Movimentos populares denunciam que condições de vida de mulheres pobres devem piorar com reformas propostas pelo governo
Os ajustes ultraliberais implementados pelo presidente argentino, Javier Milei, impactam mais as mulheres do país. A denúncia é feita por ativistas de movimentos populares que sentem no cotidiano a piora das condições de vida.
"Há um fenômeno de feminização da pobreza", explica ao Brasil de Fato Yanina Settembrino, integrante da Federação Rural Argentina. "Muitas mulheres são chefes de família e a inflação impacta diretamente na tomada de decisões sobre a economia familiar", afirma.
Segundo dados oficiais do governo argentino, ainda em 2022, sete a cada 10 pessoas pobres eram mulheres. Já no mercado de trabalho, a diferença de salários entre homens e mulheres era de 28% a menos para as trabalhadoras.
Com Milei, os movimentos apontam piora nesse cenário. Logo que assumiu a presidência no ano passado, o presidente anunciou uma megadesvalorização do peso argentino, o que fez os preços dispararem e os salários perderem poder de compra.
O resultado foi a maior inflação dos últimos 32 anos: mais de 211% em dezembro e superior a 254% em janeiro no índice anual.
"As medidas que estão sendo tomadas afetam não somente a economia familiar, mas também a segurança e os projetos de qualquer mulher", aponta Laura Camelli. Ao Brasil de Fato, a funcionária pública do estado de Misiones e integrante da Central Sindical de Trabalhadores da Argentina (CTA) diz que as políticas do governo pioram "a saúde, o trabalho, as relações, as possibilidade de crescimento em nossas vidas particulares".
"Esse avanço sobre nossos direitos afeta nossa possibilidade de sonhar com um futuro melhor. É difícil pensar nisso quando não temos com o que encher as panelas", diz.
As ativistas ainda rechaçam o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) emitido por Milei, que continha uma reforma trabalhista desreguladora que acabou sendo barrada pela Justiça. Além disso, a "lei ônibus", pacote de centenas de medidas que pretendem refundar o Estado e as leis argentinas, também é apontada pelas ativistas como elemento de ataque às mulheres.
"A discussão política e também a mobilização nas ruas conseguiu frear a lei que tentaram discutir no Congresso, que era uma lei inconstitucional, era uma reforma constitucional disfarçada de lei. Eles estão decididos a acabar com nosso país e nós estamos decididos a defendê-lo", disse Yanina.
Direito ao aborto ameaçado
Além da desvalorização cambial, o presidente avança para privatizar empresas públicas, fechar centros de assistência social, retirar direitos trabalhistas e sociais conquistados pelos argentinos.
Um deles é o direito à interrupção voluntária da gravidez, aprovado em 2020 após anos de luta e campanha de movimentos feministas. Em fevereiro, deputados da base governista apresentaram um projeto de lei para tentar revogar o direito a aborto e criminalizar os profissionais de saúde que o realizem.
No entanto, ativistas acreditam que o governo pode querer agir imediatamente para restringir esse direito em vez de esperar a tramitação demorada no Legislativo.
"A estratégia que talvez eles possam usar é buscar meios legais para dificultar o acesso a interrupção da gravidez ", opina Yanina Settembrino. "Inclusive, eles se dizem liberais, mas não o são quando nós dizemos que é direito das mulheres decidir sobre seu próprio corpo. E não há nada mais liberal do que cada pessoa poder decidir sobre seu próprio corpo", afirma.
Laura Camelli alerta para o aumento da situação de vulnerabilidade social das mulheres por conta da postura de Milei. "As características psicológicas do nosso presidente são muito preocupantes para o gênero feminino. Todas as medidas que ele está tomando são dirigidas para nos colocar em um nível de insegurança e de maior vulnerabilidade", diz.
Esse cenário levou mulheres às ruas. Durante a greve geral do dia 24 de janeiro, a maior mobilização contra o governo Milei até agora, houve massiva participação feminina e, para os próximos meses, os movimentos prometem mais atos.
"Nossa luta feminista já vem ocorrendo há anos", aponta Gloria del Carmen, que pertence ao Movimento Evita. "Ainda que tenhamos muitas conquistas, sabemos que temos grandes batalhas, ainda mais com esse governo. Agora é sair e lutar, estar nas ruas e resistir", diz.
Edição: Rodrigo Durão Coelho