Campanha "Cadê o Dinheiro da Candidata Negra?" revela como a violência patrimonial contra candidatas negras é tão prejudicial quanto outros tipos de agressão e não pode ser ignorada.
Em Recife, onde 60,8% da população se autodeclara negra, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento destaca 149 candidaturas de mulheres à Câmara Municipal, das quais 93 se identificaram como pretas ou pardas. Apesar desse número expressivo, apenas uma mulher negra foi eleita, com 7,5 mil votos (Jô Cavalcanti, do PSOL). Em Salvador e São Luís, onde as populações negras representam 83,2% e 73,5%, respectivamente, os resultados ainda estão longe de refletir qualquer igualdade racial e de gênero.
A partir das entrevistas realizadas, foi possível observar que todas as candidatas consideraram injusto o valor dos recursos destinados as suas campanhas, por estar muito aquém do mínimo necessário para realizar as atividades de campanha. O nome das participantes permanecerá em sigilo, para evitar represálias. Durante as conversas, essas candidatas mencionaram a falta de objetividade dos partidos, especialmente nos comitês estaduais e municipais, quanto às regras internas para a distribuição dos recursos do fundo eleitoral.
Com isso, o Observatório Feminista do Nordeste nomeou como “critérios ocultos” as dinâmicas apontadas por essas mulheres, mas que não constam de forma clara nas resoluções dos partidos publicadas (PCdoB, Rede Sustentabilidade, PSOL e PT), no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na prática, esses critérios envolvem a desigualdade dos recursos destinados às campanhas políticas na região Nordeste em comparação ao eixo Sul-Sudeste, além da priorização de repasses para determinadas candidaturas realizada pelos comitês estaduais e municipais dos partidos, cujas informações sobre percentuais, critérios e justificativas não foram amplamente divulgadas.
“O fundo [eleitoral], que deveria ser para se constituir menos desigualdade, ele reproduz a desigualdade porque prioriza sempre quem já tem mandato, quem já tem comissões. E a gente, que nunca teve [nada disso], tem condições muito pequenas para chegar lá”, afirmou uma das mulheres, durante a entrevista. “Tem candidaturas que eles acham que é prioridade, mas eu acredito que a nossa candidatura é prioridade. Todas as candidaturas que estão lá inscritas, que colocaram a cara, a coragem, são importantes. E por que priorizar mais uma do que a outra?”, complementa outra.
Outro ponto destacado por essas mulheres é a insatisfação com a aprovação da chamada “PEC da Anistia”, a Proposta de Emenda Constitucional 9/2023, que, segundo elas, isenta os partidos das responsabilidades relacionadas ao cumprimento das regras estabelecidas para a distribuição de verbas eleitorais.
“A Lei da Anistia traz um prejuízo para a gente da população negra e eu acho que ainda mais para as mulheres, porque o partido está criando os próprios critérios. E quando ele cria os critérios, ele cria as distorções que nós tínhamos antes da cota [de raça e gênero]. Eles estão criando e reproduzindo distorções”, aponta uma das candidatas.
Dessa forma, a Campanha “Cadê o Dinheiro da Candidata Negra?”, realizada com o apoio do Fundo Social de Investimento ELAS, sugere que, entre as diversas manifestações da violência política de raça e gênero, a violência econômica se expressa pela desigualdade na distribuição e no acesso aos recursos de campanha. Expondo de maneira explícita as desigualdades estruturais, são criadas barreiras sistemáticas para minar as potencialidades das candidatas negras no que diz respeito ao financiamento adequado e às oportunidades de garantir que suas campanhas tenham a visibilidade, a estrutura e os recursos necessários para disputar os cargos eletivos em condições de igualdade.
Além de entrevistar candidatas nas três cidades, a pesquisa analisou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e questionou os partidos sobre os critérios para a distribuição de verbas. Os resultados revelaram que, em alguns casos, candidaturas masculinas receberam até 80% dos recursos do Fundo Especial (FE). “Esse cenário representa uma violência econômica explícita contra essas mulheres”, afirma Marília Gomes, cofundadora do Observatório e coordenadora do estudo.
A violência política econômica, como explica Marília, ocorre quando as candidatas são sistematicamente privadas dos recursos do Fundo Eleitoral, enfrentando barreiras que comprometem ou inviabilizam suas campanhas. “A falta de recursos financeiros impede que elas tenham as mesmas oportunidades que outros candidatos, perpetuando um sistema político excludente. Onde está o compromisso com a democracia?”, questiona.
A Campanha "Cadê o Dinheiro da Candidata Negra?" fornece um retrato de como a violência patrimonial contra essas candidatas é tão prejudicial quanto outros tipos de agressão e não pode ser ignorada.
A Campanha “Cadê o Dinheiro da Candidata Negra?” é fruto das narrativas compartilhadas por mulheres negras, cujas experiências políticas são frequentemente marcadas pela Violência Política de Raça e Gênero. Embora 2024 seja o primeiro pleito após a aprovação da Lei 14.192/21, que alterou o Código Eleitoral para criminalizar esse tipo de violência, candidatas negras continuam relatando um ambiente político hostil e desigual.
Os resultados da Campanha também serão disponibilizados no perfil do Instagram do Observatório Feminista do Nordeste (@obsfeministamordeste) e no site Mais Negras na Política (https://maisnegrasnapolitica.org/), uma plataforma colaborativa dedicada ao enfrentamento da violência política de raça e gênero.