Quase lá: Nacionalismo cristão e teologia do domínio são marcas da igreja liderada por André Valadão, denunciado ao Ministério Público por LGBTfobia

Por que você precisa conhecer a família Valadão, clã por trás da Igreja Lagoinha

 

Luciana PetersenRonilso Pacheco
 

O líder da Lagoinha, André Valadão. Foto: Reprodução/Instagram

UMA IGREJA QUE REÚNE a ex-ministra Damares Alves, o deputado André Janones e visitas de Jair e Michelle Bolsonaro. Uma família pastoral midiática que apoiou a candidatura presidencial de Marina Silva duas vezes, se reuniu com Dilma Rousseff em 2013 e fez campanha explícita para Bolsonaro em 2018 e 2022. Um patriarca que gravou um vídeo viral afirmando que Guilherme de Pádua “morreu agorinha”, exibindo um sorriso. Essa é a família Valadão, liderança da Igreja Lagoinha, uma das megaigrejas que mais tem se destacado no cenário evangélico brasileiro.

A Igreja Batista Lagoinha nasceu em 1957 na periferia de Belo Horizonte e passou a ser liderada por Márcio Valadão 15 anos depois. Ele é pai de Ana Paula, André e Mariana, que na juventude passaram a liderar ministérios e cultos, além de investirem na carreira artística e pastoral, fortalecendo o poder da família dentro e fora da instituição. A Lagoinha, então, expandiu até contar hoje com mais de 700 filiais pelo Brasil e o mundo. 

Após uma crise interna no final de 2022, a Lagoinha Global, denominação que comanda todas as filiais e governança da igreja, passou para a liderança de André Valadão, que tem aproveitado a posição de poder para emitir falas homotransfóbicas diante do púlpito.

Desde os primórdios, o ministério da família Valadão é pautado pela Teologia do Domínio, criada para ampliar o impacto cristão na agenda social dos Estados Unidos e importada para o Brasil por meio de missionários e pregadores. Segundo a teoria, os cristãos devem dominar sete esferas da sociedade: religião, família, educação, política, mídia, artes e entretenimento e negócios. 

Entre os pensadores dominicionistas, destaca-se Cindy Jacobs, referência da família Valadão. Em um congresso ligado à Lagoinha em 2013, Cindy proferiu uma profecia de que Deus transformaria o Brasil a partir da oração de cristãos, inclusive no cenário econômico. “Assim diz o Senhor: ‘É o meu desejo abater o principado da corrupção’”, afirmou a pastora. A profecia foi atribuída por fieis à operação Lava Jato, que começou meses depois. Durante o período eleitoral de 2022, Cindy voltou a profetizar: “Ou vocês vão cair em dias de anarquia e dias de muitas trevas, ou Deus vai levá-los à terra de promessas”. A profecia foi utilizada para incentivar o voto em Bolsonaro por pastores fundamentalistas. 

O plano de dominação por vias políticas institucionais, uma das esferas da Teologia do Domínio, se explicitou diversas vezes nos discursos do clã Valadão, exemplificado na voz de Ana Paula Valadão em um vídeo de 2014: “Nós ousadamente declaramos: queremos, iremos, sim, para aquela área mais temida pelas trevas, para que a nossa invasão venha mudar a história. Nós estamos indo, Satanás, para a política brasileira. E as portas do inferno não prevalecerão sobre a igreja do Senhor”. 

Na época, atribuiu-se a oração à expectativa de vitória de Marina Silva nas eleições presidenciais. Marina foi apoiada em 2010 e 2014 pela família Valadão, inclusive com uma campanha que incentivava o uso de coques para endossar a candidata. Entretanto, em 2022, André Valadão declarou repúdio à figura da atual ministra por seu apoio ao PT. “Eu nunca votei na Marina Silva. É uma bandida, louca, sempre foi”. Tweets de André comprovam que o pastor já apoiou Marina.

Em 2017, a igreja recebeu o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, em um culto liderado por André Valadão, para falar sobre corrupção. Na ocasião, membros se levantaram e saíram da igreja, por discordarem do viés da palestra. No culto seguinte, André deu uma bronca nos liderados por fazê-lo “passar vergonha”. 

Já o governo Bolsonaro teve intensa ligação com a família Valadão, com destaque para Damares Alves. Membro da Lagoinha, ela declarou no púlpito que sua posição como senadora, e depois ministra, significava que era o tempo de a igreja governar. No aniversário de 50 anos de ministério do patriarca Márcio Valadão, a sede da Lagoinha em Belo Horizonte recebeu a visita de Jair e Michelle Bolsonaro aos gritos de “mito” da congregação. Michelle tem como intercessora e mãe espiritual Ezenete Rodrigues, que também exerce essa função na vida de Ana Paula Valadão, na igreja e na banda Diante do Trono. Segundo a ex-primeira-dama, Ezenete se tornou sua intercessora por ordem de Márcio Valadão. Ela esteve ao lado de Michelle no dia da derrota de Jair no segundo turno.

Além da política, o plano de domínio da família Valadão também passa pela esfera de artes e entretenimento, por meio da banda Diante do Trono, uma das mais importantes referências musicais do cenário gospel brasileiro. Liderado por Ana Paula Valadão, o grupo teve entre seus integrantes André Valadão, Mariana Valadão, Nívea Soares e Helena Tannure, famosos artistas cristãos. A Igreja Lagoinha também é dona da emissora de televisão Rede Super e da Rádio Super, que veicula cultos da Lagoinha e programação cristã em 13 estados brasileiros.

Desde 1998, o Diante do Trono tem gravado músicas que passaram a ser cantadas no cotidiano das igrejas, o que é considerado um verdadeiro sucesso no contexto cristão. Como uma forma de difundir sua mensagem de domínio, a banda fez turnês de gravação de DVD por todas as regiões do país. Com estética verde e amarela e bandeiras do Brasil, o grupo chegou a reunir 180 mil pessoas no Maracanã e 1 milhão de pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Ana Paula Valadão, famosa cantora gospel. Foto: Reprodução/Diante do Trono

Pessoas LGBTQIA+ e a família Valadão

Não é de agora que membros da família Valadão têm emitido falas homotransfóbicas, mas o tensionamento da Lagoinha em relação a pessoas LGBTQIA+ é complexo. Recentemente, após alcançar o cargo de liderança da Lagoinha Global, André Valadão dedicou pregações do mês de junho, em que tradicionalmente é celebrado o orgulho LGBTQIA+, para veicular discursos homotransfóbicos no púlpito da Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos. Em uma das pregações, com título “Deus odeia o orgulho”, André inferiu que é responsabilidade dos cristãos provocar a morte de pessoas LGBTI+. Acabou denunciado ao Ministério Público de Minas Gerais pela deputada federal Erika Hilton.

Há 10 anos, a Lagoinha Savassi, outra unidade da igreja em Belo Horizonte, criou o Movimento Cores, dedicado ao acolhimento de pessoas LGBTQIA+. Embora tenha sido surgido com a premissa de incentivar o celibato entre homossexuais, o movimento teve uma guinada e hoje agrega certa diversidade de pensamento. Entre os 600 membros, existem tanto pessoas que consideram a identidade LGBTQIA+ pecado e as que não, assim como as que se permitem viver relacionamentos homoafetivos. 

Liderado pela pastora Priscila Coelho, ex-apresentadora da Rede Super e uma mulher lésbica que diz ter abraçado o celibato como escolha pessoal, o movimento escolheu se desligar da estrutura da Lagoinha após as falas de André Valadão. Na nota de desligamento, a pastora Priscila agradeceu a Lagoinha, especialmente ao pastor Márcio Valadão. 

A estrutura de fundamentalismo evangélico que circunda a Lagoinha vai além das terras brasileiras. Durante anos, a Lagoinha nutriu uma parceria com John Mulinde, fundador e presidente da World Trumpet Mission, de Kampala, Uganda, uma das grandes vozes a favor da pena de morte para pessoas LGBTQ+ no país. No mesmo congresso em que Cindy Jacobs profetizou sobre a corrupção, em 2013, o Diante do Trono recebeu Mulinde. Em sua pregação, ele falou sobre a necessidade de denunciar os pecados para que uma nação prospere. 

A Lagoinha também tem em sua estrutura a Estância Paraíso, um retiro espiritual na região metropolitana de Belo Horizonte, comandada pela intercessora de Michelle Bolsonaro. Segundo denúncias, a estância possui um tratamento de “reversão de sexualidade”, conhecido popularmente como cura gay.

Por tudo isso, um olhar atento para a movimentação da Lagoinha nos ajuda a compreender o cenário de capilaridade e articulação do fundamentalismo e da radicalização construída gradativamente em muitas igrejas. Um processo que está longe de ter sido formado em quatro anos de governo Bolsonaro, mas que encontrou nele maturidade suficiente para gerar declarações públicas de ódio à pessoas LGBTQIA+.

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