Não é de hoje que demonstrar emoções, no caso da mulher, é uma atitude interpretada como fraqueza
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, se emocionou durante uma reunião em que o presidente Lula fez cobranças ao seu staff. “E daí?”, eu pergunto. Não é de hoje que demonstrar emoções, no caso da mulher, é uma atitude interpretada como fraqueza. Estamos acostumadas a ser julgadas, e é certo que se, em vez de lágrima, fosse uma sonora gargalhada seria igualmente tachada, talvez como louca, destemperada, despreparada para ocupar um espaço que só é confortável para homens, em especial homens brancos.
O poder não abarcará a diversidade se as mulheres não o ocuparem, a fórceps que seja, em todas as instâncias. Nísia Trindade é competente. Ponto-final. Não precisa provar isso a todo instante, já que demonstrou seu valor e conhecimento em uma vida inteira dedicada à ciência. Não é fácil levantar uma pasta que foi destruída, remontar uma estrutura, desmontar uma narrativa construída, à base de fake news e desinformação, contra a vacinação, entre muitos outros desafios que vem enfrentando.
Há uma desonesta disputa por espaços de poder e, a pretexto disso, segue uma tentativa de afetar a reputação de uma cientista de extremo valor. Não deveria ser sobre gênero, mas no fundo também é. Como assim uma mulher à frente de um ministério tão importante? Segue insuportável para os machistas, em especial para os políticos machistas.
A ciência ou qualquer outra área ou instância deveria estar imune a uma discussão sobre gênero, mas nunca esteve. Lembro-me agora do maravilhoso filme sobre Marie Curie, a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel e uma das raríssimas pessoas a recebê-lo duas vezes, interpretada por Rosamund Pike.
A despeito de seu talento e competência reconhecidos, não foi poupada por ter se envolvido com um colega casado e mais jovem. Foi pintada como uma perigosa destruidora de famílias, entre outras atrocidades machistas, racistas, xenófobas e selvagens.
Se vem de tão longe no tempo, deveríamos então estar acostumadas? Deixar passar e vê-los repetir o escárnio? Não somos desistentes, somos resistentes. A luta está apenas começando. A ministra Nísia não é a primeira nem será a última mulher a ter seu valor posto à prova. Parlamentares, ministras do STF, juízas, promotoras, cientistas e muitas mais que ocupam cargos de poder são o tempo inteiro testadas, observadas, desqualificadas.
A OAB/DF manifestou-se, ontem, repudiando declarações misóginas do promotor de Justiça Douglas Roberto Ribeiro de Magalhães Chegury contra a advogada Marília Gabriela Gil Brambilla, proferidas na sexta-feira, quando atuavam em julgamento que ocorria no plenário do Tribunal do Júri de Alto Paraíso (GO).
O Ministério Público também se posicionou sobre o caso. O conselheiro nacional do MP Ângelo Fabiano Farias da Costa determinou a instauração de Reclamação Disciplinar e notificou o Ministério Público de Goiás (MPGO) para que forneça as informações referentes à sessão do Tribunal do Júri.
A nota contextualiza o que aconteceu: “O promotor referiu-se à advogada criminalista como pessoa ‘irônica’, e afirmou: ‘Não quero beijo da senhora; se eu quisesse beijar alguém aqui, eu gostaria de beijar essas moças bonitas, e não a senhora, que é feia…’ (houve protestos a essa fala), e o promotor disse: … ‘mas é óbvio’… ‘só porque eu reconheci aqui que esteticamente…’ …’tecnicamente ela não é uma mulher bonita’”.
Como mulher, não posso aceitar. Você também não pode. Homens decentes também não deveriam ser complacentes com uma prática que só leva nosso país para a mediocridade. A humanidade de Nísia é um troféu. Momentos de vulnerabilidade não deveriam ser julgados, mas aceitos com louvor. Se houvesse mais gente como ela no poder, viveríamos um país mais justo e também mais humano.
Momentos de escárnio e machismo explícito em um tribunal ou em um plenário exigem respostas céleres e a justiça; nesses casos, não podem se limitar a notas de repúdio.