Quase lá: Ditadura nunca mais: drag queens fazem ato para rememorar teor LGBTfóbico do regime militar

'Nossos corpos foram alvo permanentemente de violência', enfatiza Ruth Venceremos

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
 
Artistas performaram canções que marcaram a luta contra a repressão do governo militar - Matheus Alves

 

Em ato político organizado pelo Distrito Drag, drag queens ocuparam áreas da região central de Brasília nesta sexta-feira (31) para relembrar as violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar, denunciando o teor LGBTfóbico do regime antidemocrático iniciado há 59 anos. Por meio de performances musicais, as artistas, com apoio do público, reforçaram: “ditadura nunca mais!”. 

“Foi muito emocionante ver as pessoas que estavam ali, por exemplo, na rodoviária se conectando com a performance drag, em que nós trouxemos diversas músicas que marcaram e que fazem parte do legado de uma geração que lutou contra a ditadura militar. Foi muito forte e potente essa conexão com o público”, conta a drag queen, ativista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ruth Venceremos.


"Foi muito forte e potente essa conexão com o público", conta a drag queen / Matheus Alves

As drag queens interpretaram canções que embalaram a resistência contra a opressão militar e expressam o desejo de liberdade, como “Cálice”, de Chico Buarque, “Como Nossos Pais”, de Belchior e “Que País É Este”, da Legião Urbana. 

O ato partiu do Setor Comercial em direção à Rodoviária do Plano Piloto. Estavam presentes as artistas Linda Brondi, Ruth Venceremos, Nágila GoldStar, K-Halla, Madison Parker, Pérola Negra, Donna Karão e Victor Baliane. 

Subversão, perseguição e resistência

Segundo Ruth Venceremos, a luta contra o esquecimento dos crimes cometidos pelo governo militar é essencial.

“Para nós como comunidade LGBTQIA+, é fundamental rememorar o que foi a ditadura militar, para que a gente possa olhar para o passado e perceber que muitos da nossa comunidade foram perseguidos e torturados. Os nossos corpos foram alvo permanentemente de violência do regime militar”, afirma. 

A ditadura militar produziu aparelhos de repressão contra o “perigo vermelho”, mas que também exerciam controle moral sobre os corpos subversivos. Por isso, pessoas com comportamentos sexuais considerados desviantes da moral e dos bons costumes, como homossexuais, travestis e prostitutas, eram alvos preferenciais de detenções arbitrárias, censura, demissão de cargos políticos e outras violações. 


Subversão, perseguição e resistência marcaram a comunidade LGBTQIA+ durante regime militar / Matheus Alves

Em resposta à perseguição sofrida durante o regime militar, a comunidade LGBTQIA+ começou a se organizar em movimentos de resistência. Foi o momento em que o movimento LGBT organizado brasileiro, apesar de todas as violências diárias, deu seus primeiros passos.

Mesmo com avanços e direitos conquistados, Ruth Venceremos destaca que a mobilização pela resistência contra a LGBTfobia, no país que mais mata pessoas trans do mundo, precisa ser permanente.  

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“Nós precisamos continuar num processo cultural e educativo permanente, educando e formando essa geração, e as gerações que estão por vir, no sentido do compromisso com a pauta dos direitos humanos. Por isso, esse ato de hoje foi muito potente. Ver a galera aplaudindo e gritando junto com a gente ‘ditadura nunca mais’ foi uma das cenas mais lindas que eu vivi nesses últimos anos”, relata a drag queen.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/04/01/ditadura-nunca-mais-drag-queens-fazem-ato-para-rememorar-teor-lgbtfobico-do-regime-militar

Projeto da História provoca reflexão sobre a ditadura militar

Nos 59 anos do golpe de 1964, a memória do trauma e da violência do regime autoritário é simbolizada na UnB. Instituição sofreu invasões e teve alunos mortos

 

 

Intervenção artística na ala norte do Instituto Central de Ciências (ICC) chocou transeuntes na última semana de março, ao relembrar violações da ditadura. Foto: Bruno Leal/Café História

 

Quem passou nos últimos dias pelo Ceubinho, a principal entrada do ICC Norte da UnB, não conseguiu desviar o olhar de uma cena inusitada e perturbadora. No chão, no meio do caminho, estão completamente imóveis o que parecem ser três corpos sem vida enrolados em um lençol branco ensanguentado. Ao fundo, uma caixa de som toca sons de pessoas sendo torturadas. O susto só não é maior porque perto dos “corpos” a cena é explicada: trata-se de uma intervenção artística para lembrar os 59 anos do golpe civil-militar de 1964.

Ditadura Nunca Mais, como se chama a intervenção, foi desenvolvido por estudantes do curso de História que participam de um projeto de extensão da UnB chamado Memória e ditadura nas escolas públicas do Distrito Federal, criado em 2017 por dois professores do Departamento de História (HIS), Mateus Gamba Torres e Daniel Faria. Hoje o projeto é coordenado por Torres e por Nathanael Martins Pereira, mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da UnB.

A intervenção dos estudantes divide-se em três ações. A primeira consiste nos “corpos” colocados no Ceubinho e em outros lugares do campus Darcy Ribeiro. Essa ação se inspira na obra Trouxas Ensanguentadas (T.E), do artista plástico luso-brasileiro Arthur Barrio. A obra de Barrio foi apresentada pela primeira vez ao público no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, em 1969, portanto, em plena ditadura. Em 1970, a obra foi parar em becos e ruas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, chocando e provocando o público. Um dos objetivos de Barrio era denunciar execuções sumárias por esquadrões da morte naquelas cidades, algumas das quais a serviço do regime militar.

Na adaptação da obra na UnB, as trouxas ensanguentadas tiveram objetivo semelhante: chamar a atenção dos que passam pela Universidade de Brasília e provocar a reflexão sobre a violência da ditadura militar na semana em que o golpe de 1964 completa 59 anos. A confusão, a ansiedade, o desconforto, o medo e o choque que a cena provoca nas pessoas são intencionais. É preciso mostrar algo “fora de lugar” e até mesmo “disruptivo” na paisagem da universidade. Neste sábado (1º), por volta das 14h, os integrantes do Ditadura Nunca Mais levam a obra para a Rodoviária do Plano Piloto, na zona central de Brasília, próximo à Esplanada dos Ministérios.

GEISEL NA UnB – A segunda ação dos estudantes é comporta por colagens. Os integrantes do Ditadura Nunca Mais espalharam, em diversos pontos do campus, centenas de cartazes que denunciam os crimes da ditadura, repudiam o dia primeiro de abril e as violências do regime autoritário. Eles estão em murais, paredes, pilastras, escadarias, vidros, banheiros, grades, em portas e outras superfícies de áreas comuns, de institutos e departamentos. O paredão de vidro do Departamento de História, no ICC Norte, foi completamente coberto com cartazes. Um deles aponta a responsabilidade da ditadura pela morte de 8.350 indígenas. Outro diz em letras garrafais: “Ditadura nunca mais”. Há cartazes onde se lê: “Temos ódio à ditadura”, “Ditadura genocida”, “Sem anistia" e “O golpe foi dia 1º de abril”.

Placa de inauguração da Faculdade de Tecnologia tem referência a Ernesto Geisel, presidente à época. Foto: Bruno Leal/Café História

 

As colagens mais emblemáticas, contudo, estão no prédio da Faculdade de Tecnologia (FT), inaugurado em 1978, na gestão do presidente Geisel. Em um totem com uma placa da época que destaca a inauguração da FT pelo “excelentíssimo presidente da república Ernesto Geisel”, os alunos colaram um cartaz com a foto de Geisel e os dizeres “Assassino”. A ação foi devidamente registrada, apoiada e autorizada pelas instâncias competentes da Universidade.

Neuma Brilhante, professora do Departamento de História e atual diretora do Instituto de Ciências Humanas (ICH), deu amplo apoio e condições de trabalho ao grupo de estudantes do Ditadura Nunca Mais. Foi uma reflexão dela, inclusive, que motivou os alunos a pensarem em uma ação sobre os 59 anos do golpe de 1964. “A ideia de promover intervenções sobre a ditadura e sobre o golpe de 1964 no campus da UnB veio a partir de uma reunião do Conselho Universitário em que participei. Ficou muito evidente ali como a memória da ditadura na Universidade foi apagada ou mesmo contada com uma visão muito distorcida, minimizando a violência que foi experimentada naqueles anos."

A terceira ação do Ditadura Nunca Mais aconteceu na sexta-feira (31). Trata-se da instalação Porão da ditadura. Em espaço pequeno, no subsolo do ICC, espaço onde há lanchonetes, auditórios, programas de pós-graduação e laboratórios, os integrantes do projeto exibiram projeções de tortura (trechos de filmes), com som alto e imagens perturbadoras. A ideia é mais uma vez provocar reflexão e repulsa à ditadura por meio do desconforto.

Segundo Nathanael Martins Pereira, um dos coordenadores do Ditadura Nunca Mais, as intervenções estão atingindo o objetivo. As pessoas, segundo explica, estariam realmente parando para ver o material. “Inevitavelmente, as pessoas olham as trouxas ensanguentadas, leem o que está escrito em cima do material, tiram fotos, fazem vídeos, mandam tudo isso para outras pessoas."

Estudante Nathanael Pereira e professor Mateus Gamba Torres estão à frente do projeto Memória e ditadura nas escolas públicas do Distrito Federal. Foto: Bruno Leal/Café História

Nathanael destaca ainda: “Um ponto que é muito importante para a gente, e para mim particularmente, por conta da minha pesquisa no mestrado, é questionar e pontuar a questão dos mortos pela ditadura. Especialmente quando se trata dos povos indígenas, dos cerca de 8.350 indígenas mortos pela ditadura. Essas pessoas que não costumam ser oficialmente relacionadas pelos relatórios de mortos e desaparecidos políticos da ditadura. Nós pontuamos que, sim, – elas também foram vítimas da ditadura. No momento em que vivemos, é ainda mais importante destacar a existência, a resistência e as mortes desses indígenas. E esse número de mortos pode ser ainda maior, porque apenas dez povos indígenas foram examinados pela Comissão Nacional da Verdade."

A UnB NA DITADURA – Três estudantes da UnB desapareceram durante o período militar: Honestino Guimarães (1947-1973), Ieda Santos Delgado (1945-1974) e Paulo de Tarso Celestino (1944-1971). As três trouxas ensanguentadas do Ditadura Nunca Mais representam esses três estudantes. Além disso, vários estudantes foram perseguidos, vigiados, presos e torturados. No total, a Universidade de Brasília sofreu quatro invasões durante a ditadura: em 1964, 1965, 1968 e 1977. A mais emblemática foi a terceira, em agosto de 1968, quando agentes das polícias Militar, Civil, Política (Dops) e do Exército detiveram mais de 500 pessoas na quadra de basquete do campus. Sessenta foram presas. O estudante Waldemar Alves foi baleado na cabeça e passou meses em estado grave no hospital.

Ainda sobre a motivação para as ações do Ditadura Nunca Mais, após uma reunião do Conselho Universitário, a diretora do ICH, Neuma Brilhante, acrescenta: "A UnB era uma universidade recém-criada e teve alunos presos, professores demitidos e perseguidos. E temos três desaparecidos políticos, três alunos da época mortos pela ditadura. Então, nós sofremos muito essa violência e isso se tornou uma memória muito vaga, por isso resolvemos promover uma certa provocação dentro da Universidade, trazendo para esse ambiente algo dessa experiência que foi a ditadura militar e a ação da ditadura militar em nossa universidade”.

O professor Mateus Gamba Torres, especialista e ditadura militar, coordenador do projeto e do grupo de extensão, também falou sobre a iniciativa desta semana. Torres destacou a importância das intervenções que estão ocorrendo no campus Darcy Ribeiro para se entender um pouco melhor a violência que o golpe e a ditadura militar que veio depois dele provocaram no âmbito universitário:

Material publicado originalmente em cafehistoria.com.br

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fonte: https://noticias.unb.br/112-extensao-e-comunidade/6438-projeto-da-historia-provoca-reflexao-sobre-a-ditadura-militar

 


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