Quase lá: Eis o Manifesto das Periferias de São Paulo

Num documento construído coletivamente, e que reflete alta elaboração política, a visão de lideranças das quebradas sobre a permanência de relações coloniais na metrópole – e os caminhos para a busca de uma cidade do Comum

 

OutrasPalavras

Publicado 06/09/2024 às 19:13 - Atualizado 06/09/2024 às 19:34

Vista da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, com prédios de alto padrão do bairro do Morumbi ao fundo. Foto: Apu Gomes/Oxfam

 

Como contribuir com o Encontro das Periferias

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O documento que Outras Palavras publica a seguir resulta de uma ação política quase subterrânea – mas de enorme potencial político. Nos últimos meses, lideranças dos movimentos que atuam nas periferias de São Paulo lançaram-se a uma articulação incomum. O objetivo: avançar na construção de um “sujeito social periférico” – autônomo, crítico e capaz de enfrentar a desigualdade e desumanização que marcam nossas cidades.

A iniciativa partiu de algo latente. Nos imensos subúrbios de todas as regiões da cidade há grupos batalhando para apoiar as vítimas de um modelo urbano que exclui as maiorias; para estabelecer horizontes de uma outra metrópole possível; e para mostrar que a luta por eles é possível. É uma atitude indispensável, diante do crescimento do fundamentalismo religioso e da ideologia do empreendedorismo ultraindividualista.

A articulação mobiliza múltiplos protagonismos, e fez brotar outros. Reuniões realizadas desde o início do ano, em diversos pontos da cidade, construíram análises sobre os problemas urbanos contemporâneos e as alternativas para enfrentá-los. Dessa tessitura surgiu o Manifesto das Periferias de São Paulo. Foi fechado num encontro de todas as regiões, ocorrido em 23/8 no Sindicato dos Químicos. Trata-se, por enquanto, de um movimento de lideranças. Cerca de cem pessoas compareceram. Mas parecia estar claro para elas que se tratava de uma largada, não de um fecho. O manifesto é a base a partir da qual se multiplicarão novos encontros, para difundir a ideia de que outro projeto de cidade é possível. Outras Palavras, que assistiu ao processo de construção inicial do movimento (veja nossas entrevistas com Mateus Muradas, um de seus líderes 1 2), continuará a acompanhá-lo.

 

O movimento autofinancia-se com base na reciprocidade. As reuniões são realizadas em espaços já existentes – centros comunitários, escolas, igrejas, clubes e outros. Os participantes distribuem responsabilidades, ou quotizam-se, para assegurar o som, a transmissão e registro do encontro, algum deslocamento, a mesinha de lanches. Quase não há dispêndio mercantil. Mas sobrou, ao final desta primeira etapa, uma conta de R$ 6 mil, ainda não paga. O valor é ínfimo, numa sociedade em que os movimentos de dinheiro são trilionários.

Uma forma muito efetiva de participar da construção do Encontro das Periferias é fazer uma contribuição, para saldar esta dívida. Basta enviar um pix para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Qualquer valor ajuda a fechar as contas. Aprecia-se a generosidade… Participações militantes são igualmente necessárias e bem-vindas. Para fazer contato com o movimento, basta acessar sua página nas redes sociais. Lá mesmo você pode se inscrever para receber, via WhatsApp, as últimas notícias do movimento (Antonio Martins).


Contexto histórico

1.1. O Encontro das Periferias surge em um momento político de várias manifestações da crise do Capital: avanço da fome, do desemprego, da questão climática, crise política, econômica, guerras, racismo e machismo, cujos efeitos atingem as populações empobrecidas e mais vulneráveis, os territórios e os sujeitos periféricos. Tal contexto, somado à ascensão da extrema direita no mundo, ao fundamentalismo religioso e ao crescimento das Fake News, coloca em risco a própria manutenção da democracia burguesa.

1.2. A formação do Brasil em seu período colonial e imperial foi baseado na exploração do trabalho escravo, que durou 350 anos. Milhões de seres humanos foram arrancados da África, vindos nos navios negreiros, sendo que a maioria destas pessoas sequer chegaram no Brasil, sendo mortas nos porões dos navios e atirados no mar. Com a abolição da escravatura em 1888, e a falta de ações do Estado no início do século XX, levaram as populações afro-indígenas a serem excluídas da formação das cidades, tanto em termos de moradia, quanto das relações de trabalho. Com este processo de exclusão formarem-se os cortiços, favelas e comunidades marginalizadas.

1.3. Na segunda metade do século XX, as grandes cidades do Brasil, em especial, a cidade de São Paulo, sofreram os impactos do chamado êxodo rural, o qual levou grandes populações habitantes de áreas rurais para o ambiente urbano. Em 1950, aproximadamente 36% da população vivia nas cidades, e hoje chega a 85%.

A exclusão social formou os cortiços, favelas e comunidades marginalizadas

1.4. Este crescimento populacional acelerado, impulsionado pelo processo de industrialização, levou a uma expansão urbana que não reconheceu as necessidades das periferias. Na verdade, o planejamento urbano excluiu a classe trabalhadora periférica, formando as chamadas periferias urbanas, na qual se concentraram os conjuntos habitacionais, as moradias populares, as ocupações irregulares e as favelas. A cidade foi pensada para excluir o sujeito periférico, o que é uma contradição, pois cada prédio e construção dessa cidade teve o envolvimento da mão de obra dos trabalhadores periféricos, como os imigrantes nordestinos, que tiveram papel fundamental na construção das rodovias, prédios, e toda infraestrutura urbana.

1.5. Em plena ditadura militar, nas periferias urbanas iniciou-se um processo de luta por direitos. Quando em 1973, surgiu o movimento contra a carestia, nos clubes mães, organizadas pela Igrejas Progressistas, da Zona Sul e se expandiu para toda a Capital, e tinha como bandeira de luta a reforma agrária, salário justo e congelamento dos preços dos produtos de primeira necessidade. Em 1977, surgia na Zona Leste e se expandia para toda a Capital, o movimento das favelas, que tinha como bandeiras de luta, a posse da terra, regularização da água e da luz. Estes movimentos foram embriões da luta pela Democracia e o fim da ditadura, mostrando que a Periferia sempre foi vanguarda nas lutas pelas transformações sociais.

 

1.6. Com o passar dos anos, ao longo do processo de democratização do país, nas décadas de 1980 a 2000, a falta de infraestrutura urbana, saneamento básico, acesso à moradia e aos direitos sociais se tornaram temas gritantes nas periferias de São Paulo. Movimentos populares foram criados e políticas sociais foram implementadas, a partir, das lutas sociais e da ação dos governos democrático-populares, a nível municipal.

1.7. Em 2002, com a chegada de Lula à presidência e a nova fase da política no Brasil, diversos avanços foram conquistados. O combate à fome, a inclusão do pobre no orçamento, a ampliação das políticas públicas, principalmente na saúde, educação e moradia, retomada da geração de emprego, a valorização do salário-mínimo, foram avanços que melhoraram o nível de desenvolvimento do Brasil. Este período político foi interrompido pelo Impeachment de Dilma Roussef, democraticamente eleita em 2014 e derrubada em 2016.

1.8. Posteriormente, com a ascensão de governos neoliberais e de extrema direita, de Temer e Bolsonaro, diversos avanços conquistados pelas periferias foram atacados, com a eliminação de políticas sociais, em níveis federal, estadual e municipal.

A ascensão da direita e do fascismo no poder, levaram a retrocessos nas políticas sociais e diversos outros avanços conquistados pelas periferias

1.9. Durante a pandemia da Covid 19, quando tivemos o ápice do apagamento dos governos na promoção de políticas sociais para as periferias, estes territórios sofreram o impacto das mais de 700 mil mortes, graças a debilidade do atendimento à saúde, do agravamento da pobreza e da miséria extrema. Foi exatamente nesse contexto de descaso, abandono, morte generalizada e desalento, em meio aos ataques do fascismo a nossa Democracia, que os movimentos populares se organizaram e se uniram no enfrentamento à catástrofe sanitária e econômica. Assim, milhares de ações de solidariedade eclodiram em toda a cidade, visando tanto o combate à fome quanto à proteção de trabalhadores da saúde.

Democracias em crise

2.0. Vivemos tempos catastróficos. No Brasil, a crise econômica, política e social tem afetado de forma desproporcional as comunidades periféricas. A pobreza, o desemprego, a violência e a falta de acesso a serviços básicos são a realidade cotidiana de milhões de brasileiros. Além disso, a pandemia de COVID-19 aprofundou ainda mais essas desigualdades, expondo a vulnerabilidade das periferias.

2.1. Os impactos da crise ambiental atingem preferencialmente a população periférica. É necessária uma prática política mais ousada que combata seu avanço, mas que, essencialmente, aponte-a como racismo ambiental e consequência das degradações criminosas do capitalismo e proteja a população periférica de seus efeitos.

Catástrofes climáticas, sanitárias e econômicas colocam a vida humana em risco, em especial da população periférica

2.2. A ascensão da extrema direita, a proliferação de mentiras e do fundamentalismo religioso chegam nas periferias anunciando falsas soluções, falsos messias, desacreditando a ciência e reprimindo a democracia. Estes ataques ao Estado Democrático de Direito, as tentativas de destruição das instituições, a criminalização da política, a perseguição aos partidos democráticos e populares, nos obriga a defender a Democracia Burguesa, mesmo com suas limitações, contradições e que inclusive não avança no combate às desigualdades. Conjunturalmente, alguns dos seus princípios precisam ser defendidos para garantia de acesso à direitos básicos, liberdade política e de ação, para planejar meios de construir uma conscientização de classe da população periférica.

2.3. O fascismo, com seu discurso e sua política do ódio, que julgávamos ser uma página virada da história, ressurge sob novas formas. Atualmente, ele se manifesta no autoritarismo, na censura, no fundamentalismo religioso, e a promoção da política a morte (necropolítica), na militarização da educação, e na criminalização dos movimentos sociais, culturais e de religiões de matriz africana. Em um mundo em que o fascismo ganha terreno, nossa resistência deve ser firme e organizada. As periferias precisam viver uma democracia efetiva, rompendo com a violência estatal, com o racismo institucional e a marginalização do povo empobrecido, pois é assim que o fascismo se manifesta todos os dias, com o intuito de exterminar a população periférica. O preço dos alugueis, o valor comercial de imóveis e a especulação imobiliária tem sido instrumentos de exclusão sistemática das populações empobrecidas das regiões centrais da cidade. Além disso, o sofrimento mental, que atinge praticamente 25% da população, tem gerado uma verdadeira pandemia de pessoas que perdem suas dignidades e sua saúde e passam a morar nas ruas.

2.4. No cenário global, assistimos a uma onda conservadora que se espalha como um vírus. Governos autoritários e políticas regressivas ameaçam os direitos humanos e as conquistas sociais das últimas décadas, como exemplo, temos os genocídios em curso contra os povos Palestino e a algumas nações africanas vítimas de uma política colonial, xenófoba e racista. A intolerância religiosa, a xenofobia, o capacitismo, a lgbtqiapn+fobia, a gordofobia, o etarismo e o machismo se fortalecem, alimentados por discursos de ódio e pela desinformação. Isso ecoa nas periferias, capturando também o nosso povo para essa agenda de ódio, tornando o próprio oprimido um agente usado pelo opressor. As (guerras atuais) que ameaçam nossa estabilidade, impactam diretamente os preços de alimentos, alastrando a fome, especialmente aos mais pobres. É necessário um clamor pela paz mundial.

Manifesto Geral

2.5. De quebrada para quebrada, chegou a hora de dar o papo reto. Já nos chamaram de ralé, maloqueiros, favelados, marginais, de nova classe média, de “Classe C”, mas jamais nos viram como sujeitos de direitos, dignos de cidadania, participação política e decisória nesta cidade. Para as agendas eleitorais, somos meramente números de eleitores. Algumas lideranças locais se vendem por migalhas, enquanto políticos tiram fotos nos campinhos da quebrada, fazem “safari” pelas favelas, comem pastel, fingindo se importar; depois somem, e voltamos ao costumeiro abandono, com o qual, já vivemos há décadas. Essa é a realidade política de muitas das nossas quebradas, mas ela precisa mudar.

2.6. Temos nossos corpos abatidos pelo extermínio policial e, paralelamente, muitos dos nossos voltam do sistema prisional sem o direito de se reinserir na sociedade. Ainda sofremos com a exclusão social e econômica, vítimas da fome, do abandono da saúde, da desestruturação educacional. Na crise sanitária da Covid 19, nos obrigaram a “nos virarmos”, relegados à própria sorte. Agora, com a “emergência climática”, as enchentes levam tudo, inclusive nossas vidas. As quedas de morros e os incêndios não são diferentes, nos afetam mais diretamente, completando o quadro de racismo ambiental.

2.7. Passadas décadas da chamada democracia, nas quebradas ainda sentimos uma ditadura velada, promovida pela violência do Estado, mas também pelo próprio crime local. A ditadura nunca acabou nas periferias! A “lei do silêncio” ainda impera em algumas quebradas. Não podemos falar, não podemos nos expor, temos que trabalhar, andar de cabeça baixa e sem muita opinião. Sofremos também com o racismo religioso, que criminaliza as práticas do povo do axé, por meio de reiteradas opressões e silenciamentos.

A ditadura nunca acabou nas periferias!

2.8. É hora de romper esse silêncio, porque temos muito o que dizer! Somos muitos e em muitos lugares. Já percebemos que unidos somos fortes e organizados podemos ser imbatíveis. Nós temos o poder popular, e cansamos de ser enganados por líderes religiosos hipócritas, políticos corruptos e mentirosos. Estamos num outro contexto, de esperança e luta também.

2.9. Quantos dos nossos não tiveram no Hip Hop, uma salvação? Quantos não se encontraram nos movimentos de moradia, nos saraus e até nos bailes Funk? Quantos dos nossos já não saíram da condição da miséria extrema, chegaram numa faculdade, são trabalhadores e até se tornaram empresários? Por outro lado, nossos corpos podem sair da favela, mas a favela nunca sairá de nós. É hora, inclusive, dos que saíram, voltarem à quebrada, para juntos criarmos memória coletiva, expandirmos a consciência e as potências locais, nos reconectando com nossas origens.

3.0. Morar na periferia e trabalhar no centro, nos obriga a atravessar a cidade, levando as vezes 4, 5 horas por dia dentro de um transporte público. Trabalhar longe de onde moramos, rouba nosso tempo e faz parte da nossa luta, diminuir o tempo de deslocamento para o trabalho. Mais que isso, é necessário ter trampo nas periferias, trabalho com salários valorizados e com carga horária de trabalho reduzida, para que tenhamos tempo para estudar, para o lazer, para cuidar da saúde, para prática esportiva, mas principalmente para ter tempo com a família.

3.1. A extrema direita rouba o conceito de família, ao qual, nas quebradas conhecemos das vovós, das “mães solo” e dos “pais desertos”. Praticamente 40% das famílias no Brasil são monoparentais, ou seja, apenas a mãe cria os filhos. Por traz deste pai que abandona a família, existe um trabalhador oprimido, que precisa ter sua dignidade resgatada. Numa sociedade doentia, que cria um sistema de competição predatória entre os trabalhadores é necessário solidariedade de classe, para reforçar as famílias. Além disso, é necessário alargar e aceitar as matrizes familiares, não tradicionais, dos casais homossexuais, do papel dos avós, fortalecer as mães solos e resgatar a dignidade do “pai deserto”. Por de trás de uma criança abandonada, existe um pai e uma mãe abandonada. Não será com falso moralismo retrogrado que iremos avançar, será lutando pela valorização dos trabalhadores, para que tenham mais tempo com a família e mais recursos para cuida de seus entes queridos.

3.2. Aprendemos nas escolas da vida lições de resistência e de enfrentamento, nas quais a principal lei era a da sobrevivência. Criamos uma “casca” de resistência, no sentido mais profundo de “resistir”, que é se manter vivo. Mantemos a espinha ereta, e temos uma confiança coletiva de quebrada pra quebrada; nós sabemos quem “é” e quem “não é”! O mundo e o olhar são diferentes da ponte pra cá, e a gente se percebe.

Unidos somos fortes e organizados podemos ser imbatíveis!

3.4. Seja no trabalho ou nas festas, as quebradas aprenderam o valor de se unir! Foram nos dias catastróficos da Covid 19, quando o Estado nos abandonou, que se evidenciou que não são as periferias que estão “quebradas”, mas a própria sociedade. A enxurrada de fake news, os risos sádicos, as dancinhas do caixão, enquanto os nossos tombavam, só escancaram esta falência da sociedade. Muitos se esqueceram disso, mas quem viveu o luto, não! E nós vivemos, nós sobrevivemos a isso tudo. Por aqui, resgatamos o valor mais rico de todos, que é a solidariedade de classe; sem ela, quantos mais dos nossos teriam morrido, pela doença, pela miséria, pela depressão?

3.5. Estamos sim à procura de algo. Pro “curar” algo! Que efetivamente cure uma sociedade quebrada. Consideramos que a cura para esta sociedade quebrada virá das “quebradas”. Porque quando nos levantamos, fazemos a diferença. E quando procuramos nos encontrar, nós nos reconhecemos nas lutas.

3.6. Que defesa é essa de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna que não ouve quem precisa ser incluído e precisa de justiça? Que defesa é essa que exalta membros da elite, sejam os ricos ou os intelectuais, e exclui aqueles que não têm a chancela da branquitude, mas sim os pés de barros e as mãos calejadas pelo trabalho? Que defesa é essa que anuncia novos investimentos e programas governamentais, mas não está disposta a nos escutar? Que defesa é essa que criminaliza nossa cultura, nossa religião, nossa música, nossa opinião e a nossa existência? Essa pretensa defesa é somente retórica e midiática, e vem de quem nunca está ao nosso lado nas trincheiras e sequer sentiu as mesmas dores.

A sociedade está “quebrada”, mas será pelas “quebradas” que encontraremos a cura!

3.7. Precisamos nos encontrar nas lutas, pois é nelas que a gente se fortalece! Precisamos iniciar um novo ciclo de Participação Política e Cidadania, no qual o povo trabalhador, empobrecido nunca mais seja alvo, mas sim agente ativo dessa transformação. Não existe projeto político inclusivo que não seja junto com o povo empobrecido.

3.8. Mais do que dar vez a falas e propostas que vêm de fora da quebrada, é hora de nos escutarmos. E agora é papo reto! Este é o “Encontro das Periferias”, um lugar para a Voz Periférica ecoar. E mais do que ecoar uma nova esperança, precisamos encaminhar ações para uma mudança de atuação política mais inclusiva e mais justa.

3.9. Este encontro é também para aqueles que propõem uma saída, nestes tempos catastróficos. Mas não saídas mágicas ou novos projetos nacionais pensados por “gurus”, pseudointelectuais e falsos formuladores. Este encontro é para aqueles que têm disposição de ouvir e de construir coletivamente com os “sujeitos periféricos”, pois são eles que estarão no centro dos debates, não mais como marginais, como excluídos; neste encontro, entraremos empoderados, seremos Seres Humanos Valorizados, e não mais objetos de estatística.

É hora da voz periferia ecoar!

4.0. Chegamos com nossa própria voz, sem porta-vozes. Com voz ativa, de mudança, anunciando novos tempos. Voz que clama por outra civilização, mais coletiva, mais solidária, socialmente equânime e mais livre. São as vozes das batalhas de rima, das rádios/tVs comunitárias, dos podcasts, dos coletivos culturais, dos slams e dos saraus. Também as vozes dos bancos comunitários, das cooperativas, das associações, dos mutirões e movimentos de moradia, dos que “se viram”, os pequenos empreendedores periféricos. Como também as vozes dos que lutam por saúde e educação, das mulheres e negros empoderados, do povo LGBTQIAPN+, que também estão nas quebradas. São ainda as vozes de todas as crenças, filosofias que celebrem a cultura de Paz. O Encontro das Periferias é a cara da quebrada, bem diversa, da pisadinha ao louvor da igreja, do baile Funk às rimas de MCs, do bololo do mandrack ao líder da Associação.

4.1. Será aqui que iremos nos conhecer, nos encantar e apresentar nossas tecnologias periféricas. É chegada a hora da construção de um novo pacto social, um pacto com a periferia, com os mais empobrecidos, por uma outra civilização. Para além dos tempos eleitorais, este encontro será permanente, ocorrendo sempre que as quebradas sentirem nos corações a necessidade de se reunir e se organizar.

4.2. É chegada a hora de inverter a lógica do Capital, que extrai o trabalho da periferia para o centro e devolve exclusão social, do centro para a periferia. Por aqui, vamos esperançar um novo mundo, um mundo melhor, de bem viver, de paz e prosperidade. Uma mensagem de que é possível resistir e criar, de que é possível nos unir e nos mantermos organizados. Numa sociedade quebrada, é da voz das quebradas que vem a cura. Numa sociedade perdida, é preciso se encontrar e o Encontro das Periferias é este lugar!

Nossos princípios:

Democracia sem cidadania é ditadura

4.3. Defendemos uma democracia real, na qual a voz do povo seja ouvida e respeitada. A participação popular nas decisões políticas é fundamental para a construção de uma sociedade justa.

4.4. Atuamos incansavelmente pela ampliação dos espaços de participação social, pelo fortalecimento dos conselhos de participação popular, da atuação dos conselheiros e do impacto de suas deliberações. Cansamos da “Lei do silêncio”, nossa voz é ativa e será ouvida.

Resistir para viver, se unir para avançar

4.5. Atuamos pela união permanente dos movimentos populares e periféricos, como forma de enfrentamento às desigualdades e injustiças de que somos vítimas.

4.6. Promovemos organização das coletividades, criando não apenas redes de apoio e solidariedade entre as comunidades periféricas, mas como forma de unidade política na luta por políticas públicas para as periferias.

Sozinho nunca, coletivo sempre

4.7. Defendemos uma atuação coletiva e para o coletivo. Lutamos pelo bem comum, acima dos interesses individuais e imediatistas.

Copo totalmente vazio

4.8. Contrapor a ideia de copo meio cheio/meio vazio, para afastar oportunistas que buscam o copo “meio cheio” e os recalcados, que alarmam que o copo está “meio vazio”. Nem oportunistas, nem recalcados.

4.9. O copo totalmente vazio representa um espaço aberto para tudo. Isso significa que pessoas podem se reunir sem pressuposições ou interesses predefinidos, permitindo que ideias genuínas e objetivos comuns surjam de maneira natural e desinteressada.

Maloqueiro sim, excluído não

5.0. Rejeitamos todas as formas de racismo, xenofobia, lgbtqipn+fobia, machismo, contra todas as formas de opressão dos corpos de pretos, pardos e periféricos, de todas as formas de encarceramento em massa, inclusive nas novas formas de manicômios (Clinicas ou Comunidades Terapêuticas). É preciso políticas de reinserção social dos egressos do sistema prisional, onde nossa luta é radicalmente antirracista, em favor dos direitos das minorias. Reverenciamos todas as identidades dos sujeitos periféricos, nas suas mais amplas possibilidades de diversidade. Da mesma forma é preciso avançar para a desinstitucionalização dos manicômios judiciários – HCTPs – Resolução 487 \2023.

Políticas de álcool e outras drogas

5.1. É preciso uma política sobre drogas e álcool e outras drogas numa perspectiva da redução de danos. Da mesma forma preciso avançar na adoção de políticas de adoção de cannabis para fins terapêuticos, de forma universal.

Um bom lugar se constrói com humildade

5.2. Humildade é nosso procedimento, mas jamais de cabeça baixa e sem opinião. Pedimos “licença pra chegar”, mas jamais aceitamos o silêncio como forma de opressão, seja da polícia, seja do crime, do pastor ou do político. Ninguém nos guia, a não ser a ação coletiva e o respeito mútuo.

Três T`s: teto digno pra viver, trampo digno pro sustento e tempo livre de lazer

5.3. Lutamos por teto para todos terem onde morar. Lutamos por trabalho, com salário digno, com direitos e jornada adequada. Lutamos por nosso precioso tempo de descanso, com nossas famílias, amigos e nossa quebrada.

Pautas prioritárias

Democracia descentralizada – voz política pra quebrada

1) Fortalecimento dos conselhos participativos, através de:

a. Remuneração e formação para os conselheiros participativos;

b. Tornar a linguagem mais popular e de fácil entendimento, as informações divulgadas nos conselhos participativos da cidade;

c. Decretar a publicação detalhada em todas as subprefeituras do Orçamento público, bem como dos indicadores de qualidade dos serviços públicos e indicadores de desenvolvimento Humano;

2) Fortalecimento e aprimoramento das metodologias de orçamento participativo:

a. Formações em todas as subprefeituras sobre Orçamento Público Municipal;

b. Simplificação e popularização do Orçamento público Municipal;

c. Aprimoramento da ferramenta, Participe +;

d. Condução de oficinas, formações e audiências que envolvam as periferias dentro dos territórios e não apenas em gabinetes;

3) Ampliação e popularização do Conselho Municipal de Políticas Urbanas, bem como das Câmaras e Comitês técnicos da prefeitura:

a. Exclusão da paridade entre Governo I Sociedade Civil do CMPU;

b. Ampliação no número de conselheiros do CMPU;

c. Mudança nas regras para admissão de conselheiros;

d. Promoção de eleições diretas para Conselheiros do CMPU;

e. Remuneração dos conselheiros;

Cultura periférica como voz política

1. Defender 3% do Orçamento Público Municipal para Cultura, sendo 50% dele, aplicado nas periferias;

2. Defender a abertura de concurso para reestruturação da gestão pública municipal da cultura;

3. Defender que o Município de São Paulo faça a adesão ao Sistema Nacional de Cultura para receber os recursos da Lei Aldir Blanc e Lei PG; Defender a implementação do Plano Municipal de Cultura;

4. Defender a retomada da Lei Cultura Viva, e do programa de Ocupações e Pontos de Cultura;

5. Defender a implementação de Casas de Cultura nos 86 distritos da Capital;

6. Defender a descentralização os programas de fomento Cultural, com comissões locais, nas 32 subprefeituras;

7. Defender a retomada da política de pontos de Cultura, e fomentar coletivos culturais atuantes em praças;

8. Defender que o Programa de Fomento a Cultura Periférica fomente grupos que contribuam com a construção dos Planos de Bairro;

9. Apoiar a criação de Observatórios de Políticas Públicas culturais incidentes nas Periferias;

Gênero e Direitos Humanos

1. Fomentar um processo de moradia popular, que envolva a população em todo o processo de construção das moradias, que crie um contexto de cidadania, cultura e comunidade;

2. Fortalecimento das políticas de geração de renda para população LGBTQIAPN+;

3. Criação de espaços de convivência e de saúde;

4. Fortalecimento das políticas públicas de defesa dos direitos humanos, resolução de conflitos, drogas e sistema prisional;

5. Criação do observatório de violência de gênero;

Habitação – morar e morar bem

1. Redefinição do que se entende como “necessidades habitacionais” para além do conceito de déficit habitacional;

2. Implementação de assessoria técnica em larga escala para a “autoconstrução” de moradias periféricas da classe trabalhadora;

3. Regulação do mercado de aluguéis, de modo a impedir a gentrificação e a manipulação dos preços de aluguel;

4. Autogestão habitacional e incentivo a entidades que organizam os movimentos populares de moradia;

5. Oferta habitacional baseada na autogestão da moradia, serviços habitacionais de interesse social (diferente do sistema de propriedade privada individualizada) e estar alinhado equilíbrio ambiental;

6. Ampliar a participação popular das Câmara técnicas e do Conselhos Municipal de Políticas Urbanas;

Transportes

1. Redução da jornada de trabalho sem redução de salário;

2. Tarifa zero e/ou passe livre para o trabalhador;

3. Criação de políticas públicas de desenvolvimento econômico local com o objetivo de reduzir o tempo de deslocamento ao trabalho, a partir da geração de emprego nas periferias;

4. Reestatização do sistema de transporte coletivo de ônibus

5. Novas linhas de ônibus e linhas circulares na periferia;

6. Ampliação de linhas do metrô e da CPTM para toda a periferia;

7. Política de emprego e potencialização de centralidades na periferia;

Educação popular e periférica

1. Combate a militarização das escolas defendida pela Extrema Direita;

2. Defesa do direito à educação pública, gratuita e de qualidade que considere as necessidades da periferia;

3. Investimento descentralizado e contínuo para criação e manutenção de espaços pedagógicos como laboratórios de informática, artes e ciências, biblioteca, brinquedoteca, quadras e pátios, etc.

4. Valorização do magistério e do(a) docente como trabalhador(a) concursado(a) com aumento do piso salarial, melhorias da condição de trabalho e jornada digna;

5. Construção coletiva do Projeto Político Pedagógico a partir de diálogo permanente com as periferias;

6. Distribuição de equipamentos digitais como tablets e/ou computadores como material didático entregue pela escola para cada estudante e continuidade da política pública “Wifi Livre” em toda a periferia, como apoio ao ensino presencial;

7. Apoiar a criação de Observatórios de Políticas Públicas educacionais incidentes nas Periferias;

8. Defender a implementação de políticas de integração entre Cultura, Lazer, Esporte e Educação, para efetivar a ideia de “Escola em Tempo Integral”;

9. Defender a criação da lei de Fomento a Educação Popular;

10. Defender como princípio “quebrar os muros da escola” e criar políticas de envolvimento comunitário nas escolas (lazer, esporte e cultura)

11. Defender que os Institutos Federais construam planos pedagógicos Popular e Periférico;

12. Inserir como meta de governo que 50% das escolas sejam em tempo integral, com cultura, lazer, esporte e participação comunitária efetiva;

13. Defender a introdução, no plano municipal de educação, ações de aprendizagem inseridas no território, fora do ambiente escolar;

Genocídio, violência e defesa da vida

1. Criação do Fórum para mapeamento e gestão de equipamentos público e privados instalados na periferia;

2. Ações de promoção de emprego e renda;

3. Criação de um Observatório da Denúncia;

4. Criação de Centros de Formação Política

5. Criação da Rede de Articulação Periférica;

Infâncias

1. Envolver efetivamente as comunidades nos processos educativos, criando espaços Multieducacionais Populares;

2. Efetivação da rede de proteção à infância;

3. Moradia adequada e segura, onde a criança se sinta segura;

4. Fortalecimento das mulheres;

5. Enfrentamento à violência urbana e ocupação segura do espaço público 6. Passe-livre para crianças


Saúde e defesa da vida

1. Educação em Saúde: processo de vida. Ressignificar o conceito de saúde e morte;

2. Responsabilização do Estado para o aumento dos equipamentos de atenção básica

3. Agenciamento da vida e a promoção de autonomia dos sujeitos periféricos: auto gestão e autodeterminação.

4. Universalização do SUS por meio de ações que abranjam de fato as necessidades de todos os cidadãos.

5. Ampliação e fortalecimento do vínculo entre os equipamentos de saúde que compõem o SUS e as agências de pesquisa

Trabalho

1. Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda;

2. Defender a valorização permanente do Salário Mínimo;

3. Combater o trabalho análogo a escravidão;

4. Promover políticas de desenvolvimento local, de modo a gerar emprego nos territórios;

5. Ampliar os direitos conquistados na Lei do Trabalho Digno;

6. Defender a implementação da Lei de Renda Básica Cidadã;

Emergência climática

1. Defender a implementação de 100% dos parques urbanos contidos no Plano Diretor Municipal;

2. Defender a reestruturação de parques urbanos em condições precárias;

3. Expandir as políticas publicas de proteção das matas remanescentes;

4. Reflorestar e requalificar áreas de manancial, áreas de fundo de vale e áreas com existência de nascentes;

5. Priorizar a construção de parques urbanos em fundos de vale, em detrimento a política de Piscinões;

6. Aumentar o Orçamento público para o Verde e Meio Ambiente;

7. Implementar o Planpavel, plano municipal de áreas protegidas, áreas verdes e espaços livres;

8. Abrir concurso público para recompor os quadros técnicos do funcionalismo público;

9. Ampliar a fiscalização de calçadas irregulares e incentivar o plantio adequado de arvores em calçadas, praças e parques;

10. Promover uma integração maior intersetorial, do Verde e Meio ambiente com demais secretarias;

11. Reformular a UMAPAZ, e ampliar a sua atuação em todos os parques urbanos da cidade, envolvendo a Secretaria de Educação nos planos pedagógicos ambientais, e promover ações de integração da rede de escolas, com os equipamentos ambientais do local;

12. Implementar Fundo de Emergências climáticas para a cidade;

13. Implementar práticas de redução dos danos de desastres ambientais e efeitos da crise climática;

14. Defender a manutenção do orçamento do Verde e Meio Ambiente em 1% do total;

Chamado para a ação – Levante periférico por direitos e voz política

O Manifesto das Periferias – Levante periférico por direitos e Voz Política entrará em vigor no dia 25 de agosto de 2024, não sendo um documento final, mas em constante construção pelos coletivos e movimentos que compõem o Encontro das Periferias.

A partir dessa data, estes serão os elementos norteadores das ações do Encontro das Periferias. Apesar de sua completude, o manifesto poderá sofrer acréscimos e/ou aprimoramentos sempre a Organização Coletiva julgar necessário fazer ajustes cabíveis e adequados, submetendo toda e qualquer alteração ao conjunto de Movimentos e Organizações que o constituem e compõem.

Convidamos todas as pessoas, grupos e organizações comprometidas com a justiça social e a defesa dos direitos humanos a se juntarem a nós. A luta é árdua, mas necessária. O silêncio acabou, precisamos lutar pelo fim das injustiças sociais cometidas contra nós e por uma outra civilização.

Este manifesto é apenas o início. Nossa luta é contínua e permanente. Sigamos em frente, com coragem e determinação. Pelas periferias, pelo Brasil, pelo futuro.

 
 
 

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Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

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