Quase lá: Amelinha Teles: 'Ainda esperamos política de memória, verdade e justiça sobre a ditadura'

Lutadora na resistência à ditadura defende que a história brasileira pós-1964 precisa ser passada a limpo

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Amelinha Teles foi militante do PCdoB, lutou contra a ditadura e integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos - Foto: Katia Marko

 

“As lesões cometidas contra o povo, as ofensas, as perdas, não só vamos recuperar, quando a gente conhecer a verdade. Aí se fortalece um povo, aí você construir a democracia”. A jornalista e defensora de direitos humanos Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida como Amelinha Teles, é direta ao falar dos 60 anos do golpe de 1964 no Brasil, em entrevista ao programa Bem Viver.

 

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Para ela, não há o que o celebrar. Passadas seis décadas, o povo brasileiro sabe muito pouco do que se passou naqueles 21 anos. E não saber é o caminho mais curto para repetir. “Se a gente for avaliar, for passar esses 60 anos rapidamente, realmente nós não temos nada, nada a celebrar. Nós comemoramos no sentido de cobrar uma política do Estado brasileiro, de memória, verdade e justiça, porque isto não foi feito aqui no Brasil”, ressalta ela, que foi militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na luta contra a ditadura, que a prendeu e torturou.

Amelinha considera que, apesar das dificuldades, o trabalho da Comissão Nacional da Verdade foi muito importante. No entanto, não houve resultados práticos depois dela. “Teve um relatório, mas cadê o relatório? Cadê as recomendações que foram feitas? Foram feitas 29 recomendações, que não contemplam todas as necessidades da sociedade brasileira, mas que contemplam uma parte. Ali tem uma parte de um programa de direitos humanos, mas que sequer foi discutido”, lamenta. 

 

Confira:

Como a senhora avalia o Brasil nestes 60 anos do golpe de 1964? Que elementos da ditadura ainda existem na nossa realidade? 

Bom, na nossa realidade, a gente vive um tempo de muita violência aqui no nosso estado. A gente vive uma violência que, eu diria, exagerada em relação à atuação da polícia, perseguindo o povo da Baixada Santista, com muitas mortes de crianças, adolescentes, jovens, pretos, pobres. Quer dizer, eu gostaria que o Estado estivesse oferecendo um espaço pedagógico, um espaço social, cultural para esses jovens e não matando dessa forma que a gente assiste e pouco pode fazer.  

Nós tivemos uma ditadura militar de 1964 a 1985. Depois deste período se chamou processo de redemocratização, que teve, eu acho, seu ponto culminante na elaboração da Constituição Federal de 1988. Mas a gente vê, em alguns momentos, a gente vive democracia, mas ela volta. E nós vivemos nesses últimos seis anos ou mais, sob um Estado extremamente violento, extremamente autoritário, desrespeitoso com os direitos que nós conquistamos na Constituição. Houve um retrocesso muito grande.   

Eu sempre falo: foram são 60 anos que se passaram, as feridas não cicatrizaram, as feridas continuam sangrando, porque nós, que fomos as vítimas desse golpe no primeiro momento, nós tivemos nossa vida totalmente desestruturada. Nós tivemos que recompor, não só a nós individualmente, mas com o pessoal entorno, seja no trabalho, seja na escola, seja na nossa vida social, vida política, ainda é um processo que nós não recuperamos. Muitos de nós, já morreram.  

Eu sou da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e nós temos a pergunta que não se cala: onde estão os desaparecidos políticos, as desaparecidas políticas do tempo da ditadura militar? Não temos uma resposta. Então é uma página que não se inscreve na história do Brasil e que não pode ser uma página virada da história. Não tem como. 

Eu vejo que nesses 60 anos, no Brasil, diferentemente até de outros países aqui da região... O Brasil é responsável pelas ditaduras que houve nos países vizinhos. Aqui se fez a ditadura militar, aqui se implantou com apoio dos Estados Unidos, um apoio fundamental com toda estratégia política, com toda a mobilização da comunidade internacional. E esse golpe foi exportado pro Uruguai, pra Argentina, pro Chile, infelizmente. O Estado brasileiro deve, sim, à sociedade brasileira uma explicação de tudo isso, assumir sua responsabilidade frente, não só ao golpe, mas aos 21 anos de ditadura.  

Foram 21 anos de prisões arbitrárias, sequestros, torturas, estupros, assassinatos, desaparecimentos. Antes, na história do Brasil, já era uma história de violência, mas não se tinha essa figura jurídica do desaparecido, pessoa desaparecida. Hoje nós temos, convivemos com isso e isso se estende para outros segmentos da população.  

O Brasil é um dos países que tem um número, assim, alarmante de pessoas desaparecidas. Nós temos 70 mil pessoas desaparecidas por ano aqui no Brasil. Se a gente for avaliar, for passar esses 60 anos rapidamente, realmente nós não temos nada, nada a celebrar. Nós comemoramos no sentido de cobrar uma política do Estado brasileiro, de memória, verdade e justiça, porque isto não foi feito aqui no Brasil.  

Nós tínhamos, até há pouco tempo, uma Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que era um órgão híbrido formado por pessoas do governo e pessoas da sociedade civil, a minoria eram os familiares. Essa comissão era um órgão do Ministério dos Direitos Humanos, inicialmente do Ministério da Justiça, e foi extinta no governo de Jair Bolsonaro. E até agora não foi recuperada, não foi reinstalada. Era o único canal que nós tínhamos com o Estado brasileiro.   

Nós estamos junto da Marcha do Silêncio. Ainda vivemos o silêncio, a não resposta e precisamos sim ter uma política de memória, verdade e justiça.  

Como a senhora avalia a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recentemente declarou que a ditadura já faz parte da história, que não ficaria remoendo esse assunto, que não realizaria eventos governamentais em memória ao golpe...  

Nós não podemos construir democracia sem conhecer a nossa história. Porque essa democracia fica vazia, ela fica sem nenhuma estrutura, ela fica sem chão. A história da ditadura não foi contada. Se o presidente falou isso, eu nem ouvi, ele está equivocado. Essa história tem que ser contada, ela tem que ser impressa, contada e recontada.  

E temos ainda mais: essa história não pode ser contada por mim ou por você. Ela tem que ser contada, principalmente, pelo núcleo duro do Estado, as forças armadas, que tiveram um triste papel. Eu falo com tristeza, mas as forças armadas têm as mãos de sujas de sangue daquela militância dos anos 1960, 1970. Mataram, mataram mulheres, mataram homens, sequestraram crianças, torturaram crianças, mulheres grávidas.  

Quer dizer, as mãos estão sujas de sangue no sentido de que a violência, a truculência dos anos 1960, 1970 se deu de uma forma a não só eliminar militantes, opositores da ditadura, mas estender para outros segmentos. Houve uma censura fortíssima aqui no Brasil, que as pessoas não sabiam nem o que estava acontecendo. As pessoas não sabiam. Muita gente ficou sabendo que tinha ditadura quando viajou para o exterior. Aqui foi um imposto um silêncio absoluto.  

Um programa desse aqui, nós não poderíamos estar fazendo. De jeito nenhum. Eles já tinham localizado, já entravam aqui com metralhadoras, era essa atuação. Nós precisamos dessas informações desse processo truculento que desviou o rumo da história do Brasil, desviou para baixo, não para cima. Nós perdemos dignidade, nós perdemos cidadania, nós perdemos vidas, se banalizou a violência do Estado.  

O Estado pode pegar, apreender, matar na frente de todo mundo, não tem problema. A ditadura ainda tinha um certo cuidado de fazer dentro dos quartéis. E quando os quartéis ficaram muito queimados, viraram alvo de muitas críticas, eles passaram a torturar e matar nos centros... eles criaram centros de extermínio e de eliminação dos militantes políticos.  

A história não foi contada, a verdade não foi revelada. É necessário, sim, que o presidente, como um homem democrático, um homem de esquerda, que também foi preso político na ditadura... ele não pode esquecer disso. Ele não pode dizer que a história do Brasil, que a ditadura é a história do Brasil. Porque nem na escola está se estudando a ditadura.   

Eu faço muitas palestras junto a escolas que o tema de ditadura militar de 1964 a 1985 não é contado. Esse período é pulado. Vem para Nova República, vem para Constituição e pronto. E acaba lá no governo do Juscelino Kubitschek. Nem o governo de João Goulart, não se conta. Não está tendo essa seriedade ao tratar da história que nós construímos todo dia.  

A gente constrói a história todo dia. Para o bem ou para o mal, a sociedade está participando. Essa história tem que ser revelada, tem que ser encarada, enfrentada. Para a gente ver onde é que nós precisamos mudar, para realmente ir para o rumo da democracia.  

Tem que abrir os arquivos militares. Os relatórios da Comissão Nacional da Verdade. A Comissão Nacional da Verdade funcionou no Brasil. Funcionou tardiamente e com um tempo muito curto. E deve ter sido com muita pressão dessa extrema direita, mas funcionou.  

Teve um relatório, mas cadê o relatório? Cadê as recomendações que foram feitas? Foram feitas 29 recomendações, que não contemplam todas as necessidades da sociedade brasileira, mas que contemplam uma parte. Ali tem uma parte de um programa de direitos humanos, mas que sequer foi discutido, foi divulgado, foi tratado no legislativo, no judiciário, no executivo, nos vários níveis, seja no federal, estadual, municipal.  

O que a gente vê é o seguinte: esses relatórios, que agora tem tudo online, eles desaparecem de vez em quando. Você não encontra. Você tem o site do relatório da Comissão Estadual da Verdade, a comissão que eu trabalhei. Eu não acho. Nós não temos direito à informação. Toda a população brasileira, tem direito a acessar informações. E, no entanto, essas informações são negadas. Na ditadura foram censuradas e agora são banalizadas.   

Há uma forma de apagamento da história. É muito sério. Nós somos um povo que não conhecemos nossa história. E o pouco que reza dessa história, dessa história de luta, desse povo, que tem uma história de resistência, de luta, de vontade, de melhorar a vida, o povo tem essa história. Isso é inerente aos povos no mundo inteiro. Isso é a questão da sobrevivência da espécie humana. Nós queremos sempre melhorar. No entanto, essa história é apagada.  

É como se nós fossemos um povo inerte, um povo que não pensa, um povo que não fala, um povo que não age. Fica quietinho aí, faz de conta que essa história já passou. Não, não pode, isso é muito grave. Porque as lesões cometidas contra o povo, as ofensas, as perdas, não só vamos recuperar, quando a gente conhecer a verdade. Aí se fortalece um povo, aí você construir a democracia. 

A entrevista na íntegra pode ser ouvida no áudio que acompanha esta reportagem.


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Edição: Matheus Alves de Almeida

 

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/04/01/amelinha-teles-ainda-esperamos-politica-de-memoria-verdade-e-justica-sobre-a-ditadura

 


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