A escritora moçambicana, Paulina Chiziane, recebeu oficialmente na última sexta-feira (5) o Prêmio Camões, maior premiação da língua portuguesa, em Lisboa, Portugal. Ela é a primeira mulher africana a ser premiada. Em seu discurso, a escritora destacou que a língua portuguesa precisa ser “de todos” e ser “descolonizada”.
Durante o discurso, ao receber oficialmente sua láurea, em uma crítica a termos racistas do português, Chiziane disse que ela deseja que a língua portuguesa seja “de todos” e que para isso ela precisa de uma “descolonização”.
“É na língua portuguesa que eu expresso os meus sentimentos e me afirmo diante do mundo. Mas eu gostaria que a língua fosse de todos (…) A língua portuguesa, para ser definitivamente nossa, precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização”, disse a escritora.
Como exemplo, a escritora citou a palavra “matriarcado”, que tem como significado no dicionário “costume tribal africano”, em contrapartida, “patriarcado” significa “tradição heróica dos patriarcas”.
Ela também mencionou sobre a palavra “catinga”, que tem como significado “cheiro nauseabundo característico da raça negra”.
“Somos usurpados, os africanos, por estes e por aqueles, porque os rastros da nossa história foram apagados através dos tempos. Estamos à deriva, não sabemos bem quem somos e, por isso, somos facilmente manipulados pelo mundo. O autoconhecimento tem de ser a chave para o sucesso de quem quer que seja”, afirmou a escritora.
Paulina Chiziane é um dos principais nomes da literatura africana, com livros como “Niketche: Uma História de Poligamia”, um dos livros obrigatórios para o vestibular da Unicamp de 2024, que fala sobre poligamia e tabus da sociedade moçambicana sobre o tema. Em 1990, se tornou a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique ao lançar “Balada de Amor ao Vento”.
Por sua contribuição à literatura de língua portuguesa, em outubro de 2021, ganhou o prêmio Camões, maior premiação de países que falam a língua portuguesa, mas só recebeu oficialmente este ano a láurea. O atraso se deu porque o ex-presidente Bolsonaro se recusou a assinar o diploma de vitória de Chico Buarque, vencedor de 2019, e acabou formando uma fila na premiação até o atual presidente Lula assinar neste ano e o cantor receber seu prêmio.
Mas até Paulina Chiziane se tornar um grande nome da literatura, ela sofreu muito preconceito durante sua vida. Falante da língua chope e ronga, só aprendeu o português na escola, onde foi alvo de racismo.
Ela se classifica como alguém que veio “de lugar nenhum”, suas primeiras palavras foram escritas na areia da praia e só ganhou seu primeiro par de sapatos aos 10 anos. “Para quem vem do chão, estar aqui diante do governo português, do governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que me comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prêmio”, completou a premiada.
Representando o Brasil, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, deixou uma mensagem em vídeo que foi exibida no evento e falou como é significativo a premiação de Chiziane. “Para mim, como primeira mulher negra a assumir o Ministério da Cultura do Brasil, também é muito simbólico e significativo vivenciar este momento em que pela primeira vez temos uma escritora negra premiada com Camões”.
O primeiro-ministro de Portugal, António Carlos, exaltou as obras da autora na premiação. “Os livros de Paulina Chiziane retratam experiências e realidades muito particulares da sociedade moçambicana. Através deles, ficamos sabendo das diferenças culturais entre o Norte o Sul, os traumas da guerra civil, as suas tradições ancestrais, os dilemas do povo moçambicano, os seus modos e as suas aspirações”, disse o ministro.
O Prêmio Camões é uma parceria entre o governo do Brasil e Portugal, com o objetivo de fortalecer os laços e a cultura de países lusófonos, que falam a língua portuguesa, e enaltecer o patrimônio cultural entre eles.