Um estudo sobre queixas de sono e fatores associados em idosos realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com a FioCruz Minas indica que a insônia chega a atingir até 58,6% da população maior de 60 anos no país.
Um estudo sobre queixas de sono e fatores associados em idosos realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com a FioCruz Minas indica que a insônia chega a atingir até 58,6% da população maior de 60 anos no país. Os dados mostram que ser mulher aumenta as chances de sofrer com qualquer tipo de insônia, ter má qualidade de sono e sonolência diurna. Ter mais de uma doença crônica e não ingerir porções de frutas e vegetais também pode influenciar.
A análise, publicada nos Cadernos de Saúde Pública, utiliza dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). O Elsi é representativo da população brasileira e começou a ser realizado em 2015, mas a pesquisa toma como base os indicadores de 2019. A investigação envolveu 6.929 pessoas com 60 anos ou mais, em 70 municípios do país, em todas as regiões.
A preocupação em estudar especificamente a questão do sono surgiu durante a pandemia de Covid-19. O estudo recém publicado foi liderado pela professora e pesquisadora da UFSC Araranguá Núbia Carelli Pereira de Avelar, do curso de Fisioterapia. “O interesse por estudar os problemas de sono surgiu na pandemia, quando os idosos relatavam que estavam dormindo muito mal. Começamos a buscar na literatura e observamos a ausência de estudos que descrevessem a prevalência das diferentes tipologias de distúrbios do sono”, explica a professora, que ouvia o relato dos idosos nas atividades de estágio que conduzia.
O artigo trata de diferentes tipologias de alterações do sono. A insônia, por exemplo, pode ser inicial, quando se refere a dificuldade de pegar no sono; intermediária, quando a pessoa acorda, tem dificuldades para dormir, mas volta ao sono; e final, quando a pessoa acorda muito cedo e não consegue mais dormir. Os dados da pesquisa também se referem à percepção sobre qualidade de sono e a sonolência diurna, quando o indivíduo já se sente cansado ao acordar.
De acordo com a professora, as queixas com relação ao sono coletadas na pesquisa ocorreram predominantemente em mulheres. “As mulheres têm maior frequência de insônia inicial, intermediária e qualquer tipo de insônia e pior qualidade de sono. A gente acredita que isso está muito relacionado à sobrecarga de trabalho, desde atividades domésticas até o cuidado com outros familiares”, analisa Núbia. “Nós observamos, no Brasil, um processo de feminização do envelhecimento – há mais mulheres idosas do que homens, e geralmente essas mulheres ficam sozinhas, ou são viúvas ou solteiras. Já se sabe que a solidão também está relacionada às questões do sono”, complementa.
O estudo publicado no periódico Cadernos de Saúde Pública também trata do fenômeno do ponto de vista biológico, já que a variação hormonal, observada principalmente em mulheres, pode desregular um circuito que desempenha papel fundamental na regulação do sono. Além disso, o nível de cortisol no sangue tende a ser mais elevado em mulheres do que nos homens, o que poderia alterar a produção de alguns hormônios e, consequentemente, prejudicar a qualidade do sono.
Insônia é principal problema entre os idosos
O estudo mostra que os problemas de sono com maior prevalência em idosos brasileiros foram os diferentes tipos de insônia (45,9% a 58,6%), seguidos de sonolência diurna (38,4%) e da má qualidade do sono (15,6%). “O aumento da prevalência de problemas de sono em idosos, na última década, pode estar associado ao uso crescente de smartphones antes de dormir, o que aumenta a latência do sono e leva à insônia inicial”, justificam os pesquisadores.
Evidências indicam que as mulheres apresentam uma arquitetura de sono diferente em relação aos homens, caracterizada por ondas de sono mais lentas, mais despertares noturnos e maior latência do sono. Apesar disso, conforme mencionado pela professora, a sobrecarga de trabalho também pode estar no pano de fundo da prevalência dos problemas.
Segundo Núbia, os dados são preocupantes e surpreenderam a equipe, já que seis a cada 10 idosos têm qualquer um dos tipos de insônia. “É um dado alarmante e que nos preocupa”, reforça. Na conclusão, o grupo registra que uma implicação chave do estudo é justamente a importância da implementação de campanhas informativas e iniciativas educativas para aumentar a consciencialização sobre os problemas do sono nesta população.
Os dados também vão ao encontro do que a literatura e grupos especializados têm apresentado. “A Associação Americana de Cardiologia inseriu em 2022 o sono como variável ligada ao envelhecimento saudável”, comenta a professora. Segundo ela, a ciência reconhece os efeitos dos problemas de sono na saúde global dos idosos, já que aqueles que dormem muito mal apresentam maior risco de mortalidade, de depressão e de declínio cognitivo, além de estarem mais propensos a doenças neurodegenerativas.
Consumo adequado de frutas e vegetais e consumo de álcool também foram analisados
A pesquisa da UFSC também indica que o consumo de frutas e vegetais e de álcool pode estar relacionado aos problemas de sono entre pessoas com 60 anos ou mais. Idosos que não consumiam cinco porções diárias de frutas e vegetais apresentaram maior chance de má qualidade do sono, de acordo com o estudo.
“Isso porque esses alimentos são fontes de antioxidantes, polifenóis, vitamina C, fibras, potássio, flavonóides, que são ativos biológicos que vão melhorar o equilíbrio do ritmo circadiano e, consequentemente, a qualidade de sono. Além disso, podem modular o metabolismo e a concentração dos hormônios relacionados à qualidade de sono”, justifica.
Já o consumo de álcool uma vez por mês ou mais foi associado a menor chance insônia inicial, o que também foi consistente com outros estudos da área. Apesar disso, a pesquisa traz um alerta: “O álcool tende a reduzir a fase do sono de movimento rápido dos olhos (REM) e a desalinhar o ciclo sono-vigília”, indicam os pesquisadores. De uma forma geral, isso levaria a efeitos que podem resultar em má qualidade do sono e sonolência diurna, impactando o bem-estar geral.
A pesquisa registra que é importante considerar o impacto do consumo de álcool trazendo também um outro registro já reconhecido pela ciência: o de que algumas bebidas alcoólicas, como o vinho tinto, são ricos em flavonóides, como o resveratrol, que possuem propriedades antioxidantes e efeitos neuroprotetores, que podem melhorar a qualidade do sono
Condições de saúde têm impacto no sono
Também em relação às condições de saúde, a pesquisa registra que a presença de duas ou mais doenças crônicas aumentou de 1,21 a 1,65 vezes as chances de idosos apresentarem insônia inicial, intermediária, final e qualquer tipo de insônia. O dado também se alinha a estudos anteriores que mostraram que a ocorrência de duas doenças crônicas simultâneas está positivamente associada a todos os tipos de insônia na Alemanha e na China, por exemplo. “Além disso, medicamentos para tratamento de doenças crônicas como broncodilatadores, beta bloqueadores, estimulantes do sistema nervoso central e agentes cardiovasculares podem levar à insônia”, indicam os cientistas, na análise.
Os cientistas que assinam o artigo também reforçam que os resultados coletados fornecem informações valiosas para embasar políticas e estratégias de saúde pública destinadas a promover uma melhor saúde do sono na população idosa. “Os achados deste estudo revelam uma alta prevalência de problemas de sono entre idosos brasileiros, enfatizando a necessidade de intervenções de saúde pública direcionadas para resolver esse problema”, assinalam.
Amanda Miranda, jornalista da Agecom/UFSC