País segue na 'contramão da compreensão dos riscos do reconhecimento facial'
Essas tecnologias têm um efeito muito específico no superencarceramento da população
O Brasil possui cerca de 200 projetos que usam o reconhecimento facial para ações de segurança pública, de acordo um levantamento do Panóptico, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). O cenário revela a aposta em um tipo de tecnologia criticada pelo agravamento de práticas racistas, de acordo com uma carta assinada por 50 organizações sociais.
A campanha "Tire o meu rosto da sua mira" aponta evidências do uso abusivo e pouco transparente do sistema de reconhecimento facial no Brasil, país com terceira maior população encarcerada do mundo.
"Pesquisas científicas e outros movimentos estão rodando no mundo inteiro sobre o uso abusivo dessas tecnologias e seus efeitos socialmente, seja na perseguição de ativistas ou na perseguição de cidadãos comuns nos seus cotidianos, na sua liberdade de ir e vir, ou mesmo no encarceramento desproporcional de pessoas negras ou nos erros de identificação de pessoas trans", aponta Horrara Moreira, advogada, pesquisadora e coordenadora da campanha "Tire meu rosto da sua mira", em entrevista ao programa Bem Viver.
A campanha foi lançada em junho de 2022, durante o Fórum Internet Brasil, a partir da deliberação da Coalizão de Direitos na Rede, cobrando o banimento das tecnologias de reconhecimento facial. O grupo reúne aproximadamente 60 organizações que trabalham no advocacy por políticas públicas de internet, relacionando a questão a outros direitos da população.
"Entendemos que seria necessário se posicionar pelo banimento dessas tecnologias, que não havia uma forma segura de utilização aqui no Brasil. Compreendemos também que, com os contornos históricos do nosso país, essas tecnologias têm um efeito muito específico no superencarceramento da população e no cerceamento de liberdade", defende Horrara.
A advogada afirma que atualmente todos os estados do Brasil utilizam o reconhecimento facial na segurança pública, na proposta de identificar pessoas suspeitas de cometer crimes ou que tenham mandados de prisão em aberto. As imagens capturadas pelas câmaras são posteriormente tratadas por algoritmos, em diferentes pontos da cidade, que "na maioria das vezes, senão sempre, não tem a identificação de que está em funcionamento", alerta a ativista.
A partir das imagens capturadas, instituições da segurança pública utilizam uma comparação a um banco de dados de pessoas suspeitas ou procuradas. Com esses dados, são realizadas abordagens policiais na rua.
"Todos nós estamos dispostos, enquanto cidadãos brasileiros, a possibilidade de um erro de máquina. Por exemplo, pelo erro de identificação de uma face. Algumas pesquisas já mostraram, por exemplo, que essas tecnologias tendem a errar mais com o rosto de pessoas negras e com o rosto de pessoas trans de forma desproporcional. Então, o erro de identificação de uma máquina, de um algoritmo de reconhecimento facial, não corresponde necessariamente a não identificação de uma face, mas a correlação equivocada de um rosto de uma pessoa, que pode ser abordada como uma pessoa criminosa ou suspeita que não tenha, de fato, cometido um crime", afirma.
A advogada ainda afirma que no Brasil não existe legislação que autorize o Estado a utilizar o reconhecimento facial e tratamento desses dados. Ela ainda critica a falta de transparência e os possíveis usos das informações captadas por sistemas públicos de segurança no Brasil, em comparação com as movimentações no exterior.
"É importante destacar que alguns países já baniram as tecnologias de reconhecimento facial ou estão em via disso. O Conselho Europeu de Proteção de Dados já emitiu o parecer em relação, ao banimento, por reconhecer que não há segurança para a utilização em espaços públicos . A Organização das Nações Unidas também já pediu para uma moratória, que seria uma espécie de suspensão de uso enquanto não houvesse, de fato, a garantia de que essas tecnologias são seguras para o cotidiano das das cidades", disse Horrara lembrando que o caso recente da Argentina, em que na capital, Buenos Aires, o tema foi levado para a Corte, e o o sistema de reconhecimento facial foi considerado ilegal, sendo ordenada a destruição dos dados que foram coletados ao longo do tempo de uso.
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Edição: Thalita Pires
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