Quase lá: A truculência do poder e os fios da resiliência. Artigo de Ivânia Vieira

Em setembro, reunidas pelo Serviço de Ação, Reflexão e educação Socioambiental (SARES) no encontro “Soma dos Quintais  Resistência, Luta e Cuidado”, representantes de organizações de mulheres, das juventudes feministas e periféricas costuraram, juntas, a colcha das realidades em que estavam e estão submetidas.

"Em setembro, reunidas pelo Serviço de Ação, Reflexão e educação Socioambiental (SARES) no encontro “Soma dos Quintais  Resistência, Luta e Cuidado”, representantes de organizações de mulheres, das juventudes feministas e periféricas costuraram, juntas, a colcha das realidades em que estavam e estão submetidas. Em segundo momento, apresentaram o molde da outra colcha, aquela que pretende reunir linhas e fios resilientes para com os retalhos de nós tecer a grande colcha da vida contemplada pelos direitos fundamentais", afirma Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista do jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afro-ameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas), em artigo enviado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.

Eis o artigo.

Há três meses, coletivos de mulheres indígenas propuseram algumas questões-chave para enfrentar situações difíceis – várias delas criminosas - impostas aos povos indígenas no Amazonas. No amanhecer do dia 18 de dezembro, na Comunidade Nusoken, no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus, foram concretizados, mais uma vez, a truculência e o cinismo na relação do poder oficial com os povos indígenas e as multidões da periferia socioeconômica nesse Estado.

Para cumprir determinação judicial de reintegração de posse, operadores da lei e da ordem, devidamente amparados por diversos equipamentos, destruíram as habitações erguidas na área, momento antecedido pelo medo e o desespero dos que ali se instalaram. O pedido, dos indígenas, é lugar para morar.

Cinicamente, as falas dos agentes do Estado apontavam a operação como exitosa: “(...) foram cedidos caminhões de mudança e carregadores que ficaram disponíveis para levar os moradores o endereço que quisessem (...)”. Para o endereço que quisessem?

Em setembro, reunidas pelo Serviço de Ação, Reflexão e educação Socioambiental (SARES) no encontro “Soma dos Quintais  Resistência, Luta e Cuidado”, representantes de organizações de mulheres, das juventudes feministas e periféricas costuraram, juntas, a colcha das realidades em que estavam e estão submetidas. Em segundo momento, apresentaram o molde da outra colcha, aquela que pretende reunir linhas e fios resilientes para com os retalhos de nós tecer a grande colcha da vida contemplada pelos direitos fundamentais.

Saúde, moradia, educação e segurança formaram, em a ‘Soma dos Quintais”, os pilares do plano de atuação pensados por essas mulheres idosas, jovens, adolescentes. Todas as propostas para serem retomadas em 2024 estão vestidas pelas culturas e a arte de resilir e conquistar direitos. É o que fazem os povos indígenas em mais de cinco séculos.

Na comunidade Nusoken, a segunda-feira (18) que antecede a segunda-feira de Natal (25) – um dos mais importantes acontecimentos para os cristãos – se fez marcar pelo drama. No material colhido e disponibilizado pela jornalista Rosiene Carvalho (vídeo abaixo), entre tantas vozes lidas e escutadas estão as das mulheres. Uma delas, chorando, diz não ter para onde ir.

Sim, é possível e provável que no grupo de ocupantes da área situada no bairro Tarumã, existam grileiros e outros que necessariamente querem a terra como mercadoria. A história do uso da terra tem essa marca, a região do Tarumã é uma das áreas da cidade com as marcas da expulsão e da invasão perfumadas. O processo utilizado na reintegração de posse repete as falhas e a brutalidade utilizadas nesses episódios em tempo de ditadura ou de democracia. Onde aparece a vontade de mudança por parte do

Estado nesse comportamento? Permanece a prática da lei e da ordem para assegurar direito de alguns privilegiados e a truculência como mecanismo dessa garantia.

Nusoken, na cosmologia sateré-Mawé, remete ao lugar da morada dos heróis míticos, onde habitam as pedras, o original, o princípio do conhecimento. A cidade de Manaus, a mais indígena das capitais brasileiras (IBGE, 2022), revira-se para tentar impedir um Nusoken manauara.

A busca dos sateré-mawé por moradia em Manaus tem nos anos de 1970 um dos registros. É em plena ditadura militar que alguns deles se deslocam para a capital. No ano de 1981, viviam na periferia socioeconômica da cidade 88 saterês (ROMANO, 1996). Em 1990, já eram 5000 compartilhando as novas periferias e as mulheres, de acordo com Bernal (2009), lideravam o fluxo migratório incentivadas pela oferta do trabalho doméstico na capital. Foram essas mulheres, como Zenilda Sateré, que criaram a Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism), no final dos anos de 1990, uma das mais antigas associações de indígenas do País. A luta por um lugar, em Manaus, onde possam viver com dignidade continua.

Leia mais

fonte: https://www.ihu.unisinos.br/635507-a-truculencia-do-poder-e-os-fios-da-resiliencia-artigo-de-ivania-vieira

 


Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...