Lideranças de ordens religiosas masculinas e femininas na França adotam novas medidas para combater o abuso sexual, incluindo a possibilidade de consultar especialistas leigos em determinadas ocasiões.
A reportagem é de Christophe Henning, publicada em La Croix International, 14-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Aqui na terra, a ninguém chameis de pai”, disse Jesus aos seus discípulos (Mt 23,9). E, na mesma linha, os membros da Conferência dos Religiosos e Religiosas da França (CORREF) acreditam que a linguagem que é frequentemente usada na Igreja pode contribuir para o abuso sexual nas comunidades católicas.
Eles fizeram essa observação no último dia 13, em Paris, no fim da assembleia plenária extraordinária de três dias da CORREF para fortalecer as medidas de combate aos abusos em suas congregações religiosas.
Por exemplo, o líder da comunidade é referido como “superior” e até como “maior”, e, no acompanhamento, faz-se referência a um “diretor” ou a um “pai espiritual”. As 200 lideranças de congregações que participaram da plenária concordaram que isso pode desvirtuar a vida fraterna e favorecer abusos. Da mesma forma, ao invés da “visita canônica” realizada às comunidades, eles disseram que o termo “auditoria” pareceria corresponder melhor à realidade.
O encontro de três dias reuniu superiores religiosos, às vezes com sensibilidades muito diferentes. Mas eles se comprometeram a implementar as sugestões feitas por cinco grupos de trabalho sobre o tema dos abusos, criados pela CORREF há mais de um ano.
Depois de aceitar as emendas, a grande maioria dos participantes da assembleia concordou que é preciso dar mais atenção à vulnerabilidade dos candidatos à vida religiosa, ao “entre-soi” das comunidades e à governança.
“Para além da terminologia, como assumimos a nossa autoridade?”, disse a irmã dominicana Véronique Margron, presidente da CORREF.
Mais abertura
Durante os três dias de debate em Paris, as lideranças das congregações também notaram a grande solidão dos superiores. Para remediar esse isolamento e permitir a partilha de experiências – sobretudo no tratamento da questão dos abusos – decidiu-se reforçar a prática das “visitas canônicas” regulares na mesma congregação, associando à visita um religioso de outro instituto, uma mulher em uma abadia de monges e, por que não, um leigo.
Embora os encontros tenham permitido uma reflexão muito ampla sobre a vida religiosa como ela é compartilhada hoje, as decisões tomadas tratam essencialmente de medidas para enfrentar a violência sexual.
Edouard Durand, presidente da Comissão Independente sobre Incesto e Violência Sexual contra Crianças (Ciivise), fez a conferência principal para dar início às discussões. “Temos que ver aquilo que temos que ver”, disse ele aos superiores religiosos, denunciando uma espécie de cegueira voluntária que existe até agora. Ele disse que pode ser necessário que os vários institutos estabeleçam um “mapa de risco” específico de acordo com as atividades da congregação.
Por fim, ele observou que recorrer à expertise de terceiros ajudaria as comunidades a detectarem não apenas agressões sexuais, mas também situações de controle dentro das comunidades. Foi pensando nisso que a CORREF criou a Comissão de Reconhecimento e Reparação (CRR), a fim de receber e acompanhar as vítimas.
Antoine Garapon, presidente da CRR, apresentou os primeiros resultados do trabalho da comissão. Ele disse que várias comunidades experimentaram usar um intermediário para facilitar as relações entre a congregação e a vítima. Enquanto algumas comunidades estão preocupadas com o ônus financeiro que a reparação pelos crimes cometidos pode representar, Garapon insistiu na “dívida de justiça” contraída.
Transmissão
O recurso a competências externas também exigirá uma maior atenção à formação, tanto inicial quanto contínua.
“Como podemos transmitir tudo o que descobrimos durante esses três dias?”, comentou uma superiora carmelita, observando a pobreza e a idade dos conventos de sua congregação.
A mesma preocupação foi expressada por uma irmã missionária que se confrontou com a questão da conscientização nas comunidades de sua congregação no Sul global. “As questões de autoridade, obediência e corpo estão profundamente ligadas à cultura e devem ser mais trabalhadas”, afirmou.
Os participantes ressaltaram que muitas das questões foram tratadas em um sentido de liberdade de expressão.
“Depois de termos trabalhado juntos em nossa miséria humana, passamos a falar de uma maneira diferente agora”, insistiu o Frei Michel Laloux, ministro provincial francês da Ordem Franciscana dos Frades Menores (OFM) e vice-presidente da CORREF.
As lideranças das congregações religiosas masculinas e femininas na França continuarão suas discussões sobre o combate aos abusos sexuais em novembro próximo, em Lourdes, quando a CORREF realizará sua próxima assembleia plenária.
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