No TJ-SP desde 2014, ação civil pública que trata de casos ocorridos em Guarulhos deve ser julgada na próxima segunda-feira (13)
Presídio brasileiro é símbolo internacional de violência em prisões e da falência do sistema prisional no país (Fonte: Conectas/Divulgação)
Na próxima segunda-feira (13), o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) deve analisar uma ação civil pública que pede a condenação do Estado paulista por danos morais pela realização de revista íntima de caráter vexatório em familiares de pessoas presas durante visitas nos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos, entre os anos de 2011 e 2013, bem como o reconhecimento da prática como ilegal.
A ação foi proposta pela Conectas Direitos Humanos em 2014 e recentemente outras organizações solicitaram participar do processo na condição de amici curiae. São elas: ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e Pastoral Carcerária. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo solicitou a admissão para atuar como parte do processo. Os pedidos ainda não foram apreciados.
A revista íntima é um procedimento em que familiares de pessoas encarceradas, incluindo crianças, mulheres e pessoas idosas, enfrentam para acessar unidades prisionais. De um modo geral, as pessoas precisam ficar totalmente nuas e realizar agachamentos repetidas vezes.
Na avaliação das organizações da sociedade civil, a prática é humilhante e viola o corpo das pessoas visitantes dos presídios e, portanto, fere princípios constitucionais e normas internacionais das quais o Brasil é signatário.
“A revista íntima tem caráter vexatório e promove a desumanização das pessoas. Existem relatos de que agentes masculinos realizam a prática em visitantes femininas. É uma forma de penalizar e fragilizar as famílias dos presos. O Direito brasileiro não prevê, em nenhuma hipótese, que a pena seja estendida a terceiros”, afirma a advogada Carolina Diniz, coordenadora do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas.
Dada a grave violação de direitos das vítimas, as entidades pedem o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$1.000.000,00, valor que deve ser revertido ao Fundo de Defesa dos Interesses Difusos, responsável por gerir montantes a serem aplicados em programas de reparação e promoção de cidadania no Estado de São Paulo.
Além da indenização, as organizações solicitam que a prática seja reconhecida como ilegal e que as provas colhidas por meio da revista vexatória sejam consideradas ilícitas e não sejam incluídas no processo penal, uma vez que violam normas constitucionais.
ONU e OEA
Nesta quinta-feira (09), a Conectas e outras oito organizações enviaram um apelo urgente às relatorias da ONU e da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) para instar o Brasil a mandar informações sobre a continuidade da revista vexatória no país, em especial no estado de São Paulo. No documento, as organizações Conectas, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Rede Justiça Criminal, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Pastoral Carcerária, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Amparar e OMTC (Organização Mundial Contra Tortura) pedem ainda para que os tribunais reconheçam a prática como ilegal.
Em 2014, ano que o tema chegou ao TJ-SP, Juan Mendez, então relator da ONU contra a tortura afirmou que fazer alguém tirar a roupa, agachar diversas vezes e abrir o ânus e a vagina para que sejam inspecionados constitui trato cruel, desumano e degradante – ou seja, contraria a Convenção contra a Tortura de 1984, assinada pelo Brasil em 1991.
Uma prática constante
De acordo com Diniz, apesar do processo tratar de um caso específico, é importante ressaltar que estes procedimentos humilhantes seguem ocorrendo em diferentes unidades prisionais de diversos estados brasileiros.
Em nota técnica que analisa casos no Estado de São Paulo, a Amparar (Associação de Familiares e Amigos de Presas/os) afirma que a revista vexatória é uma violência estrutural que segue presente na vida das pessoas que visitam as unidades prisionais do estado de São Paulo e que segue ocorrendo, independentemente da Lei 15552/14, que vedou a prática e obrigou a implementação dos scanners corporais.
Embora o uso de scanner possa ser uma solução para evitar a revista vexatória, diversos familiares se queixam que os agentes não sabem manusear o aparelho. Essas informações estão no relatório ‘Revista vexatória: uma prática constante’, lançado em março de 2022 pela Conectas, IDDD, Rede Justiça Criminal, Pastoral Carcerária, NESC, ITTC e Agenda Nacional pelo Desencarceramento. A pesquisa de abrangência nacional traz relatos de familiares de pessoas presas e mostra o perfil dessas vítimas – a quase totalidade dos familiares respondentes são mulheres e 68,1% pessoas negras.