Estudo com mais de 200 crianças e adolescentes revela insatisfação com a aparência e idealização do magro, alertando para prevenção de transtornos alimentares durante a puberdade
Pesquisadores da USP verificaram que, após a menarca (primeira menstruação), meninas sofrem com o aumento da insatisfação corporal e, consequentemente, maior risco de transtornos alimentares – Imagem: Freepik
Mais que fase final da puberdade e entrada na vida adulta, o primeiro ciclo menstrual é marcado por insatisfação com a aparência e idealização do corpo magro. A informação vem de estudo do Departamento de Psicologia, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, realizado com 222 meninas de nove a 14 anos, estudantes de três escolas de Ribeirão Preto.
A falta de dados sobre o tema estimulou a busca sobre os impactos da imagem corporal e autoestima nessa faixa da população – os adolescentes – que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) fazem parte do grupo com maior incidência de transtornos alimentares no Brasil.
Entre os resultados, a psicóloga Tatiane Possani, responsável pelo estudo, destaca que, independente do estágio de desenvolvimento das mamas ou da idade em que ocorreu a menarca (primeira menstruação), as meninas que já menstruaram sofrem mais pela insatisfação corporal e se importam mais com o Índice de Massa Corporal (IMC). E o problema começa mais cedo para as brasileiras. A média de idade da primeira menstruação é de 11,6 anos, cerca de um ano antes das meninas europeias.
Segundo a psicóloga, a situação pode ser agravada pela “porcentagem maior de obesidade” encontrada no grupo pós-menarca, justamente o que apresenta “menor satisfação corporal e acurácia do tamanho do corpo, menor autoestima e maior idealização do corpo magro, comparado ao grupo pré-menarca.”
Imagem corporal e transtornos alimentares
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros, aproximadamente 10 milhões de pessoas, sofrem com transtornos alimentares; mas entre os adolescentes esse índice é maior, chegando aos 10%. Como as mulheres são mais propensas à compulsão alimentar e a anorexia e bulimia nervosas, faz sentido, argumenta o professor Sebastião de Sousa Almeida, orientador do estudo, “determinar os períodos de vida em que essas mulheres são mais suscetíveis a desenvolver uma imagem corporal negativa.” Conhecidos, esses fatores podem levar ao desenvolvimento de programas de intervenção para “ajudá-las a desenvolver uma avaliação positiva da própria imagem corporal.”
Tatiane Possani – Foto: Arquivo pessoal
O estudo traz avanços “na compreensão das influências na imagem corporal e no comportamento alimentar de meninas brasileiras durante o desenvolvimento puberal e contribui para a ampliação na compreensão da apreciação corporal”, diz Tatiane Possani, acrescentando que essas informações são escassas no Brasil e que esforços para a prevenção de transtornos alimentares e insatisfação corporal devem ser específicos para cada idade.
Para o professor Almeida, os resultados já são suficientes para pensar em programas de intervenção específicos para lidar com transtornos alimentares desse público, usando cada fator estudado na pesquisa. Além da imagem corporal, autoestima e atitudes alimentares, foram avaliados peso, altura, índice de massa corporal e os estágios de maturação das mamas. O estudo analisou ainda fatores fisiológicos, psicológicos e comportamentais, “ampliando a compreensão das especificidades ao longo do desenvolvimento puberal e trazendo direcionamentos para programas de prevenção e intervenção nos transtornos de imagem e alimentar para meninas brasileiras.”
A participação das estudantes, adiantam os pesquisadores, foi previamente autorizada pelos pais e responsáveis e se deu na forma de coleta de dados no ambiente escolar e respostas a questionários.
Dados justificam programas de prevenção
Meninas que buscam o emagrecimento como forma de alcançar um padrão de beleza, muitas vezes irrealizável, são mais vulneráveis aos transtornos alimentares. É que a insatisfação com a forma do corpo, explica o professor Almeida, pode levar a atitudes alimentares não saudáveis e, em alguns casos, a transtornos como anorexia nervosa, caracterizada pela restrição persistente da ingestão de alimentos, e bulimia nervosa, marcada pelo consumo exagerado de alimentos (compulsão alimentar episódica), seguido por medidas para controlar o peso (exercício físico em excesso, jejum e vômitos).
A descoberta dessa maior insatisfação corporal entre as meninas ao passar pela menarca justifica, segundo Tatiane Possani, medidas preventivas aos transtornos “extremamente graves”, de imagem, e alimentares, que trazem inúmeros prejuízos no bem estar e até colocam a vida em risco. Identificar influências de variáveis biológicas (idade da menarca) e ambientais (atitudes alimentares) sobre a imagem corporal e satisfação com a forma corporal “permite uma intervenção tanto no nível pessoal quanto em programas de intervenção para mitigar possíveis problemas no futuro”, acrescenta o professor Almeida.
A realidade dessas meninas pede ainda que pais, educadores, profissionais da área da saúde e a sociedade como um todo “favoreçam a boa relação da criança e do adolescente com seus corpos, ensinando comportamentos saudáveis de proteção e cuidado com o corpo”, conta a pesquisadora. Esse empenho deve estimular nas meninas “a construir olhar crítico, rejeitar imagens corporais idealizadas veiculadas pela mídia, a apreciar e valorizar seus corpos, para além de um padrão de beleza com base em sua funcionalidade, favorecendo boas práticas alimentares e de atividade física”, adianta a pesquisadora.
A tese de doutorado de Tatiane, Imagem corporal e puberdade, foi apresentada em janeiro de 2023, com orientação do professor Sebastião de Sousa Almeida e co-orientação da professora Maria Fernanda Laus.
Mais informações: e-mail: