Os números da Secretaria de Segurança Pública mostram que, de janeiro a outubro deste ano, esse crime cresceu 25,2%, em comparação com o mesmo período de 2022. A naturalização da conduta é considerada como uma das causas
O crime de importunação sexual cresceu 25,2% de janeiro a outubro deste ano no Distrito Federal, em comparação com o mesmo período de 2022 — passando de 536 para 671 ocorrências — de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Os dados mostram que, até o fim do mês passado, 2023 teve uma média de dois casos registrados, por dia.
Para o professor de direito do Ceub e especialista em segurança pública Antônio Suxberger, um dos fatores que podem explicar o aumento de notificações de casos de importunação sexual é a naturalização da conduta. "Até bem pouco tempo, homens praticavam esse crime contra mulheres e entendiam que a conduta era aceitável, enquanto mulheres, igualmente, não se viam como vítimas desse tipo de ação", lamentou.
O especialista ressaltou que o enfrentamento do crime de importunação sexual tem como medida mais efetiva as ações que impactam na criação de uma cultura de respeito. "Não apenas à mulher, mas, igualmente, de respeito à dignidade sexual alheia. Ações de comunicação e de conscientização são fundamentais para que percebamos que esse tipo de conduta é crime e que nos sintamos estimulados a intervir quando estivermos diante da situação em que esse fato esteja acontecendo no nosso dia a dia", alertou Suxberger.
De acordo com o professor, a população pode ajudar por meio da intervenção nos casos em que isso ocorra; da provocação da atividade policial; da ação quando acontecer em locais de ampla circulação; e da reação imediata, por exemplo, dentro de transportes coletivos ou mesmo aglomerações de pessoas. "São todos fatores inibitórios que podem, não apenas fazer cessar a prática criminosa, mas igualmente prevenir ações futuras", avaliou.
"A percepção da importunação sexual tem, por premissa, que percebamos que importunar alguém sexualmente é crime", observou. "E, quando se trata de um crime contra mulheres, se tornam graves por determinação normativa. É o que estabelece a Lei Maria da Penha que, nesse ponto, não se limita unicamente às situações de violência doméstica e familiar", lembrou o especialista.
Vergonha
A pedagoga e empresária Caroline Tavares, de 25 anos, relatou que sofreu com esse problema diversas vezes. O caso mais recente ocorreu durante uma festa de família. Um rapaz considerado "um homem de valor" se aproveitou de quando ela foi ao banheiro e insistiu em agarrá-la e beijá-la, empurrando a jovem para dentro do cômodo. "Eu gritei e ele saiu como se nada tivesse acontecido. Me senti extremamente desolada, constrangida, impotente, com vergonha e culpada, como se eu desse brecha para ele fazer aquilo", descreveu.
Caroline contou que é algo que não tem como esquecer, apagar ou voltar no tempo para mudar. Aprender a conviver com isso foi a forma que encontrou para seguir. "Ter passado por um abuso na infância, dentro da igreja e, todas as outras situações relacionadas a esse assunto, me fizeram ter dificuldades em me relacionar. Por muito tempo tive um medo horrendo de homens", desabafou a pedagoga.
A autônoma Cléria Carvalho, 34, trabalha diariamente na Rodoviária do Plano Piloto vendendo sorvetes. No ano passado, quando levava sua filha de 8 anos para a escola, passou por essa situação constrangedora dentro do ônibus. Segundo ela, o homem se aproveitou que o veículo estava apertado e começou a se esfregar nela, até que os outros passageiros chamaram a atenção e o sujeito saiu do transporte. "Eu fiquei sem reação, travei naquele momento. As pessoas que estavam à minha volta tomaram uma atitude, mas sempre penso que poderia ter feito algo diferente. É algo que tento não lembrar", explicou.
Culpa
A estudante Ingrid Lopes, 18, contou que, no mês passado, enquanto estava indo para a faculdade, desceu do ônibus chorando após um senhor tentar apalpá-la diversas vezes. "Eu comentei com o moço que estava do meu lado para trocarmos de lugar porque o senhor estava me incomodando. Infelizmente, ninguém faz nada nessas situações. É algo que eu nunca vou superar", afirmou.
Também estudante, Samyra Menezes, 21, acorda todos os dias às 5h para ir à faculdade e, só retorna às 18h. No começo deste ano, quando se deslocava em direção ao trabalho, a jovem teve suas partes íntimas apalpadas por um homem no ônibus.
"Nessa situação, nós vítimas não podemos fazer nada. Ninguém acredita na nossa palavra, geralmente isso passa como se nada tivesse acontecido", destaca. "Grande parte das garotas que passa por isso igual eu passei, se sente culpada. É difícil você encontrar uma mulher que não viveu ou presenciou algo desse tipo. Para grande parte dos causadores desse crime não acontece nada", pontuou.
Ao Correio, o secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, disse que o enfrentamento a todo o tipo de violência contra a mulher, incluindo a importunação sexual, é prioridade. "Temos um eixo específico, o Mulher Mais Segura, para tratar dessa temática em nossa nova política pública, o DF Mais Seguro — Segurança Integral", comentou. "Nesse sentido, temos desenvolvido diversas ações, campanhas e mecanismos que visam o incentivo à denúncia, que é ferramenta fundamental para ampliação da rede de proteção à mulher", acrescentou Avelar.
"Além das duas delegacias especializadas, dos núcleos e das seções de atendimento à mulher, temos a delegacia eletrônica, que facilita a denúncia e, consequentemente, dá mais agilidade às investigações", detalhou o secretário. Ele descatou que, além da perspectiva punitiva que esses tipos de casos requerem, a SSP-DF tem realizado, com frequência, inúmeras campanhas conjuntas a outros órgãos de governo e sociedade. "Todas no sentido de conscientizar a população sobre a importância do respeito mútuo, sobretudo às mulheres", reforçou o gestor da pasta.
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti