Além de transmissão de conteúdo, emissora também desenvolve cursos de educação televisiva
Emissora focada em questões populares também promovor educação em comunicação comunitários - Foto: Tv Comunitária de Brasília/Reprodução
"Canal de acesso público que surgiu de muita luta”, é assim que o diretor Paulo Miranda descreve a TV Comunitária de Brasília. Em 2024, a emissora completou 27 anos de existência. Em homenagem, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou, na última sexta-feira (9), uma sessão solene para o canal televisivo voltado para o interesse popular e com produção comunitária.
A cerimônia foi idealizada pelo parlamentar Gabriel Magno (PT), presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da CLDF. Ele ressaltou a importância da TV Comunitária desde seu início para a democratização da comunicação com produções audiovisuais de qualidade e o espaço que oferece para as classes trabalhadoras e minorias representativas.
“Vamos celebrar o aniversário da TV Comunitária e os relevantes serviços que ela tem prestado ao DF e ao país com sua atuação isenta, livre e de proteção à democracia", afirmou o deputado distrital.
"A TV Comunitária tem uma história longa e de grande compromisso com a cidade. Ela aborda temas nacionais e internacionais, como macroeconomia, reforma agrária, divisão de renda, produção agroecológica, alimentos sem veneno e combate ao agronegócio. Não é uma TV qualquer", avalia Miranda.
Pelo seu caráter comunitário, o canal passou a ser mais que meio de comunicação formal, tornando-se também uma forma de expressão com acesso popular. Atualmente, a emissora oferece também uma programação de Escola de Mídia Comunitária que, desde 2007, já formou mais de 5.000 estudantes de escolas públicas, oferecendo formação em jornalismo e audiovisual, oficinas de produção televisiva em estúdios para crianças, adolescentes, jovens e adultos, garantindo acesso público à comunicação.
Através da Escola de Mídia Comunitária, já beneficiou direta ou indiretamente mais de cinco mil pessoas. Em 2009, a TV Comunitária foi reconhecida como Pontão de Cultura, uma parceria com o Ministério da Cultura. Atualmente, a emissora busca restabelecer essa parceria com o retorno do Programa Cultura Viva.
A jornalista e apresentadora Camila Piacesi considera que a TV Comunitária tem uma história rica, marcada pela inclusão dos invisíveis, ou seja, das pessoas que não têm espaço na mídia tradicional. Além de apresentar essas pessoas, o canal também realiza o trabalho de dar a elas meios próprios de expressão, o que é importante para que as pessoas em situação de vulnerabilidade social tenham a chance de se comunicar e fazer televisão pela primeira vez.
"Lembro de uma edição memorável com garis, cujos programas foram todos muito bem recebidos. A TV Comunitária não só faz história para essas pessoas, mas continua a influenciar positivamente suas vidas", conta Camila.
Atualmente, a TV Comunitária está ao vivo no canal 12 da NET e transmite sua programação também no Instagram, Facebook e YouTube. Com 7.300 inscritos no YouTube, mais de 1.600 vídeos disponíveis e 38.000 seguidores no Facebook, a emissora alcança uma vasta audiência. Os programas atuais, como "O Povo Negro", "Barba na Rua", "Quadradinho Cult", "Baú Musical" e "Letras e Livros", continuam a valorizar a cultura e o conhecimento.
História da TV Comunitária
Paulo Miranda conta que o jornalista Ruy Godinho foi o "dedo de Deus", pois foi ele quem “apertou o botão para a TV entrar no ar, no estúdio, com o videocassete e a abra vídeo. Lembro desse momento com mais de 500 pessoas na plateia, quando a TV começou a transmitir em 3 de agosto de 1997”.
O professor Fernando Paulino de Oliveira, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que a emissora "se consolidou como um ponto de encontro para mobilização social, transformação e promoção da liberdade de expressão". Ele destacou ainda que, nas 8.000 horas de programação já exibidas, há um rico patrimônio de eventos ainda não descobertos. O docente também sugeriu que um projeto de digitalização poderia ser uma forma de resgatar e preservar esse valioso material para futuras gerações.
A TV Comunitária foi uma das primeiras a serem criadas com base na Lei do Cabo de 1995, que possibilitou a criação de canais comunitários para a distribuição obrigatória e gratuita de conteúdo. A emissora se destacou por preencher lacunas deixadas por outras iniciativas, oferecendo uma plataforma para entidades não governamentais e sem fins lucrativos.
Paulino lembra que, enquanto outros canais educativos culturais não se viabilizaram como esperado, a TV Comunitária se mostrou um "exemplo de inovação e perseverança". Para ele, há também uma capacidade da emissora de "promover uma comunicação democrática e diversificada, algo que é fundamental em tempos de concentração de mídia".
Financiamento e apoio
A Escola de Mídia Comunitária também conta com o apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal, graças à parceria com o agente cultural Agostinho Reis. Esta colaboração, atualmente em sua primeira edição, foca exclusivamente em escolas públicas da área rural de Brazlândia.
Nos últimos quatro anos, a escola recebeu emendas da deputada federal Érika Kokay (PT-DF) e realizou 24 oficinas para alunos de escolas públicas do Distrito Federal, além de estudantes de cinema e audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), Instituto Federal do Recanto das Emas e IESB. Essas edições foram realizadas com apoio da Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura.
O projeto "Brasília Mostra Sua Cara e Cultura" tem realizado um significativo número de produções, com mais de 375 programas e 190 horas de programação em suas quatro edições. Este projeto é financiado por emendas dos deputados distritais Chico Vigilante (PT) e Fábio Félix (PSOL), com apoio recente dos deputados Gabriel Magno (PT) e Ricardo Vale (PT), e conta com o suporte da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal.
Ivan Amarante, diretor do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília (SEEB-DF), ressalta que “é um prazer para nós, representantes dos sindicatos, apoiar este movimento essencial. Em vez de chamarmos isso de financiamento, é mais apropriado considerar nosso apoio como um dever e uma forma de lutar pelo espaço democrático que a TV Comunitária proporciona. Onde houver uma luta por um espaço democrático e pela voz dos excluídos, os sindicatos bancários estarão presentes”.
Trincheira de comunicação
No estudo Cultura do silêncio e democracia no Brasil, publicado pelo professor emérito da Faculdade de Comunicação da UnB, Venício de Lima, a lógica do modelo televisivo convencional é regida por uma cultura do silenciamento popular ao longo da história brasileira. “A ausência de voz e de participação são características da sociedade brasileira desde a Colônia. Por isso a chamada “mídia cidadã" é pauta obrigatória para as políticas públicas do setor: rádio e televisão comunitárias; sistema público de radiodifusão, universalização da banda larga de qualidade; programas de inclusão digital”.
Dessa forma, o poder de emissão radiodifusora esteve quase sempre restrito aos conglomerados privados de mídia com finalidade comercial. Os setores nacionais de tv, com poucas alterações, estão concentrados na mão de cerca de 10 famílias tradicionais do ramo desde o fim da ditadura militar. Dessas famílias, se destacam os Marinho com o Grupo Globo, os Abravanel com o SBT, Edir Macedo e a seita neopentecostal IURD com a Rede Record, e a família Saad com a Rede Bandeirantes (quase todos sediadas no eixo Rio-SP).
Considerando esse cenário, o jornalista e professor de sociologia da comunicação, Trajano Jardim, ressaltou que a Tv Comunitária de Brasília é “uma trincheira de luta em defesa da democratização dos meios de comunicação, hoje entregue aos grandes grupos econômicos que dominam a comunicação no Brasil”. Ele reconhece a insuficiência de ambiente político para se debater o assunto até mesmo nos espaços que adotam como pauta, pois “nos nossos governos democráticos nós não conseguimos pleno apoio às TVs comunitárias. E essa é a nossa grande luta, junto à TV Comunitária do DF, para que a gente possa fazer com que um dia tenhamos uma comunicação democrática e que possa levar ao nosso povo a verdade sobre todas as lutas que a gente enfrenta”.
As 141 emissoras de TV comunitária, incluindo a COM Brasil TV, que transmite via satélite para mais de 50 milhões de brasileiros, e as 5.200 rádios comunitárias em operação, estão unidas e trabalhando em conjunto para alcançar suas principais reivindicações.
Conheça as propostas que unificam o campo da comunicação comunitária:
1 - Instituição de uma política nacional de comunicação comunitária no país.
2 - Veiculação de publicidade institucional do governo federal nas emissoras comunitárias, a fim de dividir o bolo publicitário formado por impostos de todos os brasileiros.
3 - Recriação da Frente Parlamentar Mista de Defesa das Rádios e TVs Comunitárias.
4 - Direito de veicular propaganda comercial até seis minutos por hora.
5 - Alteração do Decreto de nº 2.615/98 que prejudica as rádios comunitárias.
6 - Alteração da Lei nº 12.485/2011 que prejudica as tevês comunitárias.
7 - Incentivo á criação do Canal da Cidadania em todas as cidades do país, conforme prevê o Decreto 5820/2006, a fim de municipalizar a comunicação brasileira e gerar emprego para mais de 150 mil comunicadores populares, jornalistas e radialistas profissionais.
8 - Investimento público na Telebras para oferecer banda larga de qualidade e gratuita.
9 - E criação de aplicativos com o domínio social dos algoritmos, a fim de combater a rede do ódio, do negacionismo, do nazifascismo e do analfabetismo midiático.
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Edição: Rafaela Ferreira