Quase lá: Racismo religioso e violência física contra anciã indígena revela cotidiano de terror do povo Guarani Kaiowá

Autor de graves ameaças contra Ñandesy (guardiã dos saberes ancestrais) Tereza Espíndola, da terra indígena Bororó em Dourados-MS, foi solto nesta semana

Ñandesy Tereza. Crédito: Divulgação

Ñandesy Tereza. Crédito: Divulgação

O início desta semana foi marcado por mais um episódio de violência que já se tornou cotidiana na vida das mulheres Guarani Kaiowá. A anciã Tereza Espíndola, 87 anos, reconhecida como Ñandesy – guardiã dos saberes ancestrais e líder espiritual na terra indígena Bororó em Dourados-MS, vive dias de terror depois que o homem que a agrediu e prometeu matá-la foi solto menos de 24 horas depois de ter sido preso, na última terça-feira (24/10), depois de pagar uma fiança de apenas um salário mínimo.

O caso ocorreu depois que a Ñandesy Tereza acolheu a própria neta, esposa do criminoso e que também foi agredida por ele. Além das ameaças de morte, o agressor ainda proferiu diversas ofensas de cunho religioso, chamando a Ñandesy de “bruxa” e prometendo queimar a casa de reza, onde a líder espiritual conduz os ritos tradicionais. A liberdade do agressor causa terror não apenas para a anciã, mas também para sua família e comunidade.

Mesmo com a gravidade das agressões, o caso vem sendo tratado como ocorrência doméstica, com concessão formal de medida protetiva, mas sem nenhum tipo de segurança especial para a Ñandesy, que mora num território indígena afastado da cidade. Além disso, a vítima não teve seu depoimento registrado, já que a delegacia que recebeu o caso não conta com tradutores do idioma guarani. Atualmente, uma nova prisão do agressor é aguardada, porém, a tramitação é lenta.

“A Justiça do Mato Grosso do Sul não trata esse caso como intolerância religiosa. Não falam de racismo e fundamentalismo religioso e nos últimos anos temos registrado muitas vítimas e muitos ataques às casas de reza”, denuncia Jaqueline Gonçalves Kuña Aranduhá Kaiowá, integrante da Kuñangue Aty Guasu, a Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani, que acompanha o caso de perto. Ela ressalta que as Ñandesys e os Ñanderus, também conhecidos como rezadeiras e rezadores, sofrem violências recorrentes vindas especialmente de fundamentalistas religiosos, que resultam com frequência em mortes. Para ela, é urgente um envolvimento maior dos governos e instituições públicas.

Por exemplo, no último mês de setembro, um casal de rezadores do povo Guarani e Kaiowá foram assassinados na aldeia Guassuty, em Aral Moreira, cidade na fronteira entre Brasil e Paraguai, também no Mato Grosso do Sul. Os corpos de Sebastiana e Rufino foram encontrados em meio às cinzas da casa onde moravam. Meses antes, em dezembro de 2022, a Ñandesy Estela Vera, de 67 anos, foi assassinada a tiros em Japorã, cidade do mesmo estado. Os casos se acumulam e as denúncias são repetidas à exaustão pelos povos Guarani Kaiowá.

“Muitas mortes ocorrem e não há investigação ou encaminhamento. É preciso que as leis sejam mais rigorosas na apuração desse tipo de crime e que haja mais visibilidade para esse problema. Não tenho mais nem o que dizer depois do tanto que já denunciamos”, reivindica Jaqueline. Relatórios que compliam diversos tipos de casos de violência estão disponíveis no site Kuñangue Aty Guasu.

 

Mobilização pela proteção da Ñandesy

Desde terça-feira, instituições de defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres estão mobilizadas em torno do caso da Ñandesy Tereza. Uma nota pública pela proteção da vida da líder espiritual está circulando e já tem o apoio de 25 organizações coletivas. Além disso, a nota foi entregue pela equipe do Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, em mãos, para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e para a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. A deputada Célia Xakriabá também recebeu pessoalmente a nota. O caso foi denunciado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e oficiados os Ministérios da Igualdade Racial, Povos Indígenas e Mulheres.

ACESSE AQUI A NOTA PÚBLICA PELA VIDA DA ÑANDESY TEREZA

Enquanto isso, o agressor da Ñandesy segue em liberdade. A ameaça segue ecoando na comunidade. “A insegurança da Ñandesy é cada vez maior; ela está com medo e teme uma nova invasão da casa dela”, relatou Jaqueline, que esteve recentemente com a Ñandesy. O pedido de prisão preventiva do criminoso segue em tramitação, sem prazos de resposta.

Texto: Verônica Lima, assessoria de comunicação do Cfemea.


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