A frequência de mulheres com Ensino Superior à igreja caiu abaixo da dos homens pela primeira vez em 2016 nos EUA
IHU - 15/8/2024
Oito anos atrás, aqui na página Religion Dispatches, notei que as mulheres estavam fugindo da religião organizada – com base na sua frequência às celebrações religiosas – mais rapidamente do que os homens, uma tendência que não mostrava sinais de diminuir. Historicamente, as mulheres têm sido muito mais propensas a frequentar a igreja do que os homens, mas, em 2012, a diferença de gênero havia diminuído para apenas seis pontos, o nível mais baixo de todos os tempos, com 28% das mulheres e 22% dos homens dizendo que frequentavam os serviços pelo menos semanalmente, de acordo com o Pew Research Center.
A reportagem é de Patricia Miller, publicada pelo Religion Dispatches, 12-07-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas agora, em uma inversão histórica, o cientista político Ryan Burge mostrou que, pelo menos para as pessoas com Ensino Superior, os homens são mais propensos a frequentar a igreja do que as mulheres. Em 2008, 36% das mulheres com Ensino Superior iam às celebrações pelo menos semanalmente, contra 34% dos homens. Como Burge observa, níveis mais altos de educação se correlacionam com uma maior frequência à igreja: no mesmo ano, 27% dos homens e 30% das mulheres com Ensino Médio ou menos iam à igreja.
Mas, em 2012, algo interessante aconteceu: pela primeira vez, o nível de frequência à igreja mais ou menos se estabilizou para homens e mulheres com Ensino Superior, com 31% dos homens e 32% das mulheres frequentando semanalmente. Notavelmente, enquanto homens e mulheres eram menos propensos a ir à igreja do que quatro anos antes, a frequência das mulheres caiu um pouco mais.
Mas, depois disso, a frequência dos homens se manteve mais ou menos estável, com a mesma frequência de 31% em 2016, 30% em 2020 e 2022 e 32% em 2024. Mas a frequência das mulheres caiu vertiginosamente, caindo cinco pontos entre 2012 e 2020. Desde então, ela tem se mantido estável em 27%. No geral, a frequência semanal das mulheres caiu nove pontos entre 2008 e 2023, de acordo com Burge, enquanto a dos homens caiu apenas dois pontos. Então, em 2023, homens com Ensino Superior tinham cinco pontos a mais de probabilidade do que mulheres com Ensino Superior de frequentar celebrações religiosas pelo menos semanalmente.
O que está por trás dessa inversão na religiosidade? Como observei em 2008, a frequência das mulheres vinha caindo desde os anos 1980, mais ou menos na época em que “líderes religiosos da Igreja Católica e do movimento evangélico fundiram religião com as guerras culturais".
É notável que a frequência de homens e mulheres tenha se igualado em 2012. Esse foi o ano em que a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB, na sigla em inglês) lançou sua iniciativa de “liberdade religiosa” contra a cobertura de anticoncepcionais no Affordable Care Act, uma campanha que logo atraiu o apoio de evangélicos e resultou na impressionante decisão da Hobby Lobby [empresa estadunidense de propriedade de uma família cristã conservadora] de permitir que os empregadores negassem o controle de natalidade às mulheres que trabalham para eles.
A frequência de mulheres com Ensino Superior à igreja caiu abaixo da dos homens pela primeira vez em 2016, o ano em que os evangélicos se aproximaram de Donald Trump, e os bispos católicos realmente ajudaram a incentivá-lo a assumir o cargo com o medo da liberdade religiosa, o que levou muitos católicos ao campo de Trump.
Em 2020, essa frequência caiu mais dois pontos quando a Suprema Corte dos Estados Unidos, repleta de conservadores religiosos nomeados por Trump, decidiu sobre uma ampla quantidade de processos movidos pelos bispos católicos e evangélicos. Eles deram aos empregadores ampla margem de manobra para se recusarem a fornecer anticoncepcionais; aos padeiros o direito de recusar serviços a casais do mesmo sexo; e aos centros de aconselhamento sobre gravidez antiaborto o direito de enganarem as mulheres sobre a natureza de seus serviços.
Certamente parece que quanto mais as igrejas falam sobre negar às mulheres e a outras pessoas a autonomia corporal, enfatizando questões de guerra cultural, como o aborto, os direitos LGBTQ e a contracepção, e apoiando atores políticos que fazem isso acontecer, mais as mulheres instruídas, especialmente as mais jovens, respondem saindo pela porta.
Afinal, essas questões as afetam diretamente, enquanto, para os homens, incluindo aqueles que fazem as regras, essas questões são políticas ou teológicas, mas não pessoais. Não é coincidência, como Burge observa, que a queda na frequência à igreja de mulheres com Ensino Superior é, em grande parte, paralela à crescente divisão de gênero na identificação partidária, já que uma “mulher com Ensino Superior tem de 10 a 12 pontos a mais de probabilidade de ser democrata do que um homem no mesmo nível de educação”.
Como há oito anos, a tendência mostra poucos sinais de redução. A reversão da decisão Roe pela Suprema Corte [que garantiu o direito ao aborto nos Estados Unidos] e as histórias de horror subsequentes sobre mulheres sendo forçadas a levar gestações perigosas ou condenadas até o fim só solidificaram para muitas mulheres o quão pouco as lideranças religiosas conservadoras se importam com sua realidade vivida.
No mês passado, a Convenção Batista do Sul votou para se opor ao uso da fertilização in vitro (FIV), um alinhamento dramático com a teologia moral da Igreja Católica. Como Ruth Graham relatou no New York Times, isso sinaliza que os evangélicos estão “cada vez mais abertos a argumentos que equiparam embriões à vida humana” e podem pressionar por leis de “personalidade fetal” que proíbam todos os abortos.
E, enquanto o Papa Francisco deu pequenos passos em direção à inclusão de mulheres na tomada de decisões da Igreja Católica, poucos provavelmente reconheceram isso, especialmente porque medidas maiores, como o fato de permitir que as mulheres sejam diáconas, continuam fora de questão. Enquanto isso, a um ano da eleição de 2024, os bispos católicos designaram o aborto como a “prioridade preeminente” para os eleitores católicos em seu guia de votação quadrienal e reforçaram ainda mais o complementarismo, opondo-se a “uma ideologia de gênero que falha em reconhecer a diferença e a reciprocidade entre homem e mulher”.
Os bispos até instruíram que trechos de seu guia de votação fossem inseridos nos boletins paroquiais, onde eles parecem estar, cada vez mais, pregando para um coro que está perdendo as vozes das mulheres.
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