Quase lá: A população negra decide sobre a própria história? Os dados demonstram que não

Será o primeiro ano que o Brasil terá o dia 20 de novembro como feriado nacional. Um grande avanço quando consideramos as lutas históricas dos movimentos negros, dos movimentos feministas negros e dos movimentos sociais antirracistas.

 
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Cristiane Ribeiro
 
"O que temos assistido a cada novo pleito eleitoral, desde 2014, são os tímidos avanços ficarem subsumidos pelos diversos retrocessos, fruto de manobras dos partidos, e pela falta de vontade política das instituições de construir políticas públicas efetivas para a promoção da igualdade racial" - TSE
Projeto necropolítico segue a plenos pulmões, e arrefecemos nossas esperanças de equidade

Será o primeiro ano que o Brasil terá o dia 20 de novembro como feriado nacional. Um grande avanço quando consideramos as lutas históricas dos movimentos negros, dos movimentos feministas negros e dos movimentos sociais antirracistas.

Mas quando consideramos os 388 anos de escravização das pessoas negras e os 136 anos de uma falsa abolição que relegou a população negra desse país ao lugar da miséria, da pobreza e do extermínio, temos a certeza de que o projeto necropolítico segue a plenos pulmões, e arrefecemos nossas esperanças de equidade e igualdade racial.

A ascensão social por meio da educação e a ascensão política por meio da ocupação dos espaços de poder e decisão pelas pessoas negras é parte do projeto político dos movimentos negros e feministas negros para uma mudança efetiva da estrutura racista e patriarcal na qual foi fundada a sociedade brasileira.

Partindo da consciência que o Pacto da Branquitude, forjado por Cida Bento (2022), será sempre o imperativo que sustenta a base social, não faltam movimentos, coletivos e intelectuais negras e negros que denunciam, reivindicam e incidem por maior garantia de direitos, de dignidade e de vida para a população negra.

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Em estudo recente do Inesc que analisou se, ou o quanto, a população negra avançou na ocupação dos espaços de poder e decisão como parlamentares dos legislativos e executivos municipais e federais nos últimos dez anos, os dados são categóricos em demonstrar que estamos aquém de uma estrutura política que se aproxime do que um dia chamamos de democracia.

Faz 10 anos (2014) que o Tribunal Superior Eleitoral, após muitas pressões sociais e populares, passou a exigir a declaração racial nas candidaturas. Esse avanço possibilitou que pudéssemos confirmar, o que já era sabido por muitos, que as candidaturas de pessoas negras, em especial as mulheres, recebiam pouco ou nenhum recurso financeiro, para suas disputas eleitorais.

Munidos desses dados, os movimentos negros, feministas e antirracistas incidiram então para que houvesse a garantia de maiores recursos para essas candidaturas, para que pudéssemos nos aproximar de alguma equidade na corrida eleitoral que materializasse um maior número de pessoas negras, principalmente mulheres negras, no Parlamento e no Executivo brasileiro.  

Seja no espectro político-ideológico da esquerda, do centro ou da direita o que temos assistido a cada novo pleito eleitoral, desde 2014, são os tímidos avanços ficarem subsumidos pelos diversos retrocessos, fruto de manobras dos partidos, e pela falta de vontade política das instituições de construir políticas públicas efetivas para a promoção da igualdade racial.

São denúncias de atrasos nos repasses, de não entrega de recursos e de sequenciais anistias (PEC 18/2021 e PEC 09/2023) que autorizam e legitimam a violência política racial e de gênero, e reafirmam os dispositivos do racismo à brasileira.

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A população negra partiu de uma sub-representatividade de 42,1% no Legislativo e 29,2% no Executivo municipal em 2016, para 45,9% e 33,5% em 2024. E de 20% no Legislativo federal em 2014 para 26,2% em 2022.

Categoricamente, não houve avanços na ocupação de espaços de poder e decisão por parte da população negra!

Pessoas negras são mais da metade da população brasileira, 55,5% de acordo com o Censo de 2022. Estão organizadas em movimentos, e têm pautas para a política brasileira, mas os mecanismos de reprodução de privilégios da branquitude e do patriarcado as impedem de efetivamente ocuparem espaços de poder na proporção a que tem direito, tanto pelo que preconiza a Constituição Federal de 1988, tanto pelas questões de reparação histórica que o país deve a este grupo social.

A feminista negra Benilda Regina de Paiva Brito disse certa vez que a luta contra o racismo no Brasil poderia ser enxugar gelo, mas que era importante manter as toalhas molhadas. Numa palestra recente ela retomou essa metáfora e ponderou que as toalhas molhadas têm ficado pesadas demais, demonstrando a necessidade de que políticas efetivas sejam elaboradas e implementadas.

Reparação para equidade em direção à igualdade. Nada menos do que isso é aceitável no país que mais recebeu pessoas escravizadas nas Américas, para o país que foi o último a abolir a escravatura, literalmente por pressão europeia, para inglês ver! 

O feriado nacional de 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, deve ser mais um dia do ano para que a população negra atualize a branquitude desse país de que nossas vidas e lutas, conforme nos orienta Conceição Evaristo, “não podem ser lidas como história de ninar os da casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.

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* Cristiane Ribeiro é do colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

 

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Edição: Márcia Silva

 

fonte: https://www.brasildefatodf.com.br/2024/11/05/a-populacao-negra-decide-sobre-a-propria-historia-os-dados-demonstram-que-nao

 


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