Quase lá: Reconstruir o Brasil só será possível com as Margaridas

Pela 7ª vez, as Margaridas decididas, corajosas, organizadas, cheias de vida chegaram em Brasília, que alegria! que satisfação! Que honra essas presenças no nosso cerrado, na Esplanada dos Ministérios, na Praça que não foi só dos Três Poderes, mas muito mais: foi do grande e do maior poder, que é o Poder Popular das mulheres mobilizadas e em luta para reconstruir o Brasil pelo Bem Viver.  

Cfemea

Éramos mais de 100 mil mulheres do campo, das florestas e das águas reivindicando pautas feministas, das trabalhadoras, das comunidades quilombolas, das camponesas, das quebradeiras de côco, lutando por justiça socioambiental, pelo fim da violência no campo,  pela democratização da democracia com a participação das mulheres e pelo Bem-Viver. A marcha sobre a Esplanada foi a culminância de um processo iniciado há quase um ano atrás, pelas mulheres da CONTAG, construindo a pauta nos territórios, em articulação fina com as forças dos movimentos de mulheres e feminista - AMB, GT Mulheres da ANA, MAMA, MIQCB, MMC, MMM, MMTR-NE, UBM – com os movimentos quilombola, da agriculta familiar, economia solidária, centrais sindicais: CONAQ, CTB, COPROFAM, CNS, CUT, UNICAFES, RE-LUITA, CONFREM, CONTAR, MST etc. Essa teia organizativa tão potente, tecida com tantos fios, acolhedora de tanta diversidade, e mantida pela dedicação de muitas, é certamente um fator decisivo que assegura a amplitude, a consistência e a vida longa das Margaridas. É uma experiência política madura, renovada e extremamente valiosa para reconstrução do Brasil e para a luta pelo Bem Viver.

Muitas delas vieram de ônibus por mais de 20 horas de estrada para somar esforços na luta pela reconstrução do Brasil entre as atividades realizadas nas tendas, nas discussões políticas das plenárias, reencontrar companheiras e marchar desde os primeiros raios de sol até o Congresso Nacional para reivindicar sua agenda de governo.

O sentimento era de grande emoção coletiva. Para as mais antigas, que resistiram à Ditadura Militar e depois às trevas bolsonaristas, viver esse mega manifestação política, encheu o peito de esperança e renovou as forças para as lutas. Para aquelas que resistem aos conflitos no campo, nas águas e nas florestas, que foram tão agravados no desgoverno de Bolsonaro, foi possível potencializar esforços junto as suas companheiras dos mais diversos territórios. Os rostos e as falas das margaridas espraiavam engajamento intergeracional, multiétnico, diversidade sexual e ancestralidade.

Foi momento não só de celebração, mas de contínua demanda por reconhecimento da luta das mulheres camponesas, ribeirinhas, quilombolas, pescadoras e indígenas por políticas públicas, como a reforma agrária, o combate à violência política no campo, proteção sócioambiental, garantia de serviços públicos para as trabalhadoras rurais, incentivo à mobilização política de jovens, apoio às mulheres do campo e combate ao feminicídio.

Foto de Clara WardiNo dia 16, houve Sessão Solene em homenagem às Margaridas no Senado Federal, importante momento de participação popular feminista antirracista nesse espaço político que até então tem sido palco da bancada ruralista, misógina. Entre as que integraram a mesa, estavam: as deputadas Erika Kokay (PT/DF) e Gilvana Faro (PT/PA), a Ministra das Mulheres, Aparecida Gonçalves, Mazé Morais, da CONTAG e Coordenadora da Marcha das Margaridas, e Joana Santos representante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), o senador Paulo Paim (PT/RS), entre outras e outros representantes. Nas cadeiras do Plenário, reuniram-se por volta de duzentas Margaridas, muitas delas com lenços escrito #Elas Ficam, em campanha de apoio às 6 deputadas feministas ameaçadas de cassação pela direita (os lenços foram distribuídos pelo CFEMEA e são parte da campanha de combate à violência política de gênero e raça). “Elas Ficam!” gritaram em uníssono, mostrando que essa violência política é uma realidade dentro e fora do Congresso, de diversos territórios brasileiros e de dentro e fora da política institucional.

Durante a manhã e à tarde do dia 15, ocorreram inúmeras atividades no Pavilhão do Parque da Cidade, onde a grande maioria das Margaridas estavam acampadas. Uma programação extensa de debates, painéis, oficinas, diálogos, rodas de cuidado e atividades culturais propiciaram o intercâmbio, as trocas, as articulações, o acolhimento, o reconhecimento mútuo, o alívio das tensões e cansaços dessa longa jornada.

Nesta 7ª Marcha “Pela Reconstrução do Brasil e Pelo Bem Viver” foram debatidos e construídas pautas em 13 eixos políticos:

- Democracia participativa e soberania popular;

- Poder e participação política das mulheres;

- Vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo;

- Autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade;

- Proteção da Natureza com justiça ambiental e climática;

- Autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética;

- Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios;

- Direito de acesso e uso da biodiversidade, defesa dos bens comuns;

- Vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional;

- Autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda;

- Saúde, Previdência e Assistência Social pública, universal e solidária;

- Educação Pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo;

- Universalização do acesso à internet e inclusão digital.

Nós do CFEMEA temos participado de todas as Marchas realizadas. Como das outras vezes, nos dedicamos a apoiar e contribuir com o processo de organização (nacional e local). Estivemos na construção da Sessão Especial no Senado Federal e ajudamos com a produção e distribuição das bandanas para manifestarmos o apoio às deputadas que estão sendo ameaçadas pelo machismo e o fascismo, estivemos presentes em todos os momentos do acampamento e da caminhada, somamos esforços para organizar e manter o Espaço de Educação e Cuidado (também chamado de Tenda da Cura) todo o dia, facilitamos a Roda de Autocuidado e Cuidado para a Sustentabilidade do Ativismo Feminista Antirracista, com o objetivo de realizar uma escuta acolhedora e diálogo sobre os temas.

No dia seguinte, a multidão de mulheres protetoras da terra, em sua diversidade, como visto na ilustração da Marcha desse ano, caminhando “atentas e fortes”, repetido por elas no hino, se tornou realidade em alto e bom som.  A multidão reuniu comitivas de diversos municípios brasileiros, de todas as regiões do Brasil. Na ilustração, o rosto em destaque é de Margarida Alves, trabalhadora rural e sindicalista, cuja luta e a história inspiram a Marcha. Ela foi assassinada por seu ativismo na defesa dos direitos humanos e tornou-se símbolo brasileiro das demandas de mulheres do campo.

A pauta agrária é composta por uma agenda urgente para a reconstrução do Brasil por meio do abalo das estruturas de dominação que historicamente tomam o Brasil: o racismo, o patriarcado e o capitalismo, que aqui criaram profundas desigualdades de acesso à terra por meio da exploração do trabalho e da negação de direitos e acesso aos serviços públicos básicos, como educação, saúde e alimentação. Reconstruir o Brasil, sustentar a vida e a natureza, só será possível marchando junto com as margaridas.

O que as trabalhadoras rurais e as camponeses que protagonizaram a Marcha das Margaridas nos ensinam é que tudo é um processo, o caminhar juntas é o que mais vale e também o que mais constrói, a luta é permanente, construída dia-a-dia em uma mistura de território, corpos, suores e sonhos. O que vimos em Brasília foi um momento importante desse caminhar juntas, ainda há muito o que se fazer ...


Foto de Ricardo Stuckert


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