As vulnerabilidades que o estigma, o preconceito e a falta de informação impõem à mulher com diagnóstico de câncer são o início de toda uma cornucópia de sintomas
23/10/2023 - Universidade de Brasília
Maria Inez Montagner
O câncer em mulheres, não importa onde ele se situe, sempre deve ser pauta de todas as discussões e de todos os planejamentos e gestões. Se a questão se resumisse à saúde do corpo, cujo tratamento não possui um protocolo resolutivo salvo a extirpação do tecido afetado aliada a radiações e química para eliminar todo tecido estranho nos corpos, mesmo assim o problema seria mais simples de controlar e resolver.
No entanto, o ser humano não é feito somente do seu corpo, aliás, eu diria que essa parte talvez seja a mais fácil de ser resolvida. As vulnerabilidades que o estigma, o preconceito e a falta de informação impõem à mulher com diagnóstico de câncer são o início de toda uma cornucópia de sintomas, como péssimos atendimentos nas mais diferentes esferas sociais, o ser desacreditado por possuir uma doença e não receber o devido acompanhamento e atenção.
As pessoas em geral nem ao menos se preocupam com todos os direitos de cidadania, ainda menos com o direito à saúde integral da mulher. Estão surdas sobre a vida real das pessoas acometidas pela doença. A doença em uma mulher, às vezes, é o menor de seus problemas. Em geral, as mulheres são tratadas como se tivessem empregos com salários fixos, registrados em carteira, pelos quais podem apresentar atestados médicos e serem afastadas de suas funções, mas não consideram o grande número de profissionais que só são remunerados ao trabalhar: a agenda do atendimento clínico e de exames não é pensada para elas. Uma proposta seria de elas receberem um benefício financeiro, mesmo que não sejam contribuintes da previdência.
Uma doença complexa precisa de atendimento integral, necessita de acompanhamento de equipes multidisciplinares “de verdade”, pois as consequências do câncer extrapolam os cuidados dos tradicionais profissionais da saúde. Também são necessárias ações em políticas públicas e intervenções jurídicas, como pagamento de benefícios, por exemplo. A saúde coletiva deve sempre estar presente em todos os momentos de discussão e de tomada de decisão, em conjunto com advogados, economistas, políticos, entre outras profissões que deveriam estar representadas nestas equipes.
A rede de apoio tem que estar presente, é necessário ter quem possa estar ao lado para o acompanhamento, para a ajuda na tomada de decisão ou, simplesmente, para ouvir. Essas pessoas deveriam ter o mesmo atendimento (e direitos) da pessoa enferma, como alimentação, transporte gratuito, local de descanso e atendimento psicológico. As mulheres têm o direito de exercer a sua fé da forma que acharem mais adequada, com os seus representantes e com o atendimento que julgar necessário, não importando qual seja. A inclusão da fé e o respeito às redes de apoio como agentes primordiais da cura devem estar na pauta de todos os locais de promoção à saúde.
Ser acusada de não ter procurado resposta para um “caroço” ou nódulo, não fazer os exames tempestivos, isto tudo não pode recair como culpa de uma pessoa, como acontece muitas vezes; ela deveria ser ouvida na Atenção Primária, encaminhada para profissionais que pudessem ajudá-la a entender a importância do cuidado preventivo e, enfim, que se sentisse segura, caso o resultado fosse “um câncer”. Para isso, a ação e preocupação geral não devem ser apenas campanhas, restritas ao mês de outubro.
A efetividade das ações deve ser procurada, primeiro, considerando as necessidades das mulheres e os motivos que as mantêm distantes da procura dos profissionais da saúde. De fato, muitas pesquisas são e foram feitas com esse objetivo, muita coisa melhorou, mas não é o suficiente; as ações realizadas a partir das pesquisas, os projetos de extensão e outros esforços devem mais orgânicos e, de fato, próximos da população que mais precisa. Nesse sentido, ao término das ações, intervenções e pesquisas, as mulheres envolvidas têm o direito e merecem receber uma devolutiva para que possam multiplicar o conhecimento e estabelecer estratégias próprias para lidar com a enfermidade em seu grupo. A mulher deve ser o foco central, e não a doença.
Acreditar em quem cuida de nós e em quem nos apoia é o princípio da cura!
foto: Luiz Alvez/UnB
Maria Inez Montagner é professora associada na Faculdade UnB Ceilândia (FCE). Atualmente é pesquisadora do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), coordenadora do Observatório de Saúde de Populações em Vulnerabilidade (ObVul), diretora Financeira da Fundação Nagib Nasser (Funagib) e diretora científica da Rede Reuna Hans Brasil