Dados do TJDFT apontam que, de 2019 até julho deste ano, foram quase 50 mil pedidos acatados. Além do distanciamento entre agressor e vítima, o monitoramento é essencial para evitar novas tragédias
Os números que envolvem a violência contra a mulher no Distrito Federal vão além das ocorrências registradas nas delegacias. Em relação à concessão de medidas protetivas de urgência (MPU), por exemplo, a situação é alarmante. De acordo com o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), de janeiro de 2019 a julho de 2023, foram concedidas e/ou concedidas em parte (leia Para saber mais) 49.961 MPU, o que dá uma média de cerca de 30 pedidos acatados, por dia, referentes à violência contra a mulher. Somente em julho deste ano, foram 1.232 medidas protetivas concedidas a vítimas desse tipo de crime.
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Para o secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, a integração entre os mais diversos setores do poder público garante maior efetividade de ações. "Isso porque acarreta maior confiabilidade e incentiva a denúncia da sociedade como um todo, o que é extremamente importante para atuação do Estado", avalia. "As medidas protetivas concedidas pelo Judiciário têm se mostrado 100% eficazes para a adesão aos nossos serviços de monitoramento eletrônico até o momento", aponta Avelar.
Professora do curso de serviço social da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em violência doméstica, Elaene Rodrigues considera um avanço a sanção presidencial da Lei 14.550/23, que determina a concessão sumária de medidas protetivas de urgência às mulheres, a partir de denúncia de violência apresentada à autoridade policial ou a partir de alegações escritas. "Ela altera a Lei Maria da Penha e considera que as regras devem ser aplicadas a todas situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da causa ou da motivação desses atos ou da condição do ofensor ou da ofendida", destaca. "As medidas protetivas serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência e do ajuizamento da ação", explica a especialista.
Outras ações
Mesmo assim, ela lembra que, antes de tudo, é fundamental compreender a violência contra a mulher como um fenômeno estrutural da sociedade patriarcal, que precisa ser enfrentado cotidianamente, mediante a exigência de políticas públicas mais eficazes. "É urgente a integração e o fluxo dos serviços, para que, rompida a barreira inicial da denúncia, a mulher seja efetivamente atendida e tenha sua integridade preservada", argumenta.
"Além disso, é necessário a criação de campanhas educativas e a promoção de ações de prevenção à violência, serviços integrados com acolhimento de qualidade e perspectiva de gênero, sensibilização e capacitação contínua para o sistema de justiça, e profissionais que atuam no combate à violência contra a mulher", enumera Elaene.
Existem outras ferramentas que ajudam a proteger vítimas da violência de gênero no DF, de acordo com a SSP-DF. A Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP/SSP-DF) monitora, atualmente, 82 mulheres e 85 agressores pelo Serviço de Proteção à Mulher, que disponibiliza — por meio de decisão judicial — um Dispositivo de Proteção à Pessoa (DPP) para a vítima e uma tornozeleira eletrônica para o agressor.
De janeiro a agosto deste ano, foram incluídas no programa Viva Flor 282 mulheres, por força de decisão judicial e, atualmente, são acompanhadas cerca de 380 mulheres. Os serviços de monitoramento da secretaria resultaram em nove prisões em flagrante, por descumprimentos de Medidas Protetivas de Urgência (MPU). Ainda de acordo com a SSP-DF, desde a implantação dos programas de monitoramento, nenhuma das mulheres acompanhadas teve sua integridade física violada pelos ex-companheiros.
As tentativas de burlar os sistemas da SSP culminam na prisão dos agressores, por parte da Polícia Militar (PMDF), em cerca de 15 minutos, de acordo com Sandro Avelar. "A atuação das forças de segurança, seja na investigação de crimes ou na prisão de agressores, contribuem de maneira efetiva para a rede de proteção às mulheres", ressalta. "Essa é uma pauta prioritária para a Segurança Pública e para todo o Governo do Distrito Federal que, de forma integral, inclusive com a participação da sociedade civil, tem buscado formas de enfrentar a violência de gênero", garante o secretário.
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF) também monitora condenados em casos de violência contra a mulher, por meio do Centro de Monitoramento Eletrônico (Cime). Atualmente, de acordo com a pasta, são 215 agressores monitorados. Por meio de nota, a Seape destaca que os casos de violência contra a mulher tem um tratamento de prioridade zero. "Ou seja, no caso de existirem diversas ocorrências com tornozeleiras, as de violência contra a mulher se tornam prioridade na lista de planos de ação", ressalta, por meio de nota, o órgão.
Mais fiscalização
Juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça e fundadora do Instituto Nós por Elas, Renata Gil afirma que o monitoramento efetivo dos agressores é fundamental para evitar o feminicídio — assim como qualquer tipo de violência contra a mulher — dado que esse crime acontece em razão da progressiva violência.
Porém, a especialista destaca ser importante a busca pela reabilitação e conscientização que alguns tribunais têm dado aos agressores, com grupos de reflexão e trabalhos de conversão dessas penas em processos educativos e de acompanhamento psicológico, para que eles saiam da prática da violência. Em relação às medidas protetivas, Renata ressalta que o sistema de fiscalização dessas ações ainda é ineficiente, em vista do número reduzido de policiais nas ruas e de projetos que trabalham com visitas às famílias das vítimas de violência.
"As mulheres se sentem sozinhas e não saem deste ciclo, pois não têm apoio financeiro para mudar de vida. O acompanhamento psicossocial, o abrigamento no momento em que ela corre iminente risco de vida, a alocação no mercado de trabalho por meio de incentivos ao empreendedorismo e de crédito nas instituições financeiras, são ações que devem andar lado a lado com a proteção dessas vítimas", acrescenta a juíza.
Fortalecimento
Tereza*, 54 anos, ainda tem na pele as cicatrizes de um passado marcado pela violência doméstica. A perda de parte da audição, devido aos constantes socos que levou na cabeça, é apenas um dos exemplos. "Lembro-me de acordar de madrugada com ele me asfixiando", comenta. "Era muito difícil sair desse ciclo de violência. Quando éramos casados, dependia financeiramente dele. Psicologicamente, estava fragilizada e não sentia segurança em relatar a situação a minha família", disse a vítima.
Dos vizinhos, Tereza chegou a ouvir que "gostava de apanhar". Há quase 30 anos, quando ela decidiu denunciar o ex-marido, a medida que previa o distanciamento do agressor nunca foi fiscalizada. "Ele me perseguiu, armado, durante vários anos. Continuou a ameaçar e a me humilhar em ambientes públicos, dentro de ônibus, na rua", recorda.
Foi com a ajuda de uma amiga, três anos após a denúncia, que Tereza conseguiu se fortalecer, ganhou um novo lar e confiança. Passou a estudar e se tornou empreendedora. Hoje, é ela quem dá a mão a outras mulheres, como participante do Instituto Mulheres Feminicídio Não — Apoio à Mulher Empreendedora, que visa combater esse tipo de crime.
Na ONG, Tereza incentiva vítimas de violência a fazerem a denúncia, acompanha mulheres que pediram medidas protetivas e dá assistência a familiares de vítimas de feminicídio. Sobre a eficiência das ações destinadas a proteger mulheres que foram ameaçadas, ela destaca que o problema está do outro lado. "É preciso trabalhar a saúde mental desses homens, pois há aqueles que passam por cima de qualquer determinação judicial para causar sofrimento às companheiras. É necessário monitorar o perfil desses agressores, agindo diretamente sobre eles", opina.
*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada
Informe-se
As medidas protetivas podem ser concedidas no todo ou em parte. O juiz concede todas aquelas que a vítima ou o advogado solicitaram, ou algumas com base na análise individual de cada caso. Há várias modalidades de medidas que podem ser solicitadas, são elas:
» I — suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da
Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
» II — afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
» III — proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
» IV — restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar
ou serviço similar;
» V — prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
» VI — comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Incluído pela Lei nº 13.984,
de 2020);
» VII — acompanhamento psicossocial do agressor,
por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio (Incluído pela
Lei nº 13.984, de 2020).
Fontes: TJDFT e Planalto
Reeducação para agressores
No DF, por meio da Secretaria da Mulher, existem os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVDs), que oferecem acompanhamento psicossocial às pessoas envolvidas em situação de violência doméstica e familiar contra as mulheres, tanto às mulheres vítimas quanto aos (às) autores (as) dessas violências.
O objetivo é provocar reflexões sobre as questões de gênero, a comunicação e expressão dos sentimentos, a Lei Maria da Penha, entre outros temas, buscando quebrar o ciclo da violência doméstica. Atualmente, existem oito núcleos funcionando, nas regiões do Plano Piloto, Brazlândia, Gama, Paranoá, Planaltina, Santa Maria, Sobradinho e Samambaia.