Quase lá: Universidade Livre Feminista Antirracista – ULFA para os diálogos Sul-Sul

Nova fase de projeto que se iniciou no Brasil visa ampliar conexões com os países de língua portuguesa

Revista Bravas nº 16 - 2023

Guacira Cesar Oliveira

Igina Mota Sales

Schuma Schumaher

Nós mulheres - negras, brancas, indígenas, asiáticas; trabalhadoras urbanas, periféricas, rurais, quilombolas, ribeirinhas; LTBQIA+, cis, corpos diversos –, sempre estivemos conectadas às principais inovações da humanidade, desde nosso protagonismo na revolução agrícola, no período neolítico, há 10 mil anos. E é desse lugar de resistência e protagonismo ancestral, que fazemos brotar inovações, com intercâmbio de saberes e conhecimentos, em todas as áreas e disciplinas. Manejamos raízes e plantas de cura; produzimos cultura; lutamos pela ampliação de direitos; produzimos tecnologias; acreditamos no saber científico que dialoga com os saberes tradicionais. Por isso, estamos ampliando um espaço educativo coletivo, que nos possibilite intercâmbios pelo Sul Global, forjando nossa própria conectividade e nossas trocas, onde quer que estejamos: na floresta, nas cidades, no campo, nas periferias, nas águas etc. Assim, poderemos fortalecer globalmente a perspectiva feminista antirracista, oferecendo ao mundo reflexões que contribuam para a construção do Bem Viver, que necessariamente deve incluir todas as mulheres e sua complexidade.

A proposta da Universidade Livre Feminista Antirracista – ULFA, elaborada a muitas mãos e mentes, é uma contribuição para transformar vidas, realidades e destinos, partindo de uma experimentação iniciada no Brasil há 15 anos. Assim como os movimentos de mulheres e feministas, a iniciativa nasceu do olhar de/para/com todas as mulheres, em especial as negras e indígenas e suas comunidades, bem como mulheres em situação de vulnerabilidade, elencando as desigualdades que nos distanciam, com o objetivo de construir estratégias para superá-las rumo a aproximações férteis. Nos últimos anos experimentamos, testamos metodologias, tecnologias e formas de construção de redes em diferentes territórios e para diferentes grupos sociais. 

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Assim, construímos possibilidades de inovações em várias configurações: na tecnologia de convergência entre a educação presencial e a educação a distância; nas metodologias, que unem as individualidades e as coletividades; na superação da segregação das mulheres em todos os campos do conhecimento humano; no reconhecimento da inteligência das mulheres, mesmo as que tiveram negadas as mínimas condições de acesso à educação formal e não tiveram sequer o direito à alfabetização; entre outros aspectos. Atualmente, a tecnologia possibilita que milhões de mulheres possam acessar, ao mesmo tempo, bases de dados, cursos, discussões, debates, entre outros formatos. E elas podem fazer isso ativamente: falando, vendo e sendo vistas. Nos próximos anos, a tradução simultânea em tempo real e os avanços da computação auxiliada pela inteligência artificial vão retirar as barreiras linguísticas que ainda dificultam a participação ativa em ações educativas multinacionais.

Por isso, apostamos numa comunidade virtual global. A partir de nossa experiência, inovar é tecer redes, é dinamizar espaços de intercâmbios e geradores de fluxos de trocas, aprendizados, reflexão e elaboração coletiva. Assim, podemos converter a inovação em um lugar de sonhar e experimentar alternativas, tanto na esfera micro quanto macropolítica, de enfrentamento ao machismo, o patriarcado cis-heteronormativo, o neocolonialismo, o racismo, o capacitismo, o antropocentrismo. 

Em sua nova fase, a ULFA será uma grande ação coletiva educativa global de diálogo, trocas e fortalecimento das redes feministas, movimentos de mulheres, fóruns regionais de mulheres negras, com abrangência, num primeiro momento, nos países de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tome e Príncipe e Timor-Leste) e, num futuro próximo, com países da América Latina em que a ULFA tem ligações em Rede, como é o caso da Articulação Feminista MarcoSul e articulações na Panamazônia. Para isso, estamos construindo um espaço de diálogo intercultural, de complexificação dos próprios feminismos pela crítica decolonial e intercâmbio de saberes. Assim, a ULFA contribuirá com o mundo ao se posicionar como fonte de alternativas a partir do Sul Global, geradora de possibilidades de lutas e resistências no campo ecossocial, acadêmico, cultural, ativista, político e econômico.

Os conteúdos que pensamos juntas buscam alimentar alternativas para o Bem Viver, ser suporte para territórios de cuidado, lutas e sustentação da vida, ultrapassando fronteiras que hoje separam, por exemplo, o pessoal do político, a esfera produtiva da reprodutiva. Além disso, também articulamos o autocuidado e o cuidado coletivo entre as mulheres, com suas lutas e com metodologias e processos de trabalho, garantia de renda, capacitação em diversos territórios, países e continentes.

Assim, nós nos reconhecemos como uma comunidade virtual de mulheres e ativistas feministas, antirracistas, decoloniais do Sul-Global, dinamizadora de conexões, inicialmente a partir dos Países de Língua Portuguesa. Sobre essa base sociocultural-política compartilhada, estamos abrindo novos canais para constituir vários núcleos da ULFA em diferentes territórios, tecer uma rede com muitos fios, que os nossos ativismos dinamizem, que a nossa memória ancestral sustente, que a língua portuguesa e as apropriações criativas do idioma entre nossos países viabilizem, gerando novos fluxos e oportunizando encontros que, almejamos, sejam inéditos e fecundos. 

Para tanto, estamos firmando alianças colaborativas entre organizações da sociedade civil, além de apoio institucionais de governos e entidades de governança global e fundações internacionais. Buscamos parcerias com o mundo acadêmico (universidades, institutos de pesquisa), com os movimentos populares e suas escolas de formação de ativistas, com organismos multilaterais, em defesa dos direitos das mulheres e meninas, com empresas sociais e públicas que estejam compromissadas com a superação das desigualdades. Esperançamos (no sentido Freiriano) diálogos e convergências entre mulheres no campo dos conhecimentos científicos dos saberes populares construídos na luta em prol do Bem Viver. 

A ULFA nasceu no Brasil, mas busca parceiras, associadas e conexões neste vasto pequeno planeta, a começar com nossas irmãs de língua portuguesa e além. Este é um chamado, um convite, feito com muito ânimo, para quem se dispuser a se juntar a nós, neste grande sonho bem sonhado de voar com “as asas do Bem Viver”, conferindo usos criativos e construtivos à tecnologia.

Daqui um pouco, quando você for ler este documento, ele será diferente, pois estará sendo reescrito a partir dessas novas conexões e diálogos. Não é um projeto rígido, mas um sonho que estamos vivendo juntas com as mais diferentes experiências, vivências e perspectivas, em um caminha coletivo para construir uma sociedade sem exploradas e exploradores, sem amarras e grilhões. A ULFA será uma parte dessas lutas e sonhos.

 

1  Guacira Cesar de Oliveira e Schuma Schumaher são ativistas feministas antirracistas, diretoras do CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria e da REDEH-Rede de Desenvolvimento Humano (organizações feministas antirracistas que fazem parte da AFM - Articulação Feminista MarcoSur, a primeira com sede em Brasilia/DF e a segunda com sede no  Rio de Janeiro/RJ); e Igina Mota Sales, ativista feminista negra, do Estado do Pará, que integra o Mocambo/Grupo de Mulheres Negra Felipa Aranha, com sede em Belén, Pará.

 www.feminismo.org.brwww.ulfa.org.br y www.mulherlivre.org

 
fonte: https://www.revista-bravas.org/ulfa-portugues
 

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