Entre as mulheres com três filhos ou mais, a proporção chega a 31,1%; entre os homens, não passa de 0,5%.
A reportagem é de Regina Albrecht, da PUCRS. Publicado no Instituto Humanitas Unisinos
No Rio Grande do Sul, 19,7% das mulheres em relações conjugais, com idade entre 25 e 50 anos, estão fora do mercado de trabalho, sendo que 13,4% se afastam em função da demanda de tarefas domésticas, como ter que cuidar de filhos, de outros dependentes ou dos afazeres domésticos. Ou seja, o motivo que faz 68,3% das mulheres estarem fora do mercado é o trabalho doméstico. Entre os homens no mesmo recorte, por sua vez, apenas 2,6% não participam do mercado de trabalho, sendo que somente 0,3% se afastam em função de tarefas domésticas.
Tamanha diferença se torna ainda mais marcante quando olhamos apenas para famílias com filhos. Entre as famílias gaúchas com filhos de até seis anos, 25,9% das mulheres, chefes de família ou cônjuges, estão fora do mercado de trabalho. Entre os homens, somente 1,6%. E mesmo quando analisamos somente famílias cujos filhos têm entre seis e quinze anos – ou seja, em uma faixa etária mais elevada –, a diferença é significativa: enquanto apenas 4,2% dos homens não participam do mercado de trabalho, entre as mulheres essa proporção chega a 18,5%.
Os dados são provenientes do “Levantamento Sobre Gênero, Trabalho e Parentalidade no Rio Grande do Sul”, publicado pelo PUCRS Data Social: Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho. A fonte de dados é da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua, em sua versão trimestral. E o recorte utilizado inclui pessoas de referência no domicílio e cônjuges, em relações heterossexuais, com idade entre 25 e 50 anos, no 4º trimestre de cada ano estudado.
Segundo o professor Andre Salata, coordenador do PUCRS Data Social e um dos autores do estudo, “os resultados expressam, primeiro, a marcante divisão do trabalho doméstico, em especial no que se refere ao cuidado com os filhos, pelo qual as mulheres são tidas como responsáveis. E, em segundo, o resultado substantivo disso na redução da participação dessas mulheres no mercado de trabalho”.
Tais constatações ficam muito evidentes quando se compara a participação de homens e mulheres no mercado de trabalho, de acordo com o número de filhos. Entre os casais sem filhos, 2,3% dos homens estão fora do mercado de trabalho, e 14,8% das mulheres. Quando consideramos apenas casais com um filho, 3% dos homens não trabalham nem procuram emprego, e 18,9% das mulheres. E quando chegamos a casais com três ou mais filhos, 36,6% das mulheres estão fora do mercado de trabalho, e somente 4,8% dos homens.
Para a professora Izete Pengo Bagolin, pesquisadora do PUCRS Data Social, “os dados mostram que, em relação às mulheres, há um claro aumento na proporção daquelas que estão fora do mercado entre famílias com mais filhos. O mesmo, no entanto, não ocorre entre os homens, cuja participação pouco varia em função do número de filhos. Isso é, em alguma medida, resultado da ideia de que cabe mais às mulheres do que aos homens cuidar dos filhos".
O levantamento traz ainda dados sobre desigualdades raciais, e mostra que mulheres gaúchas negras parecem sofrer mais desvantagens que mulheres gaúchas brancas nesse âmbito. Entre as mulheres brancas, 12,8% estão fora do mercado de trabalho por motivos domésticos. Já entre as negras, a proporção era de 16,8% no quarto trimestre de 2023. Além disso, os dados evidenciam que, independentemente no número de filhos ou da idade deles, a taxa de mulheres negras fora do mercado de trabalho é sempre maior que a de mulheres brancas.
Segundo Ely Jose de Mattos, pesquisador do PUCRS Data Social, “mulheres negras estão sobrerepresentadas nos estratos mais baixos da população. Em virtude disso, estamos falando de famílias com menos recursos para pagar babás, creches etc. Ou seja, é esperado que entre mulheres negras o fardo do trabalho doméstico seja ainda maior, conforme mostram os dados".
Finalmente, o estudo traz uma comparação entre as unidades da federação. Apesar dos preocupantes dados acima mencionados, no Rio Grande do Sul temos a menor taxa de mulheres fora do mercado de trabalho (13,4%). No Acre, estado com a maior taxa, aquela proporção chega a 38,1%. Em São Paulo está em 17,2%, e no Rio de Janeiro em 20,8%. Segundo Andre Salata, “essas proporções estão correlacionadas com o nível socioeconômico das unidades da federação. Em estados mais ricos, as famílias têm mais recursos para pagar pelo trabalho doméstico, fazendo a pressão sobre as mulheres cair um pouco. Mesmo assim, os dados continuam preocupantes, como no caso do Rio Grande do Sul”, conclui.
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