“Quanto mais nos trancam, mais fortes nos tornamos”, escreveu num duro e comovente discurso publicado no New York Times em 16-09-2023, no aniversário da morte de Mahsa Amini, a jovem curda de 22 anos morta pela polícia moral de Teerã porque não usava corretamente o véu.
IHU
A reportagem é de Caterina Soffici, publicada por La Stampa, 08-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A ativista iraniana Narges Mohammadi, 51 anos, está ainda mais forte hoje: o Prêmio Nobel da Paz a alcança na cela da prisão de Evin, onde ela presa. Ela fala da motivação da Academia Sueca: “Pela sua luta contra a opressão das mulheres no Irã e pela sua luta para promover os direitos humanos e a liberdade para todos." Um reconhecimento específico e importante, que constitui um claro apoio à luta pelos direitos e democracia do movimento Mulher Vida Liberdade e justamente enquanto Armita Geravand, uma estudante de 16 anos que não usava o lenço na cabeça entrou em coma no último domingo após ser agredida no metrô pela polícia moral.
Mohammadi é uma das mais conhecidas ativistas iranianas. O regime religioso dos aiatolás a prendeu 13 vezes. Cinco condenações contra ela, num total de 31 anos de prisão. A última detenção em 2002, após um processo-farsa que durou poucas horas, com acusações falsas e enganosas, aliás, como das outras vezes. Ela também foi submetida a penas corporais, incluindo 154 chibatadas. Vocês conseguem imaginar 154 chibatas? Eu não consigo. Mas podemos imaginar as outras violências que os guardas carcerários iranianos lhe o reservaram, dado que ela própria as denunciou, numa carta que conseguiu entregar à BBC, onde escreveu claramente como o estupro e as violência sexuais foram sistematicamente utilizadas como forma de tortura para punir as mulheres detidas em Evin. Onde faltam direitos, as prisões tornam-se lugares ainda mais horríveis do que o normal e a ala dos prisioneiros políticos e dissidentes da prisão de Evin é um dos lugares mais tristemente conhecido da categoria.
Então cabe nos perguntamos: como uma pessoa pode suportar tudo isso em nome de um ideal, em nome da liberdade? Nós aqui temos muita dificuldade para entender a força de uma mulher como Mohammadi, que há anos não vê os filhos, cujo marido é refugiado em Paris, que na sua vida adulta passou mais tempo na prisão do que fora (cerca de 15 anos atrás das grades, segundo cálculos do BBC)?
Sua biografia fala por ela. Narges Mohammadi nasce em 1972 em Zanjan, uma cidade a cerca de 300 quilômetros a noroeste de Teerã. Na época da revolução islâmica, quando os homens barbudos chegam ao poder, ela tem 7 anos. Na prática cresceu sob o regime, sob as leis que começam a limitar os direitos das mulheres: estudo, trabalho, diversão, tudo fica mais complicado. Graduou-se em Física e desde os anos de universidade empenhou-se nos movimentos clandestinos pelos direitos das mulheres. Em 2003 passa a fazer parte do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, ONG fundada por Shirin Ebadi (que ganhou o Prêmio Nobel da Paz naquele ano) e logo se torna a sua presidente.
Em 2011, Mohammadi é presa pela primeira vez pelos seus esforços para ajudar os ativistas presos e as suas famílias. Dois anos depois é libertada sob fiança e regressa imediatamente à luta, lançando uma campanha contra a pena de morte (o Irã só perde para a China em termos de número de execuções).
Depois é uma sucessão contínua de pequenos períodos de liberdade e longos períodos de prisão. Mas, mesmo de sua cela, Mohammadi não para. Organiza protestos, escreve, continua a promover campanhas contra a pena de morte e as violências sexuais nas prisões. Tentam silenciá-la, colocam-na em isolamento, onde ela não pode mais se comunicar com o exterior nem receber visitas. Mas ainda assim não conseguem calar a sua voz. De acordo com a Amnistia Internacional, privam-na "de cuidados médicos adequados em retaliação pelas suas campanhas públicas". Seu marido contou que em 23 de junho de 2022 “ela foi transferida para o hospital em decorrência de dificuldades respiratórias e batimento cardíaco irregular. Desde que voltou para a prisão, foram-lhe negados alguns medicamentos prescritos pelo médico especialista”.
Nos dias da disseminação dos protestos pela morte de Mahsa Amini, Mohammadi lidera mais uma vez a revolta. Como escreve no NYT: "Na ala feminina cantamos ‘Morte à República Islâmica’ entre os disparos das forças de segurança, as explosões e as chamas. Pelo menos oito pessoas foram mortas".
Quase seiscentas mortes e 22 mil detenções depois, a voz de Mohammadi é ainda mais forte. Mas os líderes já disseram que o Nobel é apenas um complô ocidental e que ela não será libertada.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/633115-mulher-nobel-liberdade