Viva Maria comemora o Dia do Cerrado - Neste 11 de setembro é comemorado o Dia do Cerrado. A data alerta para a preservação deste bioma, cada vez mais ameaçado, lar de importantes espécimes da fauna e flora brasileiras.
Publicado em 11/09/2024 - Por Mara Régia - Apresentadora do Viva Maria - Brasília
Para marcar a data, o Viva Maria conversa com a jornalista Elizabeth Oliveira, autora da reportagem “Mulheres Coralinas: a poética do empoderamento feminino no Cerrado”. O trabalho foi o primeira colocado na categoria Texto da etapa Rio de Janeiro do Prêmio Sebrae de Jornalismo.
O projeto “Mulheres Coralinas” inspirado na obra e na trajetória da poetisa Cora Coralina, impulsiona o empreendedorismo e a autonomia feminina na Cidade de Goiás. Mais de 500 mulheres do município e de outras localidades da região já passaram pelos cursos promovidos pelo projeto, que deu origem à Associação Mulheres Coralinas O bordado é considerado a mola propulsora da produção artesanal. Mas a iniciativa também envolve outras frentes de capacitação, como arte em cerâmica, gastronomia e confecção de bonecas.
Feliz e emocionada em receber a premiação do Sebrae, Elizabeth falou ao Viva Maria sobre a importância de dar voz a quem defende as raízes culturais do Cerrado como alternativa de geração de renda, empoderamento feminino e resgate de memórias ancestrais de seu povo.
“É uma honra contar um pouco da história dessa reportagem que foi publicada pelo site do projeto Colabora em 18 de agosto de 2023. Vocês podem imaginar como eu fiquei tocada, como eu fiquei emocionada por conhecer esse projeto, por conhecer exemplos de mulheres que tiveram o projeto Mulheres Coralinas como divisor de águas nas suas vidas.”
Elizabeth Oliveira conta como as mulheres participantes do projeto usam a poesia de Cora Coralina como inspiração para seus trabalhos, valorizando as características do Cerrado.
“Elas fazem bordados maravilhosos, peças lindas, trazendo a poética, trazendo a beleza da natureza do Cerrado e trazendo questões que são importantes para a emancipação feminina, que são importantes para a valorização dos povos negros invisibilizados. Como mulheres negras, elas são agentes de transformação social, a partir de tudo que elas aprenderam, do que elas sabem fazer, do que elas estão compartilhando com a sociedade, com outras mulheres.”
Edição: Rádio Nacional / Rilton Pimentel
Fonte: Agência Brasil - https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/meio-ambiente/audio/2024-09/viva-maria-comemora-o-dia-do-cerrado#:~:text=Neste%2011%20de%20setembro%20%C3%A9,da%20fauna%20e%20flora%20brasileiras.
Pouco a comemorar no Dia do Cerrado
Isabel Belloni Schmidt
O Coração das Águas do Brasil, a savana mais biodiversa do mundo é também a mais ameaçada, invisibilizada e desmatada de todas as savanas e de todos os biomas brasileiros.
Acredito que boa parte do descaso que a sociedade e os governos brasileiros tem com o Cerrado vem da falta de conhecimento. Conhecimento técnico-científico, mas também conhecimento afetivo, aquele que trás intimidade, vontade de conviver, o conhecimento que temos de nossos amigos queridos.
Muitos dos nossos livros didáticos, dos livros de histórias e romances são centrados em nos mostrar que, na natureza, o bonito são as florestas. Isto constrói nosso imaginário, nos faz buscar árvores altas, e florestas exuberantes mesmo onde elas não pertencem. E nos fazem menosprezar os ambientes abertos, não-florestais.
Pesquisadores, mídia e governos fazem o mesmo – somos todos formados por esta mesma sociedade. Há poucos anos, mostramos isto num artigo do Journal of Applied Ecology: a mídia e as pesquisas privilegiam florestas em detrimento dos campos e das savanas do mundo todo.
Precisamos reduzir estes desconhecimentos.
Oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras dependem de nascentes e rios do Cerrado. As chuvas que infiltram pelos solos do Cerrado distribuem água para rios e reservatórios em todo o Brasil, do Sul ao Norte, das metrópoles do Sudeste ao Pantanal, da Amazônia as Cataratas do Iguaçu. No DF, três Bacias se encontram nas Águas Emendadas.
Temos também centenas de povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de côco babaçu. Que convivem e vivem do Cerrado, gerando renda e nos trazendo pequis, barus, babaçus, capim-dourado, sempre-vivas, e tantas outras maravilhas da nossa sociobiodiversidade.
O Cerrado é uma savana por ter um inverno seco e um verão chuvoso e por nele conviverem naturalmente árvores e gramíneas (capins). E convive há 4 milhões de anos com o fogo natural, iniciado por raios. A convivência com o fogo favoreceu características que protegem as plantas de altas temperaturas: cascas grossas nas árvores, frutos lenhosos que funcionam como isolantes térmicos; raízes com muitas reservas de energia que permitem rebrotar após o fogo.
Mas, calma lá: nem tudo no Cerrado é savana, temos as nossas importantes florestas: matas de galeria, matas ciliares, cerradões, matas secas (estacionais deciduais). Nas florestas, os fogos naturais raramente aconteciam, e não selecionaram plantas para sobreviverem a eles. Qualquer fogo em floresta é extremamente destrutivo, são ambientes sensíveis ao fogo.
E, calma lá mais uma vez: o fogo não é inofensivo às plantas e bichos do Cerrado! As ações humanas tem causado incêndios frequentes e desastrosos, em todo mundo, inclusive por aqui.
Sabendo de tudo isto, o governo federal tem buscado fazer Manejo Integrado do Fogo (MIF) nas áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas). O MIF, considera a Ecologia, a Cultura e a capacidade de gestão de uma área para planejar seu manejo por meio de diversas ferramentas, inclusive o uso de queimas prescritas. Que são feitas em áreas estratégicas, no início da estação seca, sob condições amenas. Criam-se mosaicos na paisagem, evitando áreas contínuas com muito combustível (capins secos). Quando os inevitáveis incêndios começam, na maioria das vezes por ação humana em condições climáticas extremas, podem ser barrados por estas áreas previamente queimadas e literalmente morrer de fome (falta de combustível) pelo caminho. A lógica é que preparar a paisagem para evitar incêndios é mais lógico, mais barato e mais eficiente do que tentar impedir toda e qualquer faísca na nossa cada vez mais longa estação seca.
Muitos avanços foram conseguidos na redução de incêndios nestas reservas federais, o desafio agora é espalhar isto para reservas estaduais, distritais e áreas privadas no Cerrado todo, e a Política Nacional de Manejo Integrado do fogo (Lei 14.944/2024) vem para auxiliar este desafio de ampliar o uso do fogo prescrito e reduzir incêndios.
Cerrado nos dá água e nos protege dos incêndios e gera renda.
A gente precisa dele, e ele da gente.
Referências
Silveira, F.A., Ordóñez‐Parra, C.A., Moura, L.C., Schmidt, I.B., Andersen, A.N., Bond, W., Buisson, E., Durigan, G., Fidelis, A., Oliveira, R.S. and Parr, C., 2022. Biome Awareness Disparity is BAD for tropical ecosystem conservation and restoration. Journal of Applied Ecology, 59(8), pp.1967-1975.