Quase lá: Tarifa zero não é apenas uma proposta, mas uma necessidade urgente às cidades

 Com mais de 100 cidades, o Brasil é o país com maior número de cidades com tarifa zero no mundo. Embora seja popular e excelente para o comércio, as cidades vem diminuindo o transporte coletivo e se envolvendo com máfias poderosas - mas uma nova proposta radical promete revolucionar essa equação.

Annie Oviedo e Clareana Cunha - Jacobin

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Um fato inusitado ocorreu no segundo seminário Transporte como Direito e Caminhos para a Tarifa Zero, em junho de 2022.

O evento acontecia em Belo Horizonte (MG), mas os participantes transcorreriam o terceiro dia em Caeté, na região metropolitana da capital, para conhecer a experiência de tarifa zero da cidade. Lá, haveria uma mesa com prefeitos (ou seus representantes) de cidades que implementaram tarifa zero em seu território.

Esta era única mesa do evento em que todos os palestrante eram homens cis, um espelho de quem governa em nosso país. O prefeito de Mariana (MG) não poderia comparecer e enviou, em seu lugar, o secretário de defesa social, responsável pela implementação da política. O secretário chegou um pouco atrasado, subindo à mesa, que estava no palco de um antigo cinema da cidade, quando os demais palestrantes já estavam sentados e o público atento às falas. Difícil não chamar a atenção. O tenente Freitas chegou de farda, e tomou seu lugar na mesa. O público estremeceu. Composto, majoritariamente, por militantes e estudiosos da pauta, não era o tipo de audiência bem disposta a ouvir um integrante das forças de segurança pública. Provável que pessoas do público o questionariam abertamente, uma situação de tensão, inclusive, com a prefeitura de Caeté, que nos recebia no espaço e tinha preparado a visita junto à organização do seminário. Uma das autoras estava presente no evento, e considerou seriamente a possibilidade de se levantar e esperar lá fora.

Chegou a vez do tenente Freitas de falar. Ele tinha pedido, explicitamente, para ser apresentado como tenente e usando apenas o sobrenome, à maneira militar.

Abriu sua fala nos contando de onde vinha seu apreço pela pauta da tarifa zero: sua mãe tinha protestado inúmeras vezes em frente à prefeitura de Mariana contra as altas tarifas de transporte e a baixa qualidade do serviço. Disse que aquilo tinha ficado com ele. Nos mostrou alguns números da cidade que, assim como outras em que a tarifa zero é implementada, viu o número de passageiros subir vertiginosamente. Comentou sobre o aumento do fluxo para o comércio, um impacto importante da tarifa zero, mas ressaltou: como secretário de defesa social, tinha visto aumentar o comparecimento a consultas médicas e outros serviços públicos; moradores dos distritos mais distantes e economicamente vulneráveis conseguiam ter acesso ao centro da cidade, onde estão concentrados equipamentos públicos, comércio e serviços; o aumento no número dos passageiros era a evidência de quantas pessoas não tinham como se locomover por conta da tarifa. Arrematou: a tarifa zero era um avanço na garantia de direitos e um modo de reduzir a desigualdade social, uma política de sucesso para garantir qualidade de vida e bem-estar dos munícipes.

“Em um país em que a maioria dos prefeitos pertence a grupos políticos de tendência conservadora, houve um aumento exponencial de cidades que implementaram a tarifa zero em seus sistemas de transporte.”

O público, boquiaberto, aplaudia a fala: para quase todo mundo, era a primeira vez batendo palmas para um agente da segurança pública. A contradição dialética nos pega desprevenidos. 

Este caso ilustra bem algumas das questões em torno da tarifa zero no transporte coletivo, e como elas ganham relevância no período eleitoral. Em um país em que a maioria dos prefeitos pertence a grupos políticos de tendência conservadora, houve um aumento exponencial de cidades que implementaram a tarifa zero em seus sistemas de transporte, chegando a 116, conforme levantamento compilado pelo pesquisador da FAUUSP Daniel Santini. Quem implementa a tarifa zero, e por que, considerando que essa é uma pauta historicamente ligada à militância do campo da esquerda? Quem se apropria da discussão, e qual sua urgência agora, nas eleições municipais?

Como anda o transporte coletivo nos municípios brasileiros 

Em uma frase, o transporte coletivo no Brasil está acabando. É o que afirma Daniel Santini em seu novo livro Sem catraca: da utopia à realidade da Tarifa Zero, lançado em setembro de 2024. Em 10 anos, entre 2013 e 2023, o transporte coletivo nas capitais brasileiras perdeu, em média, 30% dos passageiros, em cidades como Curitiba, considerada um modelo para o transporte coletivo, em que o encolhimento foi ainda maior, e Belém, que perdeu metade da frota. Em cidades como São Paulo e Belo Horizonte a oferta de transporte ainda não voltou ao patamar anterior à pandemia. A tendência de queda não dá qualquer sinal de reversão.

Apesar disso, os ônibus seguem lotados. A redução de passageiros não se traduz em ônibus mais vazios onde os passageiros sentam confortáveis, pelo contrário.

“O lucro do empresário está no recebimento da tarifa: assim, para ele, é muito mais conveniente lotar um ônibus que passa a cada meia hora do que colocar dois para circular a cada 15 minutos.”

Um ônibus que transporta 30 passageiros sentados custa o mesmo tanto do que um que transporta 90 amassados como sardinhas. Um motorista, um tanque de diesel, o mesmo percurso. Talvez alguma variação mínima no ar condicionado e desgaste de algumas peças, mas nada particularmente relevante. O lucro do empresário está no recebimento da tarifa: assim, para ele, é muito mais conveniente lotar um ônibus que passa a cada meia hora do que colocar dois para circular a cada 15 minutos onde todo mundo pode estar confortável.

Ônibus lotado é eficiência na gestão

Acontece, contudo, que o número de passageiros está caindo. O processo de reduzir custos, então, acelera: corte drástico de frequência e de linhas, demissão de agentes de bordo, desaparecimento de linhas noturnas, veículos velhos. E pressão para aumentos de tarifa cada vez maiores. O aumento da tarifa e a perda de qualidade tiram ainda mais passageiros dos sistemas: alguns não podem mais pagar, outros buscam meios alternativos de locomoção, visto que o ônibus não apenas está mais caro, como o serviço ofertado está pior.

Se tem menos pessoas nos sistemas, mas o ônibus continua lotado, é porque é acentuada a redução da oferta. 

A qualidade pior é um problema para nós, os passageiros. Uma resposta clássica do empresariado às reclamações sobre a qualidade ruim é que a qualidade custa: se queremos qualidade, temos que pagar mais tarifa. Se não queremos mais tarifa, o poder público precisa subsidiar os sistemas, colocando recursos públicos nas empresas privadas de ônibus. O exemplo de São Paulo, porém, nos mostra as dificuldades mesmo com o aporte de recursos públicos: os subsídios aumentaram durante e depois da pandemia, mas a oferta não voltou ao mesmo nível de 2019.

“O Brasil é hoje o país com o maior número de cidades com tarifa zero no mundo.”

A situação, então, é a seguinte: queda de passageiros, parte relevante dos quais não tem dinheiro para acessar os sistemas de transporte coletivo, cada vez mais caros; redução da oferta, com perda ainda maior de qualidade; recursos públicos que parecem não dar conta de resolver os problemas e que, de toda maneira, não modificam o incentivo à redução da qualidade em nome da ampliação dos lucros.

Demandar transporte a custo acessível e com qualidade é uma utopia?

Diante desse quadro desolador, uma resposta na direção oposta: mais de 100 cidades no Brasil têm hoje sistemas de transporte coletivo com tarifa zero universal. É um número impressionante, e o maior crescimento aconteceu nos últimos dois anos. O Brasil é hoje o país com o maior número de cidades com tarifa zero no mundo. Como a maioria das cidades que implementou a medida é de porte pequeno ou médio, é um fato pouco conhecido ou discutido. Uma parte consistente dessas cidades implementou a gratuidade universal no transporte porque empresas quebraram com a pandemia ou abandonaram as operações. Em outras cidades, a demanda por subsídios se tornou tão alta que as administrações municipais consideraram que valia a pena financiar o transporte integralmente. Uma medida emergencial, portanto, que se tornou uma política pública permanente.

“Estamos presos em um círculo vicioso que está colocando fim ao transporte coletivo no país. Ao mesmo tempo, cada vez mais cidades implementam a tarifa zero com sucesso.”

Nestas cidades, os passageiros aumentam exponencialmente, aumenta o número de linhas, as cidades buscam diferentes soluções para o financiamento dos sistemas, a política costuma ter altos índices de aprovação. 

Estamos presos em um círculo vicioso que está colocando fim ao transporte coletivo no país. Ao mesmo tempo, cada vez mais cidades implementam a tarifa zero com sucesso. O projeto político destes prefeitos não é, necessariamente, associado à esquerda, o campo político de onde vem a construção da militância pela tarifa zero. O que está acontecendo nas cidades que têm tarifa zero? Nas demais cidades, onde a crise do transporte coletivo se aprofunda, quais promessas nos fazem os aspirantes ao governo municipal para resolver o problema?

Cidades com tarifa zero e suas contradições 

Talvez o exemplo mais conhecido de implementação da tarifa zero no transporte seja o da cidade de Maricá, no Rio de Janeiro. O transporte coletivo é gratuito desde 2014 com impactos positivos. Além da redução da desigualdade no acesso ao transporte, houve um fortalecimento da economia local, pois as pessoas passaram a circular mais pela cidade, frequentar mais o comércio e acessar serviços que antes eram inacessíveis por conta do custo das passagens. Isso demonstra que o benefício não é apenas individual, mas coletivo, com efeitos na economia e na coesão social.

A cidade de Maricá busca hoje consolidar as informações sobre sua política de tarifa zero de modo a divulgar informações e quantificar os benefícios da política, seu custo para os cofres públicos, retorno econômico gerado por esse investimento e suas externalidades positivas para a economia e a sociedade.

Se a implementação da tarifa zero decorreu do conflito entre a administração pública e as empresas operadoras, hoje a prefeitura abraça a tarifa zero enquanto política pública de sucesso, recebe prefeitos e vereadores interessados em conhecer seu modelo e, depois dos Vermelhinhos, como são chamados os veículos, implementou as Vermelhinhas, bicicletas compartilhadas gratuitas, e está retirando as catracas que ainda serviam para contar os passageiros nos veículos, materializando plenamente a expressão Ônibus sem catraca. As administrações que implementaram e aperfeiçoaram a política são do PT, e há alinhamento entre a implementação da política e o discurso do campo da esquerda sobre a tarifa zero.

Prefeitos de todas as bandeiras, porém, implementam e defendem a tarifa zero. Um caso emblemático nesse sentido é o da cidade de Balneário Camboriú (SC), reduto da (extrema) direita, onde a tarifa zero foi implantada pelo prefeito Fabrício Oliveira, do PL. A implementação foi um sucesso e a cidade recentemente adquiriu ônibus elétricos para sua operação. 

Não somente temos prefeitos de todas as bandeiras, mas cidades com diferenças relevantes em sua capacidade orçamentária. A cidade de Maricá, por exemplo, tem grande disponibilidade de recursos, por conta dos royalties do petróleo. Mariana (MG) recebe recursos dos royalties da mineração. São Caetano do Sul, na RMSP, que implantou a tarifa zero recentemente, tem orçamento elevado considerando sua dimensão e população.

“Aqui se encontra o cerne da implementação da tarifa zero: como financiar essa política. Como sabemos, não há transparência quanto aos custos e, por consequência, lucros das empresas operadoras.”

O mesmo não pode ser dito de outras cidades. Caeté (MG), por exemplo, tem orçamento reduzido e um território muito vasto, o que encarece o transporte. Vargem Grande Paulista, também na RMSP, tem um território muito maior do que o de São Caetano do Sul, e um PIB per capita inferior, além de menor capacidade orçamentária.

Essas cidades buscaram diferentes soluções. Em algumas, os recursos foram redistribuídos dentro do Orçamento municipal. Outras, como Vargem Grande, buscaram novas fontes de recursos, para evitar a redução de investimentos em outros serviços públicos.

Aqui se encontra o cerne da implementação da tarifa zero: como financiar essa política. Como sabemos, não há transparência quanto aos custos e, por consequência, lucros das empresas operadoras. Casos recentes mostraram envolvimento de empresas com o crime organizado e lavagem de dinheiro. As prefeituras, normalmente, não têm controle sobre o dinheiro que circula nos sistemas, visto que a bilhetagem também é controlada pelas operadoras. Como a operação não é paga pelos custos reais, tampouco sabemos, exatamente, o que os subsídios públicos financiam: isso significa que recursos públicos estão indo parar na mão de empresários privados, contribuindo para a concentração de renda.

Vargem Grande Paulista foi pioneira na implementação de um sistema defendido em diversos estudos e análises: modificou o uso do vale-transporte. Ao invés das empresas pagarem o vale (parcial, visto que o trabalhador também paga com o desconto em seu salário) para os trabalhadores que o solicitam, a cidade criou uma taxa a ser paga à prefeitura baseada no número total de trabalhadores que permite a realização da tarifa zero. Assim, o valor do vale é zerado. O mecanismo, baseado no modelo já em uso na França, não está em desacordo com a legislação federal sobre o Vale Transporte: o que faz é zerar o vale e redirecionar os recursos que já estariam em circulação se a tarifa não fosse zero. O valor da taxa por trabalhador era de R$ 39,90. Empresas da cidade, contudo, barraram a medida na justiça e a prefeitura seguiu financiando a política com recursos próprios enquanto aguarda o desenrolar do processo na justiça. 

A proposta de redirecionar os recursos do Vale Transporte está sendo encampada nacionalmente pela RNC (Rede Nossas Cidades) Articulada pelo NOSSAS  e diversas organizações da sociedade civil  com a campanha BUSÃO 0800, em parceria com organizações e movimentos sociais locais em várias capitais e cidades do país no período eleitoral. A proposta da campanha é simples e direta: o financiamento deve vir das grandes empresas que operam nas cidades e lucram com a infraestrutura urbana. Elas, mais do que ninguém, se beneficiam de uma cidade onde seus trabalhadores podem se deslocar com facilidade e eficiência. Assim, a ideia é que essas empresas contribuam com uma taxa que irá para a prefeitura, garantindo que o transporte seja gratuito para toda a população. Mobilidade urbana, afinal, não é só ir e voltar do trabalho.

“Relatos de cidades que já implementaram a tarifa zero indicam que o dinheiro investido na política é multiplicador (como acontece com o Bolsa Família), com aumento do fluxo no comércio e na circulação das pessoas.”

Eleições

Na campanha do Busão 0800, vemos a tentativa de trazer esse debate para o centro das eleições municipais. A proposta nessa fase é a de pressionar todas as candidaturas a incluir a tarifa zero em seus programas de governo oferecendo, ainda, um modelo de financiamento que não requer um aumento de impostos ou um corte orçamentário para outras políticas. Como quase todas as capitais subsidiam hoje seus sistemas de transporte de alguma maneira, ainda há esses recursos já alocados para o transporte, que podem contribuir para renovar as frotas e ampliar a infraestrutura de terminais e faixas exclusivas. Relatos de cidades que já implementaram a tarifa zero indicam que o dinheiro investido na política é multiplicador (como acontece com o Bolsa Família), com aumento do fluxo no comércio e na circulação das pessoas. O fortalecimento do comércio local, aliás, é uma justificativa frequente para a implantação da tarifa zero em várias cidades.

A proposta de redirecionamento dos recursos do vale transporte, apresentada pela campanha BUSÃO 0800, é uma dentre outras. Há propostas de financiamento com recursos do estacionamento rotativo; venda de créditos de carbono por conta da diminuição da poluição causada pelos automóveis; a criação de uma contribuição nacional pelo uso do sistema viário é a proposta de financiamento da PEC 25/23, apresentada no Congresso pela deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) visando criar o SUM, Sistema Único de Mobilidade, garantindo tarifa zero em todo o país.

Vemos, portanto, que há diversas soluções para a arrecadação de recursos. A outra dificuldade que precisa ser equacionada é a da remuneração, ou como pagar a operadora do serviço. Mesmo em cidades onde há tarifa zero, nem sempre o método de remuneração é transparente. Há consenso, contudo, de que a remuneração precisa estar relacionada ao serviço ofertado, ou seja, aos KM percorridos.

“Pagar por passageiro transportado é encarecer o custo da política sem que exista um aumento correspondente na quilometragem produzida.”

Quando o pagamento é baseado ou mesmo influenciado pela quantidade de passageiros, como a tarifa zero parcial aos domingos e feriados na cidade de São Paulo, o custo sobe consideravelmente sem que, necessariamente, melhorias sejam implementadas. É uma panaceia para as empresas: o número de passageiros aumenta muito, o serviço se mantém praticamente nos mesmos níveis, com um aumento dos ganhos.

Como já discutimos, a tarifa zero aumenta os passageiros, mas o custo do sistema não aumenta na mesma proporção. Pagar por passageiro transportado é encarecer o custo da política sem que exista um aumento correspondente na quilometragem produzida. Ao mudar o modelo de financiamento, como propõe a campanha BUSÃO 0800, passando para uma remuneração baseada no quilômetro percorrido, e ao utilizar dados precisos para definir as contribuições, estamos dando um passo importante para combater os problemas de corrupção, superfaturamento e falta de transparência.

A tarifa zero não é apenas uma proposta de campanha, mas uma necessidade urgente para que as cidades sejam mais inclusivas e justas. Muitas pessoas ainda têm dificuldade em entender como a tarifa zero é, na verdade, uma solução para diversos problemas urbanos que enfrentamos hoje. A proposta não é apenas eliminar o custo da passagem, mas, de fato, construir uma cidade onde as oportunidades sejam acessíveis para todos, independentemente de quanto cada um tem no bolso.

O debate sobre a tarifa zero ganhou força nas eleições municipais deste ano. Segundo um levantamento, cerca de 600 municípios incluíram a tarifa zero como prioridade, e um elevado número de candidaturas propõe a implementação da política como parte de seu plano de governo. Muitos dos locais onde essa política já foi implementada não são administrados por partidos de centro-esquerda, mostrando que a questão é, antes de tudo, popular e urgente. É uma política que responde a uma necessidade básica: o direito de ir e vir. Seria esta popularidade, porém, uma cooptação da pauta por parte do campo da direita, com a consequente despolitização da ideia de tarifa zero? Afinal, a construção histórica da ideia de tarifa zero por parte dos movimentos sociais envolve uma mudança na relação com a cidade, a ampliação de direitos e o fim da existência de uma fração de classe, os empresários de ônibus, que constroem sua riqueza extraindo recursos de pessoas que são obrigadas a pagar por um direito social básico, o de se locomover. 

“O esforço histórico dos movimentos sociais em defesa de uma pauta considerada utópica, irrealizável, que esteve no centro das mobilizações de junho de 2013, foi o que permitiu que a tarifa zero tenha passado a fazer parte do imaginário popular.”

A politização da pauta e as candidaturas

A esquerda institucional não ofereceu apoio à pauta até muito recentemente. Uma possível virada de chave foi a tarifa zero nas eleições de 2022. O fato de que a tarifa zero vem sendo implantada por prefeituras de direita pode ser sim um sinal de cooptação da pauta. Também é fato, contudo, que a maioria das prefeituras deste país são de partidos de direita, e nem sempre a filiação a um desses partidos é indicativo de adesão ideológica: candidatos buscam partidos que estão dispostos a desembolsar recursos para suas campanhas. A tarifa zero é uma política pública extremamente popular; o alinhamento ideológico dos prefeitos não muda o fato de que a população apoia a medida.

O esforço histórico dos movimentos sociais em defesa de uma pauta considerada utópica, irrealizável, que esteve no centro das mobilizações de junho de 2013, as maiores da história recente do país, foi o que permitiu que a tarifa zero tenha passado a fazer parte do imaginário popular e a ser vista como uma solução fundamental não apenas para a mobilidade urbana, mas também para a redução das desigualdades e para o enfrentamento à crise climática. A difusão da política é um atestado disso.

A contradição, contudo, não nos abandona.

Em um momento de alta popularidade da tarifa zero, há desarticulação dos movimentos sociais que se empenharam por ela. A implementação, com o caso de São Paulo sendo o mais representativo, tem acontecido de cima para baixo, sem participação social e sem transparência.

Se já estamos colhendo os frutos da luta pela tarifa zero com sua popularização, é hora de dar mais um passo, tendo sempre em mente que o avançar da luta também significa o avançar das contradições.

Defender a politização da tarifa zero, neste momento eleitoral e para além dele, significa lutar para que sua implementação seja um processo em si de aprofundamento democrático. Assim como Luiza Erundina fez quando prefeita de São Paulo, precisamos começar a implementação nas periferias, com a voz da população usuária no centro. Não existe burocrata, por mais competente que seja, capaz de conhecer todas as nuances do transporte. Dever do Estado é partir do entendimento sobre o transporte de quem o utiliza e quem nele trabalha. Não há implementação de cima para baixo que funcione corretamente. O exemplo do SUS é claro: a implementação de uma política pública precisa da participação efetiva dos envolvidos.

“Cada cidade que adota a tarifa zero é uma vitória, é um passo à frente em direção a um futuro mais justo e igualitário.”

É fundamental, para os aspirantes prefeitos, entender que é preciso coragem para enfrentar um modelo que serve ao empresariado. Dever das prefeituras é construir modelos transparentes de arrecadação e remuneração, enquanto a população olha para sua cidade e discute para onde quer ir, onde quer estar e por onde quer passar.

Política pública não é imposição. É construção coletiva dos bens comuns e ampliação do acesso ao espaço urbano. Seu candidato está pensando nisso? Ou está sugerindo uma política recuada, falando vagamente de uma implementação futura, se escondendo atrás de tecnicismos, com medo de fazer uma escolha política capaz de revolucionar a vida nas cidades?

Votemos pela tarifa zero e, como sempre, tenhamos em mente que nosso lugar é o de pressionar os governos a fazer o que precisamos,  porque nada nos é dado, somos nós quem conquistamos.

O momento de agir é agora. Cada cidade que adota a tarifa zero é uma vitória, é um passo à frente em direção a um futuro mais justo e igualitário. E cada passo conta. Se queremos cidades melhores, mais acessíveis, mais humanas, a tarifa zero é um caminho essencial. É sobre o direito à cidade, sobre dignidade, e sobre construir um lugar onde todos possam viver com mais liberdade e mais oportunidades. Cidades melhores, mais democráticas e justas, são possíveis, e estão ao nosso alcance.

 

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