Texto produzido a partir da participação de 20 ministérios e com a contribuição de estados, municípios, acadêmicos e experiências internacionais inova ao reconhecer o cuidado como direito de todas as pessoas
O presidente Lula, ministros e parlamentares durante evento para marcar o envio ao Congresso do Projeto de Lei da Política Nacional de Cuidados. Foto: Ricardo Stuckert / PR
Uma política para cuidar de quem cuida e de quem é cuidado. Um projeto de lei para dar visibilidade e dignidade à situação de milhares de brasileiros que, mesmo executando funções vitais, ficam muitas vezes alheios a direitos básicos, como estudo, salário e Previdência. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na manhã desta quarta-feira, 3 de julho, a mensagem ao Congresso com o texto do Projeto de Lei da Política Nacional de Cuidados. O evento foi durante reunião do Conselho da Federação, no Palácio do Planalto, em Brasília.
Todos, quando nascemos, precisamos de cuidados. No fim da vida, muitos precisamos. No meio, muitos também. E esse cuidado é feito de forma desigual. Normalmente são mulheres, negras, pobres as responsáveis por cuidar. Pessoas que muitas vezes deixam de estudar, de trabalhar, não têm previdência, não têm aposentadoria. A ideia é enfrentar as desigualdades estruturais da organização social dos cuidados”
Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome
O texto foi construído a partir de amplo consenso. Um Grupo de Trabalho que envolveu a participação de equipes de 20 ministérios, além de integrantes de estados, municípios e acadêmicos. Uma discussão que se pautou por exemplos e experiências de outros países e de organismos internacionais.
“Esse é um desafio do Brasil e do mundo. Todos, quando nascemos, precisamos de cuidados. No fim da vida, muitos precisamos. No meio, muitos também. E esse cuidado é feito de forma desigual. Normalmente são mulheres, negras, pobres as responsáveis por cuidar. Pessoas que muitas vezes deixam de estudar, de trabalhar, não têm previdência, não têm aposentadoria. A ideia é enfrentar as desigualdades estruturais da organização social dos cuidados, que envolve temas como raça, gênero, pessoas com deficiência”, afirmou o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome - MDS).
DIAGNÓSTICO - O Grupo de Trabalho realizou um diagnóstico sobre a atual organização social dos cuidados no país. A conclusão foi de que a forma como se dá a oferta de cuidados e como as pessoas os recebem não é capaz de atender em forma equitativa as necessidades de cuidado da população, e tem sobrecarregado as mulheres brasileiras.
DIFERENCIAL – O projeto de lei inova ao reconhecer a importância da corresponsabilização social e de gênero nas tarefas do cuidado. Além disso, o documento determina o cuidado como direito de todas as pessoas a ser implementado de maneira progressiva, a partir de públicos prioritários. São eles crianças e adolescentes, com ênfase na primeira infância; pessoas idosas e pessoas com deficiência que necessitam de apoio e auxílio para atividades básicas e instrumentais da vida diária; e trabalhadoras e trabalhadores remuneradas e não remuneradas de cuidado.
O documento também reconhece a interdependência entre quem precisa de cuidado e quem cuida. A Política Nacional de Cuidados tem como objetivo garantir o acesso ao cuidado de qualidade para quem dele necessita, o trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado e a redução da sobrecarga de trabalho para quem cuida de forma não remunerada – que são fundamentalmente as mulheres.
“Ainda que o cuidado seja um direito e uma necessidade de todas as pessoas, e que existam, hoje no Brasil, serviços importantes nessa área, a responsabilidade recai de forma desproporcional sobre as famílias, e, dentro delas, sobre as mulheres”, explicou a secretária Nacional da Política de Cuidados e Família do MDS, Laís Abramo.
Precisamos pensar em como diminuir o tempo das mulheres com o cuidado no Brasil, não só por meio de ações do Governo Federal, estados e municípios, mas também com a divisão das demandas de cuidado com os homens, para que esse trabalho não recaia somente sobre as mulheres"
Cida Gonçalves, ministra das Mulheres
“Precisamos pensar em como diminuir o tempo das mulheres com o cuidado no Brasil, não só por meio de ações do Governo Federal, estados e municípios, mas também com a divisão das demandas de cuidado com os homens, para que esse trabalho não recaia somente sobre as mulheres", afirmou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
BARREIRA - Para a secretária de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane Silva, a alta carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados gera barreiras para a entrada, permanência e ascensão das mulheres no mercado de trabalho. “Cerca de 30% das mulheres que precisaram interromper a procura por trabalho em 2023 estiveram nessa situação exatamente por ter de conciliar o tempo com o trabalho doméstico e de cuidados”, explicou.
“E mesmo aquelas que estão no mercado de trabalho, muitas vezes elas estão em um trabalho intermitente, sem nenhum tipo de proteção social, exatamente para dar conta dessas várias demandas”, acrescentou. No caso das mulheres que têm filhos de zero a três anos, o impacto mais do que dobra, chegando a influenciar negativamente as carreiras profissionais de 62% das mulheres.
O QUE É - A Política Nacional de Cuidados tem a missão de garantir os direitos tanto das pessoas que necessitam de cuidados quanto das que cuidam, com especial atenção às desigualdades de gênero, raça, etnia e territoriais, além de promover as mudanças necessárias para uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidados dentro das famílias e entre a comunidade, o Estado e o setor privado.
TRAMITAÇÃO - O texto da Política foi formulado no âmbito do GTI levando em conta dois projetos de lei sobre o tema que já vinham pautando o Congresso, propondo a instituição de uma Política Nacional dos Cuidados: o PL 27972/22, de autoria da Senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), do Senador Flávio Arns (PODEMOS/PR) e do Senador Eduardo Gomes (PL/TO), e o PL 5791/19, da deputada Leandre Dal Ponte (PSD/PR).
O assunto tem mobilizado parlamentares de variado espectro político. Uma coalizão foi criada em torno da Proposta de Emenda Constitucional que prevê a inclusão do cuidado como um direito social. Assinaram a autoria da PEC 14/24 as deputadas Flávia Morais (PDT/GO), Talíria Petrone (PSOL/RJ), Maria do Rosario (PT/RS) e Soraya Santos (PL/RJ). Com isso, a intenção do Governo Federal é se somar às discussões do parlamento para agilizar a aprovação.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, destacou a importância da construção coletiva. “Após meses de diálogo, mapeamento e levantamento de programas e serviços, o Governo Federal avança mais um passo na implementação do cuidado no Brasil”, destacou.