Pesquisa recente da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal aponta que desnutrição infantil foi reduzida em crianças de dois anos e mulheres grávidas inscritas no programa Bolsa Família
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21 de junho de 2024 - ALMA PRETA
O Brasil é marcado por desigualdades desde sua fundação até os dias atuais, milhões de famílias travam uma batalha diária para prover o mínimo essencial para seus filhos. E quando o foco se volta para as crianças negras na primeira infância, a realidade se torna ainda mais cruel e alarmante.
Em meio a esse cenário, as políticas de transferência de renda do governo federal, a exemplo do Bolsa Família, surge como uma esperança que tem contribuído para a diminuição da desnutrição no país.
Uma prova disso é a pesquisa “A pobreza na primeira infância – O potencial das políticas estaduais de transferência de renda no desenvolvimento infantil”, publicada em março de 2024 pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV). O estudo mostra que as políticas assistenciais do executivo nacional podem produzir impactos positivos nos pequenos de zero a seis anos.
Segundo o levantamento, resultados indicam que o aumento do valor do auxílio oferecido pelo programa gerou queda nos indicadores de desnutrição na vida de crianças menores de dois anos e mulheres grávidas.
“Para as crianças menores de um ano, observamos um aumento do peso ajustado por altura e do índice de massa corporal, assim como uma redução da desnutrição crônica (altura baixa para a idade). Para as crianças entre um e dois anos de idade, estimamos uma redução significativa na desnutrição aguda (baixo peso para a idade)”, aponta o documento.
(Prefeitura de João Pessoa)
A publicação analisa que os resultados são “estatisticamente significativos” para as crianças com idade até dois anos. “Porém, em análises adicionais de robustez, verificamos que o resultado não se repete para todos os anos da amostra da pesquisa, entre 2008 e 2012, o que nos traz um alerta de que a renda, sozinha, não constitui uma bala de prata que resolverá automaticamente os problemas de desnutrição das crianças brasileiras”, alerta o levantamento.
As crianças negras e políticas de transferência de renda
A pesquisa “Perfil síntese da primeira infância e famílias no Cadastro Único“, publicada em maio de 2024, também de autoria da Fundação, traça o perfil das famílias e crianças na primeira infância que estão no Cadastro Único (CadÚnico).
Segundo o levantamento, em relação ao fator cor/raça, 74,3% das crianças na primeira infância cadastradas pelos responsáveis por unidade familiar são negras — a soma de pardos (63,8%) e pretos (10,5%). Além disso, brancos são (26,9%), amarelos (0,6%) e indígenas (0,2%).
A gerente de Políticas Públicas da FMCSV, Karina Fasson, cita o estudo da Fundação sobre o potencial das políticas de transferências de renda do governo, ao afirmar que a pesquisa mostra que o Bolsa Família irá reduzir a pobreza infantil de 81% para 6,7%.
“Primeiro de tudo, a gente precisa considerar que, por conta do racismo que estrutura a nossa sociedade, a população negra, as crianças negras, estão sub-representadas dentro da população de baixa renda. Daí a importância dos programas de transferência de renda para garantir a subsistência das crianças e das famílias, sobretudo a população negra”, defende Fasson.
Ela ainda argumenta que o racismo faz com que as crianças negras sejam mais atingidas e tenham impactos diretos, a exemplo da insegurança alimentar. “A gente precisa destacar também que a pobreza pode levar a um ambiente de maior estresse tóxico e que isso pode ser prejudicial no desenvolvimento também das crianças”.
Além disso, Fasson explica que a transferência tem impacto positivo no sentido de promover o desenvolvimento social e a construção de sociedades mais equitativas. Para que essa política seja mais efetiva, ela lembra que é importante lembrar que os programas têm que estar combinados a outros de atenção à primeira infância.
“Quando os programas de transferência de renda são acompanhados de programas de parentalidade, isso impacta diretamente também a relação das crianças com seus cuidadores principais, com seus pais, familiares, cuidadores, o que melhora tanto o bem-estar do cuidador quanto a criança, promovendo também o seu desenvolvimento”, acrescenta.
(Roberta Aline/MDS)
A especialista também destaca que as condicionalidades dos programas, a exemplo do direito à educação e vacinação, faz com que as famílias tenham a garantia de outros direitos por meio do acesso a vários serviços públicos.
A respeito do tema, Fasson esclarece que além das condicionalidades que estão estabelecidas pelo governo federal, é preciso também ampliar o olhar para que “as famílias e as crianças tenham acesso a serviços nas diferentes áreas de saúde, educação, assistência social, mas também cultura, esporte, lazer”, entre outros direitos.
Como garantir que os recursos cheguem a quem mais precisa?
O Bolsa Família tem valor mínimo de R$ 600 e direciona um adicional no valor de R$ 142 pelo Benefício Primeira Infância, destinado a crianças de zero a seis anos de idade. Outro complemento a ser pago é o Benefício Variável Familiar destinado para cada integrante da família com idade entre sete e 18 anos incompletos, nutrizes e gestantes, no valor de R$ 50.
Para conseguir ter acesso ao benefício, a regra é que a renda de cada integrante da família seja de no mínimo R$ 218 ao mês. Além disso, existem algumas exigências, como a realização de pré-natal, cumprimento do calendário nacional de vacinação, acompanhamento do estado nutricional para crianças com até sete anos incompletos e frequência escolar mínima de 65% para crianças de quatro a seis anos incompletos.
Outra exigência se trata da frequência escolar mínima de 75% para beneficiários com idade de seis a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica.
À reportagem da Alma Preta, economista e professor de mestrado da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), Vitor Pereira, ex-diretor de avaliação da Secretaria de Avaliação de Gestão da Informação (SAGI) do Ministério de Desenvolvimento Social, entre os anos de 2016 e 2017, explica que o país conta com um sistema eficiente para a identificação de famílias que estão em situação de pobreza que possam ser elegíveis ao programa.
“É uma ferramenta importantíssima, essencial para as políticas sociais brasileiras e muito eficiente, com uma cobertura muito grande, uma capilaridade enorme, que atinge todos os municípios do Brasil”, informa.
Pereira afirma que o critério mais adequado para definir o valor dos beneficiários dessas políticas se trata da renda, já que esses benefícios irão conseguir fazer com que esse público saia da situação de pobreza e extrema pobreza. Além disso, calcular o hiato de renda necessário para fazer com que a família deixe a pobreza também pode ser utilizado.
O ex-diretor também destaca que a partir do Cadastro Único é possível traçar o perfil da família e, consequentemente, fazer a marcação de raça dos beneficiários, o que faz com que seja possível direcionar políticas complementares à população negra.
“A gente sabe que existe o racismo estrutural e essas crianças sofrem com preconceito e discriminação desde o nascimento. É muito importante que a gente consiga fazer com que todas essas políticas complementares elas possam ter um olhar para o público preto e pardo, isso envolve desde educação antirracista nas escolas até cotas para que os alunos negros entrarem na Universidades e várias outras ações que possam ser direcionadas”.