No dia da Consciência Negra, trazemos o perfil de três mulheres negras que iniciaram a vida no trabalho doméstico, mas buscaram para si uma vida diferente

Ailim Cabral e Eduardo Fernandes* - Correio Braziliense
postado em 20/11/2022 
 
 
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
 
 

Neste domingo, 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra. A data, proposta na década de 1970 e oficializada nacionalmente em 2003, é dedicada à celebração e à reflexão sobre o valor e a contribuição da comunidade negra para o Brasil. A Revista busca, hoje, dar voz e visibilidade a um grupo ainda mais silenciado: as mulheres negras, em especial as que iniciaram a vida no trabalho doméstico.

Perfil traçado pelo pelo Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese) e divulgado em abril deste ano mostra que as mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico no Brasil, e entre estas, 65% são negras — uma atividade, infelizmente, desvalorizada e mal remunerada. 

E como se não bastasse, a cor da pele dessas mulheres também na é um fator determinante na questão salarial. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2020, as mulheres negras no serviço doméstico receberam 20% a menos do que as não negras.

E por que ainda vivemos neste cenário? A professora e doutora Lucélia Luiz Pereira, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), explica que é necessário considerar que as desigualdades no Brasil estão ancoradas no colonialismo, patriarcado e classe social.

Considerando essas raízes danosas, o racismo continua sendo um dos grandes males da sociedade brasileira, onde ocorre a marginalização social das pessoas negras e a negação de direitos básicos. E na base desta pirâmide social, Lucélia afirma, com base em dados estatísticos sobre escolaridade, ocupação, mortalidade, violência e encarceramento, estão as mulheres negras.

Mulheres negras
Mulheres negras(foto: CB D.A Press)

“O racismo estrutural molda as experiências de vida das pessoas negras e influencia de forma determinante em suas condições de vida e acesso a direitos sociais. Esse racismo é patriarcal e, por isso, as mulheres negras têm desvantagens em todas as dimensões da vida, como saúde, trabalho, educação, segurança”, afirma a professora.

E entre estas dimensões, está o mercado de trabalho. Essas mulheres ocupam postos de trabalho precarizados e mal remunerados e são maioria em vários setores de empregos informais, como trabalhadoras domésticas e cuidadoras de idosos.

Passos adiante

Apesar das desigualdades baseadas no Brasil Colônia ainda perseguirem a comunidade negra, a cada dia a luta antirracista avança um pouco mais por meio do ativismo de diversos movimentos negros.
“O feminismo negro e os movimentos são fundamentais. É Importante dar visibilidade ao protagonismo das mulheres negras nas transformações sociais e políticas que marcam a sociedade, porque elas são sujeitos políticos fundamentais na construção de políticas públicas de combate às desigualdades e de acesso a direitos sociais”, completa.

É nessas mulheres, que por meio da sua voz, resiliência e persistência mudaram suas trajetórias e buscam auxiliar e fortalecer outras como elas, que focamos a nossa reportagem. Três mulheres negras que iniciaram a vida, durante a infância ou a adolescência, no trabalho doméstico, mas não abandonaram os estudos ou as possibilidades de conseguirem colocações mais justas, contam suas histórias. Conheça Janaína, Maria e Edilene.

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pri-1607-opiniao Opinião Racismo(foto: Caio Gomez)

Ela (não) é só a babá

Tudo começou com a necessidade de desabafar. Em um ambiente controlado, morando sozinha em uma cidade distante da sua e sem ter, para conversar, alguém que compreendesse como cada humilhação sofrida a feria, Janaína Costa, 29 anos, criou, anonimamente, a página Ela é só a babá.

Na virada do ano em 2017, Janaína foi a um restaurante com a família para a qual trabalhava em São Paulo. Assim como todos que estavam vestidos de acordo para comemorar o réveillon, Janaína usava branco. Porém, a cor não estampava uma roupa de festa, mesmo que simples, e sim o seu uniforme de babá.

Quando o relógio bateu meia-noite, ela não ouviu "feliz ano-novo" de ninguém. Estava do lado de fora do restaurante, ouvindo o choro do bebê de quem cuidava e tentando acalmá-lo, após o barulho dos fogos de artifício.

No dia seguinte, os patrões viajaram para a Disney e ela tomou uma decisão. "Aquela noite foi a gota d'água em uma série de situações humilhantes nas quais eu era tratada como um objeto útil e não uma pessoa, me sentia apagada. Decidi que não voltaria mais naquela casa."

 17/11/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF -  Janaína Costa, criadora da página Ela é só a babá, que é babá, historiadora e ativista. Ela fez mestrado em História com uma tese falando sobre a realidade das trabalhadoras domésticas negras no Brasil.
17/11/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Janaína Costa, criadora da página Ela é só a babá, que é babá, historiadora e ativista. Ela fez mestrado em História com uma tese falando sobre a realidade das trabalhadoras domésticas negras no Brasil.(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

 

 

Janaína passava os fins de semana neste emprego e a semana em outro, onde era cuidadora e acompanhante de uma senhora. Ali, com uma patroa que a tratava com respeito e dignidade e permitia que ela usasse o computador, ela encontrou uma maneira de colocar para fora tudo que a engasgava havia anos.

"Não tive dúvidas sobre qual seria o nome da página. Eu escutava essa frase desde que comecei a trabalhar como babá, com 12 anos, em minha cidade. Muitas babás ouvem isso. Não temos nome, somos a babá de alguém, e é assim que somos apresentadas nos ambientes dos patrões. Não desmereço, eu sou uma babá, mas sou um milhão de coisas mais."

A frase, além de ser usada para definir, também costumava ser dita em situações nas quais se iniciava um assunto importante e Janaína estava no cômodo. "Não tinha importância que eu ouvisse algo sério ou particular, porque eu era só a babá, como se não fosse uma pessoa com pensamentos."

A primeira versão do desabafo foi no Facebook e anônima. Ali, com muito medo de ser descoberta e não conseguir mais emprego, Janaína relatava as situações por que passava como trabalhadora doméstica e encontrava eco nas histórias de outras mulheres, quase todas negras, como ela.

janaina costa criadora
16/11/22 - Janaína Costa - Criadora da página Ela é só a babá Arquivo pessoal
 

Em uma das casas em que trabalhou, tinha muito medo de postar, e o fazia embaixo das cobertas, antes de dormir. O motivo? Ela e a outra babá que trabalhava na casa eram monitoradas o tempo inteiro pelas câmeras de segurança presentes em todos os cômodos. Apesar de pagar as contas, o emprego custou caro para a saúde mental de Janaína, e ela saiu.

No fim de 2018, o perfil deixou de ser anônimo. "Coloquei minha cara, mostrando que essa sou eu e contando mais de mim. O tema era importante e reunia muitas mulheres negras e trabalhadoras que dividiam o espaço comigo", conta.

Ali, naquele espaço seguro, contou mais de sua história. Natural de uma comunidade quilombola no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, ela se mudou para São Paulo aos 14 anos, para ajudar a cuidar dos filhos da irmã, que era babá para uma família na cidade.

"Somos 11 irmãos, sete mulheres, e todas são trabalhadoras domésticas. Minha mãe e minha avó também viveram essa experiência, brinco que é hereditário. Sou a primeira mulher da família a entrar na universidade", conta.

E foi dentro da universidade, cursada em São Paulo, que ela entendeu que algo estava errado no tal "traço hereditário" que levava as mulheres de sua família ao trabalho doméstico e, muitas vezes, abusivo. Estudando para ser historiadora, nas aulas de história do Brasil, passou a compreender como o racismo estrutural e a forma como o país se desenvolveu contribuíram para o cenário atual do trabalho doméstico.

16/11/22 - Janaína Costa - Criadora da página Ela é só a babá
16/11/22 - Janaína Costa - Criadora da página Ela é só a babá(foto: Arquivo pessoal)

 

Janaína tinha acabado de se formar em história e estava desempregada quando conheceu a atual patroa, por meio o perfil no Instagram. "Ela sabia quem eu era, o que escrevia, que eu estudava e tinha o desejo de morar fora. Me fez uma proposta de emprego e eu aceitei."

A babá se mudou para Bogotá, na Colômbia, para cuidar de duas crianças e se dedicar a um curso de mestrado na cidade. O plano havia sido feito em conjunto com a empregadora, que desejava apoiá-la no crescimento acadêmico e traçar um cenário diferente do que Janaína tinha passado nos empregos abusivos. As duas se tornaram amigas. Em 2020, quando a família se mudou para os EUA, pela dificuldade de conseguir vistos durante a pandemia, Janaína precisou voltar para o Brasil, onde terminou o mestrado a distância.

A tese foi baseada em sua vivência e no desejo de entender o cenário em que vive e se viu inserida desde a adolescência. O objeto de estudo foram os processos de migração de trabalhadoras domésticas negras de áreas periféricas do país. "Saí do interior de Minas para a capital, depois para São Paulo, Bogotá e, agora, estou em Brasília, tudo vinculado ao trabalho doméstico."

Conversando com diversas mulheres, enxergou e analisou os aspectos excludentes, desiguais e racializados do trabalho doméstico e busca, de alguma forma, contribuir para que cada vez menos mulheres negras se submetam a humilhações diárias para garantir o sustento da família.

O futuro

Quando a família que havia ido para os Estados Unidos retornou a Brasília, Janaína voltou a cuidar das crianças. Em dezembro, ela se despedirá e se dedicará à área na qual é mestre, em um emprego temporário de pesquisadora. Depois de uma vida inteira de trabalho doméstico, vivendo diferentes experiências, a historiadora se ofende quando alguém a questiona por que ela ainda é babá, com ênfase no ainda. "Tenho muito orgulho do emprego que trouxe tudo o que tenho hoje. Sim, eu ainda sou babá e não vejo isso como algo degradante. Embora muitos patrões contribuam para que seja, não precisa ser."

A mestre em história e babá, com muito orgulho, afirma que aprendeu a valorizar o próprio trabalho e que, a partir desse processo, sentiu que passou também a ser mais valorizada. A babá é quem, na maioria das vezes, acolhe uma criança nos braços após os primeiros passos, é quem sabe o que gosta ou não de comer e para quem ela corre quando deseja acolhimento. "Esse afeto não entra no pagamento no fim do mês."

E ela afirma que embora existam diversos aspectos que desmerecem o serviço doméstico, ela não se sente inferior por seu trabalho e defende que outras mulheres não se sintam também. Janaína não quer ser conhecida como uma "ex-babá" que se tornou escritora ou mestre em história. Ela explica que não quer passar uma trajetória de superação, como se sua vida anterior fosse motivo de vergonha ou devesse ser abandonada.

"Eu sou a babá, sou a historiadora, sou a influenciadora. Por que não posso ser tudo ao mesmo tempo? Por que preciso deixar de ser a babá para ser considerada uma pessoa que conquistou o sucesso?", questiona.

Janaína Costa - Criadora da página Ela é só a babá
Janaína Costa - Criadora da página Ela é só a babá(foto: Fotos: Arquivo pessoal)

 

Outro aspecto abordado por Janaína é a cor de sua pele. Algumas vezes, pessoas que não a conhecem pessoalmente duvidam que ela possa ter uma graduação e um mestrado tendo sido babá a vida inteira. E o questionamento continua até o instante em que veem que ela é uma mulher negra. “Parece que por eu ser negra, pronto, faz sentido que eu seja a babá, apesar da minha formação.”

A página e as reflexões de Janaína encontram eco em suas semelhantes, mas traz também incômodo. Sobre isso, Janaína convida os que desejam que ela pare de expor suas vivências a fazer uma reflexão. "A quem interessa que eu me cale? Como o meu relato ressoa em suas atitudes ou no seu meio? Se isso é um incômodo, por que você não faz algo para evitar que isso aconteça, em vez de pedir que eu pare de falar nas minhas redes sociais?"

Instagram: @elaesoababa e @jana_retratos

Da faxina para o consultório

Assim como a mestre em história e babá Janaína Costa constatou com os relatos em sua página nas redes sociais e em sua tese de mestrado, a história entre as trabalhadoras domésticas costuma se repetir. A psicóloga Maria José Basílio de Oliveira, 37 anos, também começou a atuar profissionalmente no início da adolescência e atuou grande parte da vida como empregada doméstica, faxineira e babá.

Formada e com duas pós-graduações, ela comenta que até hoje encontra dificuldades em se enxergar no "novo" papel que ocupa na sociedade e, embora tenha orgulho do trabalho que fazia e de onde ele a levou, sente na pele a inferiorização pela qual as trabalhadoras domésticas passam.

Em uma situação recente, precisando de um dinheiro extra para viajar e prestar um concurso, uma amiga, com quem Maria convivia há cerca de cinco anos, ofereceu R$ 100 por uma faxina. Apertada de dinheiro e achando que a amiga tinha aproveitado a situação para ajudá-la, topou.

17/11/22 - revista do Correio - Dia da Consciência Negra - Maria José Basílio de Oliveira
17/11/22 - revista do Correio - Dia da Consciência Negra - Maria José Basílio de Oliveira(foto: Arquivo pessoal)

 

Durante a faxina, a colega brincou que não pagaria pelo serviço, já que por diversas vezes Maria tinha dormido na casa dela sem custos e, durante as visitas, comia e bebia cervejas, compradas — e oferecidas — pela suposta amiga. A brincadeira não ficou por ali, Maria não recebeu o valor combinado e, mesmo pedindo e dando algumas indiretas, ouviu da moça que o valor seria "descontado".

Magoada, Maria, mesmo formada e atuando como psicóloga, voltou a sentir a sensação de inferioridade que tantas vezes acompanha a desvalorização do trabalho doméstico. Infelizmente, o sentimento não é inédito. Quando era babá, ouviu da patroa que o arranjo de trabalho não funcionaria se ela quisesse estudar.

"Ela dizia que era porque precisava dormir, mas esse dormir era acordar de madrugada para limpar vômito quando as crianças passavam mal e ficar até depois de meia-noite lavando louças e arrumando a casa quando eles faziam churrascos e jantares", lembra.

A desvalorização de Maria, como pessoa, não se resumiu ao serviço doméstico. Atuando na linha de frente em postos de saúde durante o auge da pandemia, teve sua formação colocada em xeque devido à cor de sua pele. Ao chegar a um posto diferente do que trabalhava para fazer um teste, foi impedida por um enfermeiro, que disse não existir testes disponíveis na unidade. "Eu sabia que tinha, porque trabalhava na área e fui informada da chegada do material."

Depois de buscar ajuda com os responsáveis pelo posto, Maria ouviu um pedido de desculpas do homem, que se justificou dizendo que não imaginava que ela era psicóloga ou que trabalhava na área da saúde. "É sobre a luta por um lugar no mundo. É sobre te perguntarem se você é a recepcionista, não menosprezando outras profissões, mas só nos enxergam em cargos mais desvalorizados. Volta e meia somos confundidas, como se eu não pudesse ser psicóloga."

Maria começou a fazer faxina aos 12 anos, no interior de Pernambuco, recebendo R$ 30 por mês. Aos 15, se mudou para Petrolina, e o "salário" aumentou para R$ 150. "Em outra situação, ouvi de uma patroa que ela só contratava pessoas feias para não correr o risco de que o marido se interessasse."

Em outra ocasião, com uma queimadura de segundo grau no braço, feita durante o expediente, Maria foi acusada pela empregadora de ter se ferido de propósito, apenas para não trabalhar. As cicatrizes, as do braço e as invisíveis, estão ali até hoje.

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pri-2201-opiniao Opinião Racismo Universidade(foto: Caio Gomez)

Mudança de vida

Há 16 anos, Maria veio para Brasília. Ainda no trabalho doméstico, começou a procurar outras oportunidades. Quando conseguiu um emprego de secretária em um shopping de Taguatinga, começou a faculdade. Antes de conseguir se formar, em 2016, precisou trancar o curso duas vezes, por não conseguir pagar as mensalidades. Quando, enfim, terminou a graduação, não conseguiu colocação no mercado de trabalho. "Não sei até que ponto isso é uma visão minha, a minha percepção, mas eu não atendo a um certo padrão do que as pessoas veem como psicóloga, e acabei trabalhando com telemarketing por um tempo", conta.

Na mesma época, Maria se envolveu em trabalhos voluntários, nos quais atuava como psicóloga para jovens e adultos carentes. Além de ajudar quem precisava, a ideia era agregar conhecimento e ganhar experiência na área.

A psicóloga passou um tempo em São Paulo, com uma irmã, e voltou para Brasília quando conseguiu colocação em uma clínica psiquiátrica. O emprego, no entanto, não foi o que ela esperava e, depois de mais de três meses de atraso nos pagamentos, voltou para o telemarketing para pagar as contas. Nesse cenário, conseguiu emprego em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Goiás, onde segue trabalhando e morando. O plano é voltar para Brasília e fazer mais especializações.

Uma outra proposta envolve se mudar para Portugal e atuar no trabalho doméstico até conseguir se adaptar financeiramente e se preparar, inclusive com os documentos necessários, para trabalhar na sua área de formação. "Sempre falo o seguinte: se precisar eu faço faxina sem problema nenhum. Eu gosto de faxinar, colocar as coisas no lugar. Tenho orgulho de onde o trabalho doméstico me trouxe e, precisando, faço sem nenhum impedimento", afirma.

O que Maria se recusa é passar por situações humilhantes novamente. Identificando-se com o filme brasileiro Que horas ela volta?, deseja que cada vez mais pessoas vejam histórias de mulheres que mudaram suas vidas e se inspirem, entendendo que elas não precisam se submeter, que são capazes de mudar as próprias vidas.

Uma geração de mulheres negras fortes

Uma história regada de lutas, mas com muita garra e determinação. Edilene Carneiro, 54 anos, é de família pobre e cresceu com muitas cicatrizes parentais. Desde cedo, viu na ausência de condições básicas do lar uma realidade que enfrentaria até a fase adulta. Aos 17, para ajudar nas contas de casa e dar suporte à mãe, começou a trabalhar de babá durante os fins de semana. E assim foi por um período de mais ou menos um ano.

Edilene Carneiro precisou trabalhar ainda na adolescência, mas não abandonou os estudos
Edilene Carneiro precisou trabalhar ainda na adolescência, mas não abandonou os estudos(foto: Arquivo pessoal)

"Sempre passamos por muitas privações. Falta de alimentos, dívidas de casa. Nunca passei fome, mas sempre faltava alguma coisa, por isso comecei a trabalhar", relembra. Olhando para trás, ela conta sobre o passado cheio de feridas, em que o estudo, ainda na adolescência, chocava-se com o emprego que arrumou ainda tão jovem. O pai, alcoolista, mal conseguia dispor de qualquer auxílio para a renda da família, muito menos de afeto ou amor.

Com o cenário difícil, Edilene lembra que a rotina era cansativa, principalmente por ter que dividir tantas responsabilidades com a mãe. "Eu tive que amadurecer muito cedo", descreve. No entanto, em meados de 1985, uma luz no fim do túnel apontava para um futuro diferente.

À época, como as formações se distribuíam de maneiras diferentes, a moradora da Candangolândia tornou-se professora de alunos de ensino fundamental, depois que terminou o ensino médio profissionalizante, como era conhecido naquele período. Essa foi a profissão que ela desempenhou durante 34 anos, até se aposentar.

Ainda que os percalços, rodeados de olhares preconceituosos e diversos casos racistas tenham sido uma constante, a educadora garante que jamais abaixou a cabeça para uma luta que sempre foi mais do que sua — mas de todos os que dependiam dela.

Hoje, mãe de uma mulher de 23 anos, olha para filha e vê que, daqui para a frente, o mundo pode ser melhor como nunca foi. Apesar de tudo, a professora se considera uma vencedora, e enxerga nesses caminhos tortos uma felicidade sem igual, preenchida de orgulho e de satisfação. Edilene acredita que, de onde ela veio, o esforço sempre é em dobro. Mesmo com as conquistas, não esconde que ainda há muitas coisas pelas quais lutar. "Somos uma geração de mulheres negras fortes", pondera.

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/revista-do-correio/2022/11/5052201-mulheres-negras-rompem-ciclos-e-saem-da-invisibilidade-do-trabalho-domestico.html

Ana Dubeux: "Todo respeito às mulheres negras"

"Data importantíssima para a luta antirrascista, no Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro, dedicamos espaço para dar voz e visibilidade ao grupo que mais sente o peso de viver numa sociedade que se estrutura no racismo e no patriarcado: as mulheres negras, em especial as trabalhadoras domésticas"

Ana Dubeux
postado em 20/11/2022 - Correio Braziliense
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)
 
 

"Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela." A frase é de Angela Davis, um dos nomes mais importantes do mundo quando se fala em ativismo antirracista e feminismo interseccional. Lembrei-me da declaração dela, entre tantas outras importantes que reverberam de suas entrevistas e produção literária, ao ler a reportagem de capa da Revista do Correio de hoje.

Data importantíssima para a luta antirrascista, no Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro, dedicamos espaço para dar voz e visibilidade ao grupo que mais sente o peso de viver numa sociedade que se estrutura no racismo e no patriarcado: as mulheres negras, em especial as trabalhadoras domésticas. As mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico no Brasil — 65% delas são negras.

Conversamos com mulheres que exercem ou exerceram essa atividade, que ainda é desvalorizada, mal remunerada e vista com imenso preconceito. Casos como o de Janaína Costa, mestre em história e babá, e da psicóloga Maria José Basílio de Oliveira, que atuou grande parte da vida como empregada doméstica, faxineira e babá. Depoimentos significativos que nos ensinam muito e abrem as janelas para que possamos de uma vez por todas sair da ignorância.

Não é justo dizer que a trajetória dessas mulheres é apenas inspiradora ou edificante. O correto é dizer que elas estão levando junto com elas uma legião de mulheres. Mais correto ainda é ter consciência de que elas sustentam muito além de suas próprias famílias ou de seus sonhos individuais.

Como diz a professora e doutora Lucélia Luiz Pereira, do Departamento de Serviço Social da UnB, "é importante dar visibilidade ao protagonismo das mulheres negras nas transformações sociais e políticas que marcam a sociedade, porque elas são sujeitos políticos fundamentais na construção de políticas públicas de combate às desigualdades e de acesso a direitos sociais".

Nós precisamos ter olhos para ver, ler, visitar a história contada do jeito certo. Há farta bibliografia disponível. Grandes intelectuais negras deixaram escritos e testemunhos. Outras estão resgatando a trajetória de heroínas negras. Muitas estão analisando, interpretando fatos atuais e nos entregando de bandeja a versão correta do nosso tempo, que ainda é cruel, machista e racista, em especial com as mulheres negras.

No dia de hoje, faça uma reflexão, olhe ao redor, vasculhe na sua memória e verá o quanto é importante reconhecer o racismo estrutural e reparar séculos de injustiça e desigualdade. Todos nós podemos fazer mais para mudar essa realidade. Termino também com Angela Davis, porque é preciso repetir: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista".

Documentário de Ruth de Souza é destaque no Festival de Brasília deste domingo

'Diálogos de Ruth de Souza, dirigido por Juliana Vicente, traz as falas antigas da lendária atriz para dialogar com os tempos atuais no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Ricardo Daehn
Pedro Ibarra
postado em 20/11/2022 Correio Braziliense
 
 
Cena do longa Diálogos de Ruth de Souza: atriz que se tornou referência da negritude -  (crédito: Preta Portê Filmes/Divulgação)
Cena do longa Diálogos de Ruth de Souza: atriz que se tornou referência da negritude - (crédito: Preta Portê Filmes/Divulgação)
 

Longa da sessão hors concours de encerramento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o documentário Diálogos de Ruth de Souza será exibido, hoje, a partir das 18h. Um filme que fala sobre o passado, mas conversa muito com o presente do Brasil e que dá o palco para a primeira mulher negra do país a superar todos os obstáculos para dominá-lo.

O longa mistura história e ficção em uma narrativa desenvolvida pela diretora Juliana Vicente, a partir de conversas com a própria cineasta, arquivos da atriz e citações ao universo criado em volta dessa figura que abriu as portas para que pessoas negras pudessem ser representadas nas artes cênicas. Três anos após a morte de Ruth, em decorrência de uma pneumonia em 2019, ela protagoniza um longa em um dos mais importantes festivais do país.

Ao Correio, Juliana Vicente fala sobre a influência de Ruth de Souza para a arte e a importância de ecoar as palavras dela no encerramento do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Entrevista // Juliana Vicente

Qual a importância de falar sobre Ruth de Souza na atualidade considerando o mundo em que vivemos e o histórico de luta dela?

A Ruth foi uma pioneira nas artes, ela foi a primeira atriz brasileira a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a primeira atriz brasileira a ser indicada a um prêmio internacional (no Festival de Veneza). Como atriz, ela já foi única. Como atriz e mulher negra, ela foi um fenômeno. Falar da Ruth com a Ruth é parte de um movimento essencial para a gente, é a afirmação de contar as nossas narrativas, dos nossos, com os nossos para os nossos. E isso é apenas a ponta do iceberg. Falar da Ruth é contar parte da nossa história para as próximas gerações, mas é também poder falar para as gerações anteriores sobre as conquistas delas e mostrar que vamos, sim, desfazer esse apagamento histórico sofrido.

Ruth de Souza é uma figura histórica para o Brasil. O que você acha que o país ainda precisa aprender com ela?

Acredito que uma das coisas mais importantes que temos que reconstruir no Brasil é a nossa história, porque construída obviamente ela já foi, mas também apagada. E sabemos da importância no desenvolvimento de um país onde todos conheçam a própria história, a história de uma perspectiva mais honesta. A Ruth sabia da importância do registro, ela se registrou por 98 anos. Temos imagens da Ruth criança, adolescente, nos primeiros passos no Teatro Experimental do negro, em Nova York, recebendo prêmios, atuando em projetos na Globo, em festas exclusivas e etc. E praticamente todas as imagens vieram do acervo pessoal da Ruth. Eram dezenas de pastas. E ela não se calou, ela contava a história dela e mostrava através dessas imagens, já que apesar de quase 60 anos de carreira, as imagens de arquivo de artistas pretos no Brasil, são muito escassas. Isso foi fundamental para o filme.

Sobre fechar o festival em um ano tão significativo para o Brasil. Como você vê esse filme encerrar um evento tão relevante para o cinema brasileiro?

Olha, a Ruth falava o quanto ela sentia falta de na velhice, em um momento de hiato, de ser convidada para os festivais. Nos anos finais, ela estava sendo celebrada, inclusive como tema de samba enredo da Acadêmicos da Santa Cruz, uma das maiores honras para uma personalidade brasileira. Mas o cinema era o amor da vida da Ruth, então, para mim, participar e fechar o Festival com ela é honrar a história e desejos da Ruth. E estar com dois documentários estreando este ano, que falam tanto da construção da nossa história, de construção real, feita no dia a dia, por pessoas que ultrapassaram todos os limites impostos para levantar legados, é mais uma sincronia. Ter o Diálogos com Ruth de Souza encerrando o festival em 2022, reflete esse momento de renovação de esperança nesse caminho de permanência da construção.

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/11/5052767-documentario-de-ruth-de-souza-e-destaque-no-festival-de-brasilia-deste-domingo.html

Mulheres negras idosas são tema de pesquisa acadêmica na UnB

Desenvolvido por mestranda da Universidade de Brasília (UnB), trabalho acadêmico busca ouvir o público feminino acima de 60 anos que mora no Distrito Federal. Os dados podem orientar a aplicação de políticas públicas

Edis Henrique Peres
Arthur de Souza
postado em 20/11/2022 - Correio Braziliense
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Envelhecer é um desafio individual e coletivo. Mas quando se nasce mulher e negra em uma sociedade machista e racista como a brasileira, a chegada da terceira idade vem acompanhada de dificuldades ainda maiores. Aos 67 anos, a servidora pública aposentada Maria Aparecida Mendonça relata desrespeitos diários. "Já sofri preconceito em fila de banco e até em posto de gasolina", revela, detalhando a última situação que aconteceu há cerca de dois meses. "Por ser mulher e negra, o cara (frentista) começou a abastecer todos os que estavam lá, que eram homens, para depois vir até a mim. Achei muito injusto", reclama.

O desejo de conhecer a fundo as adversidades enfrentadas por essa parcela da população e produzir dados científicos que possam nortear políticas públicas motivou a psicóloga e mestranda da Universidade de Brasília (UnB) Polliana Teixeira da Silva a pedir a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição de ensino para realizar o levantamento. 

Com o título "Deus é uma mulher preta? As representações sociais construídas acerca do envelhecimento de mulheres negras do Distrito Federal", o objetivo da pesquisa de Poliana é colher relatos de mulheres acima de 60 anos que moram na capital, como é o caso de Maria Aparecida. A idosa afirma que, além da cor da pele, sofre preconceito por conta da idade. "Esta semana, no shopping, quando fui estacionar, uma moça resmungou: 'Ave Maria! Não sei o que esses velhos vem fazer em shopping'. Então, por mais que existam leis, a gente continua sendo desrespeitada", nota.

A estudante autora da pesquisa considera essa abordagem importante desde a graduação. "Tenho um envolvimento forte com a temática racial e, quando entrei na psicologia, me apaixonei pela pesquisa. E então, quando estava para me formar, chegou a pandemia e durante a crise sanitária ficou muito explícito o quanto nosso país desvaloriza as pessoas idosas", observa. "A gente estima que mulheres negras têm seu processo de envelhecimento marcado por mais experiências de solidão, desamparo e sofrimento. Isso porque a velhice é um resultado de vivências de toda a vida, e a vida de mulheres negras é marcada por uma conjugação de sofrimentos devido ao racismo e machismo", destaca.

Maria Aparecida
Maria Aparecida(foto: Arquivo pessoal)

Novo olhar

Orientadora da pesquisa, a professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da UnB Isabelle Chariglione acredita que é preocupante, em um país em que a maioria da população é negra, não ter pesquisas que se voltem para esse grupo. "Com esse levantamento, a gente pode ouvir a história dessas mulheres e identificar as ações que devem ser feitas. A pesquisa é uma oportunidade de trazer um novo olhar, de maneira diferenciada, para falar sobre as condições de vida na nossa capital", observa.

Doutora em psicologia e especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Isabelle destaca que é de "suma importância debater esse tema porque o envelhecimento é tratado de maneira heteronormativa, do homem branco europeu. Mas o que a gente observa no cotidiano é diferente".

As entrevistas começam nos próximos dias (saiba mais em Participe) e coincide com o mês da Consciência Negra, período dedicado à reflexão e debates sobre formas de se erradicar o racismo. "Na próxima semana, começamos a entrevistar as pessoas. Iremos ouvir essas mulheres nos locais que elas preferirem, em uma entrevista que deve durar 1h30. A expectativa é que, até março, os dados estejam consolidados", adianta.

Perfil

A pesquisa mais recente do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), divulgada na última sexta-feira, aponta que a maioria da população que vivia na capital do país em 2021 era negra (57,3%), ante 40,9% da parcela que se declarava branca. Em relação ao público feminino, o levantamento "Raça/cor: O perfil étnico-racial da população no Distrito Federal" aponta que a maioria das mulheres da capital são negras: no ano passado, 28,7% se consideram pretas e pardas, enquanto 23,3% se autodeclaram brancas, amarelas e indígenas. Em relação à instrução, apesar de serem a maioria da população, somente 26,9% das mulheres negras com 25 anos ou mais tinham ensino superior completo, 5,1% delas não têm instrução alguma e 14,6% das negras possuem ensino fundamental incompleto. Ela vencem, ainda, quando o assunto é quem tem maior jornada de trabalho ao se considerar o trabalho reprodutivo de afazeres domésticos. O estudo é realizado a partir de dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD 2021).

A costureira Diva Maria, 63, também negra, é moradora de Águas Lindas de Goiás, trabalha no Lago Norte e conta que existe uma certa dificuldade para conseguir emprego depois dos 60 anos. Ela diz que estudou até o 5º ano do ensino fundamental e trabalhou por 40 anos como diarista. De acordo com Diva, a escolha dos patrões para contratar é sempre pessoas com menos de 30 anos e brancas. "Quando eu tinha 50 anos e estava procurando emprego, uma patroa falou que preferia uma mulher de 30 anos, não eu", afirma. Ela conta que, somente depois, ficou sabendo que sofreu racismo. "Uma pessoa me contou que a mulher não me contratou porque não gostava de pessoas escuras na casa dela", revela. 

Colaborou Cássia Santos

 

Participe

A pesquisa vai ouvir mulheres negras (pretas e pardas) com mais de 60 anos

Entre em contato: (61) 99569-1179

Como funciona: a entrevistada poderá escolher onde será ouvida pela estudante. A expectativa é que a conversa dure em torno de 1h30. Os dados pessoais da fonte não serão divulgados no levantamento

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/11/5052812-mulheres-negras-idosas-sao-tema-de-pesquisa-academica-na-unb.html

 


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