Quase lá: “Mulheres Fortes” narra resiliência de moradoras do Piauí com a chegada de parques eólicos

Vídeo mostra associação de mulheres produtoras de mandioca em Betânia do Piauí e suas formas de sobrevivência em um território marcado pelo avanço da energia limpa e o descaso com a população local

 

Jornal da USP - Publicado: 18/06/2024
exto: Tabita Said*
Arte: Olívia Rueda**

 

Parque eólico em Betânia do Piauí evidencia contradição à agenda de sustentabilidade. Geração de energia limpa em meio a vulnerabilidades e desafios sociais – Foto: Adriana Cestari

 

Território de contradições, o Estado do Piauí, no nordeste brasileiro, abriga regiões que convivem com a transformação de energia eólica em elétrica e, ao mesmo tempo, com famílias cuja principal forma de descarte de resíduos é a queima do lixo. Betânia do Piauí, distante cerca de 500 km da capital Teresina, foi o local de interesse da pesquisa de mestrado de Adriana Ferreira Cestari, mestra em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, que coletou depoimentos de moradoras do semiárido sobre a implantação de parques eólicos na região. O resultado é um vídeo como produto técnico da dissertação, intitulada Estudo de caso do grupo Mulheres Fortes localizado no Piauí: a chegada de parques eólicos e as transformações territoriais. O trabalho foi orientado pelo professor Leandro Luiz Giatti.

O Piauí figura em uma das piores colocações na condição de segurança alimentar brasileira, ficando em penúltimo lugar dentre as 27 unidades federativas do Brasil. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de 2010 avaliou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de Betânia em 0,489 – considerado muito baixo. “Eu entendi que ali havia uma contradição no que diz respeito à agenda de sustentabilidade. Porque, de um lado, você tinha a presença da empresa dona dos três parques eólicos, gerando energia limpa, e ao mesmo tempo um município com uma série de vulnerabilidades e desafios sociais”, aponta a pesquisadora. Dentre esses desafios, ela cita os dados do Censo do IBGE de 2022, quando 13% da população de Betânia teve sua idade presumida. “Ou seja, pessoas que possivelmente não têm certeza sequer da data de nascimento”, afirma.

Adriana Ferreira Cestari é mestra em Ciências pela USP - Foto: arquivo pessoal

 

Adriana atua como consultora de projetos sociais em associações e cooperativas pelo Brasil. Em seu mestrado, a pesquisadora investigou a geração de renda para mulheres integrantes da Associação das Pequenas Produtoras Rurais da Serra do Inácio, em Betânia. A Serra do Inácio se divide entre Curral Novo e Betânia, no Piauí, e Ouricuri, Araripina e Santa Filomena, cidades de Pernambuco. A região toda possui três parques eólicos.

Apesar de configurar um espaço de pleno desenvolvimento de geração de energia sustentável, a Serra do Inácio vive a contradição da ausência de políticas públicas para a dignidade dos moradores da região. Nesta semana, o governo do Estado do Piauí entregou 122 cisternas para consumo e utilização nos quintais produtivos de pequenos agricultores de Betânia e Curral Novo, locais que não contam com um sistema de abastecimento de águas. Em 2022, 84% dos domicílios tinham o caminhão-pipa como principal forma de abastecimento. “Para além do desafio de ter acesso ao caminhão-pipa, não se tem como saber se, de fato, as famílias têm acesso à água por meio de políticas governamentais, nem se elas armazenam essa água corretamente”, lembra Adriana.

Em meio a esse contexto, a pesquisadora acompanhou o grupo de mulheres produtoras de mandioca, que produzem e comercializam alimentos derivados da raiz em uma cozinha industrial comunitária, construída após o recebimento de um projeto social de geração de renda. “As entrevistas revelaram que, de fato, o projeto trouxe resultado para as mulheres. Hoje, elas conseguem ter um complemento da renda a partir da produção de peta, biscoito, bolos, comercializados por meio de programas governamentais”, conta Adriana.

Dona Chica, produtora de mandioca em Betânia do Piauí- Foto: Adriana Cestari

Dona Chica, produtora de mandioca em Betânia do Piauí- Foto: Adriana Cestari

 

Mulheres Fortes


As “mulheres fortes” do título, integrantes da Associação das Pequenas Produtoras Rurais da Serra do Inácio, compartilharam suas histórias de resiliência durante a criação da associação, em um território localizado próximo aos parques eólicos. A entidade foi contemplada com um projeto de geração de renda fomentado entre 2019 e 2022 pela empresa Auren Energia em parceria com o Instituto Votorantim e o BNDES. O território é pano de fundo de dois mundos: um deles caminha na esteira da sustentabilidade promovendo geração de energia considerada limpa. O outro contempla uma realidade de negligências pelo Estado, com desafios sociais que revelam contradições intrínsecas à agenda de sustentabilidade.

“Tá na história. Em muitos lugares, até fora do Brasil, as pessoas conhecem a nossa história desde o princípio até hoje. É um orgulho grande, que os homens dessa terra não conseguiram e nós, mulheres, conseguimos”, conta Nailene Ferreira, uma das fundadoras da associação. Ainda assim, cerca de 67% das pessoas de Betânia do Piauí sobrevivem com auxílio do Bolsa Família. 

“Não podemos esquecer que a renda das Pequenas Produtoras Rurais da Serra do Inácio é uma renda complementar. Elas ainda estão no processo de acessar esses mercados e ter uma renda cada vez maior”, destaca Adriana.

Confira o vídeo a seguir:

* Com texto de Sylvia Miguel, da Comunicação FSP/USP

 


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