STJ decidiu que prazo deve ser contado a partir do momento em que a vítima reconhecer as consequências do dano sofrido
O prazo de prescrição de ação de indenização por danos morais em casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes não começa a contar automaticamente do momento em que a vítima atinge a maioridade civil, aos 18 anos, mas sim quando ela adquire consciência dos danos causados à sua vida pela violência. Essa foi a decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, seguiu posicionamento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF) em julgamento realizado na última semana.
O tema foi discutido em recurso especial ajuizado no STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve a prescrição numa ação de indenização proposta por uma vítima de abusos contra seu padrasto. No recurso, a mulher relatou que, embora tenha sofrido a violência entre os 11 e os 14 anos, apenas aos 34 anos de idade as memórias do episódio passaram a lhe causar problemas psicológicos, como crises de ansiedade e depressão. A vítima argumentou que o prazo de prescrição deveria contar a partir do início do tratamento psicológico necessário para controlar os sintomas, mas o TJSP considerou que a ação de indenização estava prescrita três anos após a mulher ter atingido a maioridade civil.
Em parecer enviado ao STJ, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Bigonha sustenta que, em regra, o prazo de prescrição de uma ação civil indenizatória começa a correr no momento em que há lesão do direito. No entanto, algumas situações são mais complexas e exigem análise mais detalhada. “É o caso dos autos, em que o dano sofrido se prolonga no tempo, tornando-se perceptível ao titular, apenas, em momento muito posterior à sua ocorrência”, afirma. Nessas situações, segundo Bigonha, a legislação civil brasileira permite que o prazo prescricional seja contado a partir do momento em que a pessoa toma conhecimento da lesão, o que possibilita a ela exercer de forma eficaz o direito de ação.
Consequências da agressão - De acordo com o subprocurador-geral, as violações que afetam a dignidade e a integridade física da vítima de agressão sexual repercutem indefinidamente sobre a sua subjetividade, “tornando-se contínuas, permanentes e renováveis”. Assim, não é possível deduzir que a vítima tenha ciência dos danos causados pela violência apenas por ter atingido a maioridade. “Quanto à responsabilidade civil, admitir, no caso dos autos, que o início da prescrição ocorreria com o advento da maioridade seria eximir o agressor de sua responsabilidade, justamente pelo decurso do tempo que foi necessário para que a vítima tomasse ciência da extensão das consequências do abuso físico e psicológico sofrido na infância e na adolescência”, argumentou.
Bigonha citou também julgamentos anteriores do STJ em que foi consolidado o entendimento de que é possível iniciar a contagem do prazo de prescrição a partir do conhecimento da violação do direito. No julgamento, o relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, concordou que os episódios de abuso sexual sofridos na infância ou adolescência podem levar anos para serem devidamente processados pelas vítimas. Assim, a prescrição após três anos da maioridade civil não é suficiente para proteger integralmente os direitos de quem sofreu a violência. A 4ª Turma do STJ determinou o retorno do processo ao TJSP, para nova análise do prazo da prescrição.
Recurso Especial n. 2123047 / SP