, falou da Cooperativa, nos contou o processo de construção, os projetos novos que foram gestados na Univens, como o banco comunitário, a creche, a serigrafia. Como a cooperativa foi o coração pulsante da comunidade em dois momentos cruciais de calamidade, quando o poder público abandonou as mulheres e as periferias a própria sorte: a pandemia “fica em casa” e a enchente “corra, saia de casa”. Dois processos dolorosos para as mulheres principalmente as mais pobres. Nelsa se emocionou várias vezes enquanto lembrava que a população de Porto Alegre ainda não fechou o luto das vidas perdidas pelo negacionismo na pandemia da COVID 19, quando teve que enfrentar e a enchente também provocada pelo negacionismo, pela ganância e pelo descaso e despreparo do Poder Público para com as pessoas mais fragilizadas.

Nelsa Ines Fabian Nespolo justa trama

Nelsa nos autorizou a verter nosso diálogo em texto para o portal do Cfemea, bem como o uso das fotos.

Entrevista com Nelsa Inês Fabian Nespolo, filha de agricultores familiares e desde muito jovem uma militante pela transformação social. Começou seu ativismo na Juventude Operária Católica, tanto no Rio Grande do Sul, quanto em sua coordenação nacional, em São Paulo. Militante sindical em Pelotas (RS), em Porto Alegre (RS) e em Fortaleza (CE). É uma das mulheres que criaram a Univens em 1996.

Isabel Freitas – fale um pouco de sua história, da história da cooperativa.

Nelsa – desde cedo venho de um processo político e social enraizado nos movimentos de igreja, e também movimento sindical e do orçamento participativo de Porto Alegre. Foi quando a gente começou a cooperativa aqui em 1996, faz 28 anos, e a gente não começou porque a economia solidária nos desafiou a começar, antes a participação popular nos desafiou a começar, porque as mulheres não tinham oportunidade de trabalho. Essa era uma grande necessidade. Aqui é um lugar que já tinha muitas fábricas há muitos anos.

Vivíamos um período que o capitalismo resolveu acabar com as fábricas de confecção e mandou as mulheres para trabalhar em casa. Igual o que aconteceu na indústria do calçado, em um período anterior. As trabalhadoras estavam perdendo direitos e trabalhando feito doida. Eu também trabalhava em casa naquela época, eu estava com dois filhos pequenininhos.

Isabel - Chegou a estar numa fábrica a têxtil ou não?

Nelsa - Em Fortaleza, sim. Eu trabalhei um ano em fábrica têxtil, mas eu trabalhei minha vida inteira em fábrica na produção.

Isabel - Tu és tecelã, tu és cearense?

Nelsa - Não, eu sou gaúcha, mas como eu participei do movimento da Juventude Operária Católica (JOC), quando terminou a coordenação nacional, a gente foi cada uma e cada um pra um lugar onde fortalecer os movimentos lá.

Depois, já casada, vim morar em Porto Alegre. Moro no mesmo lugar desde que viemos para cá. E aí começamos a cooperativa, pela necessidade do trabalho em si, mas a gente também queria que fosse um trabalho coletivo, e nós começamos em 1996 a costurar para o Hospital Conceição, foi a motivação. Que é o maior grupo hospitalar.

Isabel - Em 96 você já tinha uma experiência com o Hospital Conceição?

Nelsa - A gente tem uma unidade de saúde aqui da nossa comunidade, é do Grupo Hospitalar Conceição. Aí a gente falou pra eles que se nós organizássemos aqui as mulheres, se a gente poderia costurar pro hospital, eles disseram que sim, e a gente formou a cooperativa por isso, com a perspectiva de costurar, que a gente nunca costurou antes. Mas aí começou todo esse trabalho coletivo, esse trabalho de toda a história da cooperativa. Hoje a gente tem 24 mulheres, a gente começou a cooperativa e ela se fortaleceu muito nos fóruns sociais mundiais, com a produção das sacolas e começou a dar visibilidade, a gente faz uniformes de escola, uniformes de empresa e produtos para movimentos sociais.

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Isabel - Uniforme de escola é compra pública ou é qualquer escola?

Nelsa - Escolas, sobretudo particulares, porque não tem a política pública da compra de uniformes aqui. Depois então, reunindo as mulheres, elas falavam muito pra gente que queriam ter um lugar onde os filhos pudessem ficar, pra elas poderem trabalhar, e organizamos a Escolinha Nova Geração, a Creche, que é uma cooperativa de nove mulheres...

Isabel - Tu lembras que ano?

Foi em 2006. Está jovenzinha ainda. Aí criamos ela bem nesse espírito de ser coletivo, de ser uma cooperativa, é a única cooperativa que existe em Porto Alegre, que tem convênio com o setor público, com a prefeitura. Não foi muito fácil na época.

A Creche, que é uma cooperativa criada por nove mulheres, mas tem mais filhos do que das nove. Não é para atender os filhos das nove, é pra atender as crianças, são 56 crianças. O objetivo primeiro era ter um lugar para os filhos das cooperadas ficarem, mas aí ele foi tomando uma proporção maior, lógico, hoje tem netos, hoje tem 56 crianças da comunidade. É uma Creche que trabalha muito o método Paulo Freire, é um coletivo, é um lugar que os pais querem muito que seus filhos fiquem.

Depois a gente sentiu a necessidade de se organizar mais como economia solidária, que é poder construir uma rede nacional. Em 2005, a gente criou a Justa Trama, que é uma rede do algodão agroecológico, pra trabalhar fazendo roupa, mas que não tivesse veneno no seu processo.

Hoje a gente tem 700 trabalhadores e trabalhadoras que plantam algodão

Hoje a gente tem 700 trabalhadores e trabalhadoras que plantam algodão lá na Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec), no Ceará, e na Rede Chique Chique, em Mossoró (RN), onde plantam algodão que já nasce colorido. Em Minas Gerais é uma cooperativa que era uma empresa recuperada, onde a gente faz todo o processo do acabamento dos tecidos, e tem também lá em Rondônia uma cooperativa que faz as sementes, trabalha com as sementes, faz os botões, e a gente manda os retalhos e eles fazem as bonecas e os personagens brasileiros.

É uma rede e a gente foi começando a trabalhar muito assim. Dá pra cuidar do território, dá pra cuidar a nível nacional. Só que aqui também, nesse espaço, foi um período de 2016 de muita disputa do tráfico, muita violência, e a gente montou um banco comunitário pra trabalhar com uma moeda dentro da comunidade, que é o justo, a nossa moeda, e que todos os estabelecimentos o aceitam e dão desconto pra que o dinheiro fique na comunidade.

E foi muito bom, foi um momento de muita organização da comunidade. O tráfico se deslocou pra outras áreas. Aqui ficou um lugar de muita tranquilidade até hoje, nunca mais a gente teve tiroteios. Teve agora há pouco um caso, mas nesse período a gente não tinha tido mais, e que também tem sempre esse olhar, a associação hoje é formada toda por mulheres, que toca o banco. O banco é uma associação também, então tem a creche, que foi uma cooperativa, tem o banco, que é uma associação de mulheres, e a cooperativa Unidas Venceremos (Univens) de Costureiras, e tem uma central de cooperativas e associações que é a Justa Trama, tudo acontece nesse espaço. A Justa Trama é nacional e local.

E eu queria muito te falar. Eu acho que a sociedade e os movimentos sociais não são diferentes, porque a gente está dentro de um sistema capitalista, por mais que a gente esteja construindo um outro mundo, a gente acaba carregando as contradições do próprio sistema, e eu acho que sobretudo tem uma cultura muito machista, de que as mulheres são mais frágeis, por isso que elas precisam de mais cuidado, por isso que elas querem tratar de outras coisas da vida para além da luta em si, do trabalho, e que ela é difícil de ser compreendida, sobretudo pelos homens, por aquilo que nós somos, por aquilo que a gente carrega, porque a gente, mulheres, nós não conseguimos fazer a luta friamente, eu acho que os homens conseguem fazer a luta mais friamente, a gente faz com muito sentimento, com muito envolvimento, compartilhando muito a vida das pessoas, então a gente carrega isso muito forte. Nós falamos no autocuidado sobre a dinâmica de sentir e pensar no mesmo movimento, então a gente sente estar no nosso corpo, estar naquela extensãozinha ali, que é os filhos e netos, para pensar, a gente tem essa também dinâmica, tem essa leitura.

Em nossa vila aqui, 90% ficou embaixo d'água, das cooperadas aqui, 14 de nós, a água entrou para dentro de casa, ficamos desabrigadas por quase um mês.

E o segundo, eu queria falar que nesse período aqui. A região norte de Porto Alegre foi a mais atingida pelas enchentes. Em nossa vila aqui, 90% ficou embaixo d'água, das cooperadas aqui, 14 de nós, a água entrou para dentro de casa, ficamos desabrigadas por quase um mês.

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Isabel - Vocês são quantas cooperadas agora?

Somos 24. Mais da metade ficou desabrigada.

E foi um período muito difícil, e a cooperativa foi e está sendo um ponto de apoio dessas famílias, porque a Prefeitura, que fica na mesma rua da cooperativa, simplesmente se anulou, não se fez presente, não fez nada.

A cooperativa Univens foi o organismo vivo da solidariedade, da emergência. Então a gente começou a chamar todos os nossos conhecidos, empresas, amigos, todos os que a gente tivesse, para que nos ajudassem com doações, e a gente foi cadastrando as famílias aqui da comunidade para entregar.

Nós temos 1.210 famílias que estão vindo aqui buscar itens de apoio para se recuperarem. Mas eu quero falar isso porque foi um período que esse tema foi muito forte.

Isabel - Mas a pandemia foi assim também, né? Depois quero que tu fales como é que foi na pandemia.

A pandemia, ela foi diferente. A pandemia, ela dizia, fica em casa, se cuide, não se envolva, não abrace, se isole. Aí o que nós fizemos? A gente continuou tocando a cooperativa e deslocamos as cooperadas para as suas casas.

Vinham aqui as pessoas do corte, cortávamos e levávamos para as casas, recolhíamos e fizemos em torno de umas 130 mil máscaras. E aqui na vila, nós fomos de casa em casa. Nós entregamos para todos os moradores, máscara e sabão de óleo de cozinha.

Porto Alegre enchente2024

Então foi um período muito intenso. Só que agora, com a enchente, aconteceu o contrário. As pessoas precisavam dos outros.

Elas tiveram que largar a sua casa. Perderam aquilo que era o aconchego dela. E alguém invadiu a tua casa.

E alguém pegou tuas coisas. Pegou tuas memórias. As coisas que as pessoas gastaram a vida inteira para ter.

Então não é uma perda material capitalista. É um dano de trabalho, de investimento, de trabalho, de suor, de renúncia. E aqui tem muitas pessoas também de idade, sabe?

Por isso que é muita emoção (choro) até agora te falar. Porque não deu para viver o nosso luto das perdas. Eu não consegui limpar a minha casa.

Tiveram que vir pessoas, porque o atendimento aqui era todo dia. As pessoas chegavam, homens e mulheres, desesperados, num choro. Que queriam abraçar a gente.

Então era um momento assim, puxa, eu preciso encontrar alguém. E a gente foi encontrando todas as pessoas que nesses anos todos, todas as lutas que nós fizemos, a gente não se enxergava mais. E agora a gente voltou a se encontrar de novo.

Pessoas mais velhas, pessoas que estavam isoladas, sabe? Então tem sido um período muito forte de muita emoção. De muita, muita, muita, muita mesmo. E muitas famílias continuam sem nada.

E elas postam, a gente fez um grupo da comunidade e elas postam. Hoje nós estamos deitando num lençol, porque a cooperativa conseguiu. Num colchão, porque a cooperativa conseguiu. Hoje nós estamos comendo, porque a cooperativa conseguiu.

Então a cooperativa virou algo muito, muito especial. Muito especial, sabe? As pessoas chegam, abraçam com muita, muita gratidão.

A ausência do Estado, que eu acho que devia ter tido reações no sentido do cuidado, não teve. E a gente conseguiu ter, sabe? Então tem sido muito, muito forte. Um período muito forte, que tem mexido muito com a emoção da gente.

E mexeu muito com as pessoas, sabe? E não está tendo tempo de tratar isso, porque as pessoas... Nós ficamos 20 dias, toda a vila sem luz. As pessoas fora de casa. Depois voltaram aos poucos, conforme a água foi baixando.

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A água destruiu tudo, todos os móveis. As suas plantas, as suas hortas. E agora a gente está reconstruindo aos pouquinhos.

Nunca mais vai ser a mesma coisa, sabe? Porque muitos têm coisas usadas, que foram dadas. Não foram as coisas que elas escolheram. Eu sei que isso agora é detalhe. Até o pessoal releva isso, sabe? Mas é isso, parece que tu abre mão da tua história.

A gente olha para as pessoas, elas envelheceram muito, sabe? Pelo impacto que teve, que nunca tinha acontecido. E mesmo assim eles olham com insegurança. Por que não têm certeza se não vai acontecer de novo. Por que não está tendo uma ação de impacto, de prevenção. E nem tem investimento público, não é? Não tem uma proposta para elevação das casas? Sei lá, para bombeamento? E é muita gente.

É uma cidade que foi... Nem vou entrar nesse assunto. Mas eu quero te dizer que essa enchente, com esse lado humano, sabe? Ele foi muito forte. Dos movimentos sociais também foi muito forte.

Os sindicatos tiveram aqui presentes muito, muito, muito, sabe? Trazendo para a gente. Empresas que também foram alagadas, que vieram. Que acreditam num mundo diferente. Que tiveram aqui presentes. Trazendo a sua solidariedade. E também acho que teve muito isso do Brasil inteiro. As pessoas ligavam e perguntavam. Não perguntavam como está a sua casa. Perguntavam como é que você está. Isso as mulheres são excepcionais. As mulheres são incríveis nisso, sabe? Muitas. E sempre que elas ligavam, elas perguntavam. Como é que você está? E depois queriam saber de toda a situação. E isso eu acho que é muito legal.

A gente está vivendo aqui, a gente tem um sentimento que essa humanidade não tem jeito. Esse período aqui, ele ainda move na gente a esperança que essa humanidade tem jeito. Pelas atitudes, por aquilo que o Brasil se manifestou.

E sobretudo por esses momentos que a gente vive. Eu nunca pensei que um dia alguém ficasse feliz por ganhar um balde. Um rodo. Agora a gente já está num outro estágio. Agora a gente já está começando a entregar fogão.

A gente está começando a entregar cama. Guarda-roupa. Cozinha. Então é um momento, um outro estágio.

E também a gente fez uma campanha muito grande para conseguir máquinas de costura. A gente agora está realizando a compra das máquinas. A gente vai poder entregar as máquinas.

As pessoas choraram por tudo, né? É um momento de ser ter emoção. Quando os homens chegavam, choravam. Manifestou isso também neles.

As mulheres, a gente tem isso, né? O sentimento muito mais forte, assim. E aflora mais rápido. De dizer, olha só, a gente realmente tem um lado que mexe muito com a gente.

Tem um lado humano que ele precisa ser cuidado. Que ele precisa ser olhado com carinho. E aqui a gente teve, os mutirões tiveram a marca da presença das mulheres. Muito forte, assim.

Eu acho que esse lado das mulheres é um lado... Eu sou muito feliz por ser mulher. Ele estrutura a sociedade, né? Ele é muito... É, porque tem um olhar de cuidado. As coisas não é um mais um é dois. Um mais um pode ser três. Ou pode ser um e meio. É algo muito forte a gente poder ouvir as pessoas, de poder entender isso tudo que está passando.

Isabel - Ah, muito bom. Nelsa, me diz uma coisa. Essas mulheres que trabalham aqui, elas vêm por adesão? Elas são as fundadoras? Alguém que sai da cooperativa? É uma cooperativa com cota.

Como é que vocês funcionam? Como é a organização do trabalho? Ou depois se você quiser me dar uma cópia do estatuto?

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Nelsa - Tem um livro, que eu vou te dar, onde eu escrevo isso (As Tramas da esperança. A história não para … - https://oikoseditora.com.br/obra/index/id/1066). Mas aqui na cooperativa as pessoas entram, elas pedem pra entrar. Aí elas trabalham aqui durante um mês pra ver se elas sabem ou não costurar.

Lógico que a gente entra aqui tem minimamente noção. Mas algumas também que estão aqui vieram porque a gente fez cursos de capacitação pra elas aprenderem. Então ela vem porque ela gosta daqui, ela quer trabalhar aqui.

Então ela trabalha durante um mês pra ver se ela se adapta num trabalho coletivo. Também se ela dá conta. E também se o grupo se adapta a essa nova pessoa que está chegando. Depois de um mês a gente tem assembleia. A gente tem assembleias aqui todos os meses de toda a cooperativa, a gente avalia e vê se todas concordam que ela entre.

Isabel - Todas só das costureiras, não entra o banco? Cada um independente?

Isso, cada um é uma forma de organização diferente. Aí aprova e aí ela incorpora a cooperativa. Passa a incorporar a cooperativa.

Aqui a gente tem sim, como todas as cooperativas, as cotas. Então ela paga parceladamente as suas cotas pra ficar numa situação igual. O capital do giro.

O nosso capital social, é isso. E como é que...

Isabel - Previdência? Recolhem previdência? Cada um recolhe particular?

Não, a cooperativa recolhe os 11% sai da retirada de cada uma e 20% a cooperativa paga do recurso gerado. Então a gente paga 31% direto que eu acho que é uma lei que precisa ser mudada porque as empresas são o patrão que paga e o empregado, né? Aqui nós todas somos cooperadas bom, sai do teu, sai do montante é tudo nosso.

Isabel - 11% vocês entram nessa taxa menor da última da reforma da previdência.

Nelsa - Não, 11% é a cooperada que desconta da sua retirada e a cooperativa agrega mais 20%. Então o total que a gente paga no fim do mês pra previdência é 31%.

E aí todas vão se aposentar pela regra da previdência. Então isso é um auxílio assistente de trabalho, essas coisas todas. A gente tem sim um auxílio de doenças se se afastar antes dos 15 dias e depois ela tem o mesmo apoio do INSS, grávida também se afasta com o INSS.

A gente tem um décimo terceiro que é uma redistribuição de sobras no final do ano que equivale a uma quantidade de X que a gente fala que é o nosso décimo terceiro. A gente tem férias. A gente tem um fundo férias. A gente tira 10 dias em julho ou agosto e mais 20 dias em fevereiro. Podemos desfrutar de uma prainha.

A gente tem isso também. Então na verdade, em termos de direitos, a gente tem o melhor de todos que é de você trabalhar perto de casa e trabalhar coletivamente e de ninguém te mandar embora. É cooperada que sai, a não ser que você apronte algo muito grave que as cooperadas todas decidam que não dá mais para continuar. Nunca foi o nosso caso aqui.

Eu te falei que a cooperativa surgiu para costurar para o hospital e a gente nunca costurou.. Agora deu certo.

Em 2024, teve uma chamada pública para fazer lençóis orgânicos para o hospital, para a maternidade, área infantil e a oncologia. Então a gente tem um contrato dessa chamada pública, a gente fez um processo legal da chamada pública, nós vamos entregar durante um ano 600 lençóis e 1000 fronhas para essa área infantil, com possibilidade de expansão.

Isabel - Por ano?

Nelsa - Não, por mês.

Nós já estamos dialogando com o hospital de clínicas e o hospital Conceição também com a possibilidade de ampliar para outras áreas. Eu sempre falo assim, é a coisa mais maravilhosa que pode ter na vida de um ser humano é ele trabalhar naquilo que ele gosta e que aquilo que ele produz tem um resultado maravilhoso para as pessoas e a gente está falando em vestir saudável e ainda com esse recorte: a gente está fazendo para um hospital que é a saúde. Muito lindo!

Eu acho também que a gente tem que pensar em ações que a gente vá mais para a ponta que agregue mais valor. Não dá para a gente ficar achando que a gente está mudando o mundo dessa forma.

Mesmo as cozinhas. As pessoas não têm o que comer. Elas vão ter uma marmita para comer, mas isso não tem dignidade. A gente recebeu muito das cozinhas aqui, foi muito bom porque o pessoal não tinha onde cozinhar. Tem que ser programa emergencial, ele não pode virar um programa de sempre porque as pessoas precisam se estabelecer. É emancipação humana, para que a pessoa possa se prover seja cooperativado, seja de outra forma.

Isabel - concordo muito contigo tanto que eu disse para Rosário (Maria do Rosário), política pública tem que ser restaurantes populares e o governo tem que contratar capacitar as mulheres e contratar as mulheres da comunidade para cozinhar ali no restaurante popular. Que as mulheres possam ir a pé, porque se tiver que pegar um ônibus de 5 reais para comprar uma comida de 2 reais acabou, tem que ser um lugar com outras políticas: lavanderia, artesanato etc.

Nelsa, eu não quero mais te atrapalhar, só queria que tu falaste mais sobre a compra pública.

A compra pública é como um pedaço do empreendimento desses como vocês tem, uma parte a gente vende para o poder público, mas a gente está aí com outro mercado, a gente tem que disputar na verdade o que nós queremos fazer. Para mudar o capitalismo a gente tem que entrar e trazer essa economia centralizadora que ele tem, pra que a gente possa fazer a distribuição, porque é isso quando você vai ocupando espaços.

 

 


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