Doutora em direito processual, a mineira aprova regra do CNJ para paridade de gênero em promoções por merecimento. Ressalta, porém, que é preciso também equidade racial no Judiciário
Primeira mulher negra a assumir como ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lôbo é direta ao cobrar que toda a sociedade brasileira reflita – e aja – sobre as desigualdades de gênero e de raça no país, inclusive no Judiciário nacional.
“Nós temos apenas uma mulher autodeclarada negra como senadora federal; no Judiciário, somos pouco mais que 5%; temos 30 deputadas negras, o equivalente a 6% da Câmara dos Deputados. Negras ocupam somente 3% dos cargos de liderança no mundo corporativo. Ao mesmo tempo, 65% das empregadas domésticas são negras. Precisamos enfrentar os números, e a primeira providência é esta aqui, falar do assunto, adotarmos medidas e verdadeiramente, mudarmos”, afirmou.
Durante entrevista para o PT Senado, a ministra sustentou que a educação é um ponto crucial para o desenvolvimento de uma nação. “Ter acesso a um ensino de qualidade é um passo fundamental para mudar muitas realidades deste país. Ela é direito de todos, independentemente de gênero, cor ou qualquer diferença que possamos encontrar”, reiterou.
Edilene afirma que sua trajetória de vida teve três pilares fundamentais em um país que ainda engatinha na luta contra séculos de preconceitos: a perseverança, a resistência e a solidariedade.
Regra para equidade na promoção de juízes
É por essa trajetória que a primeira mulher negra a participar de um julgamento num tribunal superior do país defende a criação da regra que promove a paridade de gênero no preenchimento de vagas de juízes da 2ª instância nos tribunais federais, estaduais, militares e trabalhistas, nas promoções por merecimento.
Ela explica: “Mulheres, em geral, são 38% da magistratura no Brasil, com critério de seleção por meio de concurso público. Nos tribunais intermediários, quando os critérios são políticos, esses números caem absurdamente. Sem dúvidas, essa medida nos diz que é possível interferir nessa realidade, e rapidamente. A Resolução 255, que instituiu a política nacional de incentivo à participação feminina no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é fundamental, e foi a ministra do STF Cármen Lúcia quem abriu essa enorme porta. Tenho a certeza de que esta medida inspira e guia os passos de muitas outras mulheres. Precisamos da paridade de gênero e de equidade racial nos espaços do Judiciário brasileiro”.
Relembrando a sua primeira sessão no TSE, Edilene mostra imenso orgulho, mas fala da grande responsabilidade de ser a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Corte máxima da Justiça Eleitoral. “Este lugar e esta missão são a um só tempo resultado e ponto de partida de lutas históricas de grupos minorizados para vencer uma herança de desigualdade de oportunidades que precisa ser superada em nossa nação”, disse a ministra em seu discurso de posse.
Mineira, 19 irmãos, doutora
De Taiobeiras, a mineira Edilene Lobo vem de família humilde. Ela tem 19 irmãos, e, assim como relembra os ensinamentos de seus pais, fala também do carinho pelos irmãos. “Maria Helena, minha irmã, que está aqui, no meu coração. Helena tinha sofrimento mental e foi empregada doméstica, recentemente vinha alcançando uma melhor qualidade de vida, mas, infelizmente, a perdemos para a Covid-19. A exemplo dela, luto para que nós, mulheres negras, tenhamos cada vez mais, espaço, respeito e voz”.
A ministra deixou um recado para as mulheres negras. “Quando falamos de mulheres negras, estamos falando da maioria das mulheres brasileiras. A liderança feminina negra deve olhar sempre para sua irmã, para as meninas negras, pois é através do coletivo que somamos a força necessária para termos dignidade, oportunidade e reconhecimento, nada mais do que o direito de todos, independentemente da posição social e muito menos da sua cor”, finalizou.
Edilene Lôbo é doutora em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Como pesquisadora, ela tem em seu currículo estudos sobre inclusão, direitos humanos e sexualidade, entre outros temas.
Ela também é professora do curso de Direito da Universidade de Itaúna (MG) e atua como docente convidada da pós-graduação em Direito Eleitoral da PUC Minas Virtual. É autora de livros e artigos jurídicos.