Pesquisa da USP analisou a importância da atuação popular em manter a memória e gerar pressão sobre órgãos estatais, cobrando diminuição de condições degradantes de trabalho
Tese de pesquisadora aponta possibilidades para a sociedade civil combater o trabalho escravo no País – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Freepik, Reprodução/Senado Federal, Reprodução/G1, Reprodução/TST, Reprodução/Carta Capital, Reprodução/R7 e Reprodução/TNH1
A execução de políticas públicas de combate ao trabalho escravo no Brasil é de responsabilidade do Ministério Público e dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também da sociedade civil. A tese de doutorado da jornalista e cientista social Natália Sayuri Suzuki, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, mostrou que o apoio popular é essencial para o combate ao trabalho escravo ou a condições degradantes de trabalho no Brasil.
Defendida em 2023, a pesquisa foi intitulada Trabalho escravo contemporâneo: institucionalizações e representações no desenvolvimento da política pública de erradicação, e teve orientação de Adrian Gurza Lavalle, professor do Departamento de Ciência Política da FFLCH. A autora analisou políticas públicas contra o trabalho escravo no Brasil desde antes de sua consolidação, em meados da década de 1990, até os dias atuais.
A pesquisa mostrou que a sociedade civil gera pressão sob os atores estatais, cobrando atitudes de combate ao trabalho análogo à escravidão, além de servir como uma memória viva da política pública, para tocar o assunto diante das mudanças de governo.
Natália ressalta que a luta contra trabalhos exploratórios pode se tornar ainda mais difícil em decorrência das diferentes formas possíveis de exploração, que se adaptam às atividades econômicas.
O interesse pelo seu tema de pesquisa surgiu de sua participação no projeto Escravo, Nem Pensar!, da ONG Repórter Brasil. Desde 2011, Natália coordena as atividades que visam minimizar cenários laborais exploratórios por meio da educação.
A força do julgamento popular
Natália afirma que a sociedade civil costuma olhar com maior atenção para os assuntos de seu interesse, atuando de forma crítica. “Os atores estatais empreendem ações dedicadas ao combate do trabalho escravo por causa da pressão e da sensibilização da Comissão Pastoral da Terra (que representa a sociedade civil). As estratégias são diversas, como denúncias à imprensa e fóruns internacionais, interlocução direta com órgãos estatais e até a elaboração de uma publicação, o Caderno de Conflitos no Campo“, exemplifica a pesquisadora.
Além disso, a pesquisa aponta que a sociedade civil é responsável por guardar a memória da política pública. Enquanto o governo apresenta grande rotatividade entre os membros, ela continua atuando ao longo de toda a existência da política pública. “A memória é também uma capacidade técnica e um capital valioso. Nas organizações sociais mais relevantes, como a CPT e a Repórter Brasil, a rotatividade dos seus quadros costuma ser baixa, por isso as mesmas pessoas podem ocupar os mesmos cargos por décadas e, assim, transitar por esse período alongado nos espaços de formulação de política pública”, afirma Natália.
Dinamicidade do trabalho escravo
Segundo Natália, as atividades exploratórias são desafiadoras por se adaptarem ao contexto. “Existe trabalho escravo na moda, que é diferente do trabalho escravo na pecuária e na carvoaria. Em comum, existem trabalhadores em situação de vulnerabilidade explorados. Mas a forma como a exploração acontece é adaptável às atividades econômicas”, exemplifica.
Com essa adaptação, aqueles que lutam contra o trabalho análogo à escravidão precisam encontrar instrumentos, formas de sanção, de responsabilização ou de prevenção para cada contexto. “O Estado tem que correr atrás e compreender como essas mudanças acontecem, para não ser ludibriado e achar que está fazendo o seu trabalho, mesmo sem ser eficiente”, afirma a pesquisadora.
Existem trabalhadores em situação de vulnerabilidade explorados seja no campo, seja na cidade – Foto: Cícero R. C. Omena/Wikipedia/CC BY 2.0
Deficiências na atuação do Estado
Ainda segundo a pesquisadora, o Estado tem vozes diversas que defendem pontos de vista únicos. Dentro de um mesmo governo, políticas públicas de combate ao trabalho escravo podem ser ampliadas ou retrocedidas.
Em 1995, o Brasil reconheceu a persistência do trabalho escravo em seu território, diante da Organização das Nações Unidas, mas não foi capaz de extinguir os casos no País. “Faz mais de dez anos que localizamos o problema e não conseguimos dar conta disso, então precisamos inovar. Hoje, a minha avaliação é que a política pública é eficiente até onde ela consegue alcançar, mas ela não é suficiente. Ela já está obsoleta em 2023”, afirma Natália.
Com informações de Thais Morimoto, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, editado por Camilly Rosaboni