Ao assumir vaga de Paulo Pimenta na Câmara, Reginete se soma a Daiana Santos e Denise Pessôa na bancada negra gaúcha

Por
Luís Gomes

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Reginete Bispo em uma das oportunidades que assumiu como vereadora em Porto Alegre | Foto: Divulgação/Câmara
 

Nas eleições de outubro, o Rio Grande do Sul elegeu, pela primeira vez, duas mulheres negras deputadas federais, Daiana Santos (PCdoB) e Denise Pessôa (PT). No entanto, a primeira bancada negra gaúcha na história da Câmara dos Deputados irá ganhar um terceiro nome, o de Reginete Bispo (PT), que ficou na primeira suplência da federação PT-PCdoB-PV e assumirá a vaga aberta por Paulo Pimenta, que assumiu como ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom).

Em entrevista ao Sul21 nesta semana, Reginete conta que estava preparada para assumir um mandato, que teria caráter coletivo, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, para o qual também era suplente e que teve vagas abertas na bancada petista com as eleições de Laura Sito e Leonel Radde como deputados estaduais.

“Mas também estávamos atentas porque tínhamos a possibilidade de algum dos nossos parlamentares se tornar ministro, mas nada certo”, diz.

Em dezembro, o nome de Pimenta começou a ganhar força para compor o ministério e, meados do mês, ele próprio ligou para Reginete para contar sobre as conversas com Lula. “A gente ficou aguardando o anúncio do ministério, o que foi até o último minuto”, diz, em referência ao fato de que Pimenta só anunciado para compor o ministério em 29 de dezembro.

Primeira suplente nas duas Câmaras — e também do senador Paulo Paim (PT) –, Reginete ainda tinha uma decisão a tomar, porque em Porto Alegre assumiria a titularidade do mandato, enquanto em Brasília poderia voltar a suplência no caso de Pimenta deixar o ministério. Além disso, para assumir como deputada, precisaria renunciar à cadeira de vereadora.

“É uma escolha, né?”, diz, brincando que espera agora que Pimenta não deixe o cargo antes do final da legislatura. “Mas, pelo momento político e o que representa ser deputada federal, é muito importante (assumir como deputada), seja por um ano, dois ou mais, principalmente nesse período de transição em que a gente se esforçou muito para ter uma bancada de mulheres negras. Agora vai ter mais uma parlamentar do movimento negro em Brasília”.

Reginete diz que já foi questionada sobre como Porto Alegre, tão marcada pela segregação racial, conseguiu eleger bancadas negras, primeiro para a Câmara de Vereadores, em 2020, e depois para a Assembleia Legislativa e para a Câmara Federal em 2022. “Na minha opinião, a segregação é tão grande que gera uma organização mais radicalizada”, diz.

Para a futura deputada, que tomará posse em 1º de fevereiro, a consolidação de uma bancada de mulheres negras irá contribuir para que suas pautas ganhem força no Congresso. “Embora nem todas as pessoas autodeclaradas negras carreguem a pauta das mulheres negras, mas só a presença já ajuda. Eu penso que vai mudar o debate o político, o olhar sobre cada tema. Mesmo aqueles mais espinhosos, quando se coloca a pauta racial, eles ganham outra conotação”, diz.

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Reginete avalia que está em curso uma mudança de fotografia do poder no Brasil, com o gesto do presidente Lula receber a faixa de uma mulher negra e de outros “representantes do povo” sendo um símbolo dela.

“Há bem pouco tempo, a fotografia do poder era de todos homens brancos, de meia idade para cima. Agora, é outra fotografia. E a subida do presidente Lula na rampa retrata isso, aquela diversidade, o Lula lado a lado com o Raoni, uma mulher negra colocando a faixa, um menino negro, representando todo o esforço que a gente precisa fazer para romper com o ciclo de violência contra a juventude negra”, diz.

Ela conta que também foi pega de surpresa com o gesto. “Acho que ninguém sabia. Foi emocionante, ver uma mulher negra, recicladora, o símbolo de quem viveu a vida toda sem a estrutura do Estado, entregando a faixa para o presidente. Foi muito significativo. E, de certa forma, o Congresso Nacional nesta legislatura vai ter essa representativa, apesar de ter muitos conservadores e até mais fortalecido. Por outro lado, tem essa pluralidade, essa diversidade de mulheres negras, junto com outros conjuntos populacionais invisibilizados”, diz.

Nascida na região rural de Marau, interior do Rio Grande do Sul. Reginete se mudou para Passo Fundo aos 10 anos. Começou a militar ainda na juventude, junto às pastorais da Igreja Católica que atuavam na luta pela reforma agrária. Em 1986, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e, em 1988, concorreu à vereadora de Passo Fundo.

Em 1990, mudou-se para Porto Alegre para cursar Ciências Sociais na UFRGS. Ao longo dos anos seguintes, dedicou-se à academia e ao trabalho junto a movimentos sociais, especialmente o movimento negro, e nas lutas em defesa dos direitos humanos, em especial das mulheres negras, e das comunidades quilombolas, de matriz africana, povos indígenas e das populações imigrantes e refugiados. Pelo trabalho em defesa dos refugidos, foi nomeada Consulesa Honorária do Senegal em Porto Alegre, posto que está deixando para assumir o mandato. Até recentemente, era coordenadora do AKANNI – Instituto de Pesquisa e Assessoria em Direitos Humanos, Gênero, Raça e Etnia, cargo que deixou antes das eleições.

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Pelo seu passado de luta pela reforma agrária e presente trabalho junto às populações quilombolas e imigrantes, Reginete destaca que coloca a “questão da terra” como uma pauta que será fundamental de seu mandato. “Ela mexe com os meios de produção, autonomia, geração de trabalho e renda para as famílias, além da moradia. Então, essa para mim é uma luta primordial”, diz.

A futura deputada contribuiu com os processos de certificação dos quilombos reconhecidos oficialmente em Porto Alegre (Alpes, Família Silva, Família Fidelix e Areal da Baronesa) e destaca que, depois de vir a público que assumiria a cadeira de Pimenta, já tem sido cobrada “diariamente” pelas comunidades quilombolas do Estado para atuar em favor da pauta no Congresso.

Reginete avalia que se trata de um tema urgente, uma vez que foi deixado de lado, sem perspectivas, nos últimos quatro anos. Ela conta que, no início desta semana, conversou com o secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, solicitando celeridade na emissão de certificação de autodeclaração de comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul. Ela destaca que uma das situações mais urgentes é a do Quilombo Kédi, comunidade localizada ao lado do Country Club de Porto Alegre, uma das áreas mais nobres da Capital, e que há anos está ameaçada de ser removida para dar lugar a um empreendimento privado de grande porte.

Ela também avalia que a Fundação Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura que tem a responsabilidade de conceder a certificação, estava “acéfala” durante o governo Bolsonaro. “Não só no sentido de não fazer nada, mas fazendo muita coisa para descontruir o que já tinha sido construído. Então, nós estamos atentos e pedindo urgência para a Fundação Palmares para a emissão dessas certificações”, diz.

A futura deputada federal diz que, além de cobrar a Fundação Palmares, também pretende atuar junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na cobrança de celeridade para a titulação de terras para as comunidades. “As titulações pararam. Já eram lentas e agora absolutamente pararam. Nós temos aqui o Quilombo Kédi, o Mocambo, da Família do Ouro, e outros só aqui em Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, então são dezenas de quilombos que estão com as políticas totalmente paradas”.

Avalia que, além da retomada dos processos de certificação e titulação, também são necessárias políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social e econômica das comunidades quilombolas.

Outro tema caro a Reginete e para o qual ela tentará contribuir com as discussões no Congresso é o da segurança pública. Contudo, diz que a sua defesa será de uma mudança da lógica com a qual a área é tratada atualmente.

“É uma pauta espinhosa, mas nós precisamos retomar o debate sobre o papel da segurança pública, discutir o sistema de segurança. Se não fizermos essa discussão sobre o papel das polícias no Brasil, a gente não vai romper com essa tradição escravocrata das polícias estarem a serviço do capital perseguindo pretos, pobres e periféricos.”

Reginete conta que, recentemente, viu uma matéria informando que o governador do Rio de Janeiro entregou à Polícia Militar do estado um novo modelo de capacete à prova de bolas, com o objetivo de facilitar o deslocamento nas favelas. Para ela, é esta lógica de pensar a polícia atuando em áreas pobres que precisa ser mudada.

“Temos que pensar a polícia para o conjunto da sociedade e como uma instituição que vai defender a cidadania, não estabelecer, como a gente tem visto, uma guerra permanente contra os moradores pretos, pobres e periféricos. Em nome do combate ao crime organizado, que a gente sabe que o crime organizado que aparece nas periferias dos grandes centros, nas favelas, é a ponta de um iceberg de um grande negócio que movimenta trilhões com o comércio de drogas, armas e pessoas. Não é na favela que esse comércio se gesta”, diz.

Ela diz que a lógica de focar a atuação das polícias nas periferias remonta ao período em que elas foram criadas para perseguir negros que fugiam da escravidão, avaliando que muito daquele pensamento permanece. É necessário, defende, não apenas uma mudança na formação de policiais, mas também da forma como o sistema de segurança pública e de Justiça se organizam.

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“Eu sei que é espinhoso, tem um custo, mas sempre afirmei que caberia às mulheres negras fazer esse debate, porque elas são as principais vítimas da violência policial. Somos nós que perdemos filhos, maridos e temos as famílias destruídas em função disso. A segurança pública é fundamental, necessária, mas precisamos que ela seja cidadã, que defenda o povo, independente de sua classe social, da cor de pele ou de seu gênero”, afirma.

Além dessas pautas, Reginete também promete, seguindo o que era o seu slogan de campanha — Brasil sem fome, sem racismo e sem machismo –, ter uma atuação marcada por trabalhar as discussões do Congresso a partir de recortes de gênero, raça e combate à fome. “A pauta de geração de renda, trabalho e combate à fome vai ser prioritária, com um recorte muito especial para as mulheres e as mulheres negras, que foram as mais atingidas pela perda de trabalho na pandemia”.

Outro compromisso que assumiu é de de tratar a questão das populações imigrantes e refugiadas. “Vou trabalhar para que o Brasil efetivamente tenha políticas públicas de atendimento e acolhimento, especialmente para as populações africanas, caribenhas e latinas. Não basta ter as fronteiras abertas, embora no último governo elas não estivessem tão abertas assim. A gente pode observar que, especialmente os haitianos, estão desassistidos de qualquer política pública que garanta o mínimo de dignidade e segurança para suas famílias”, diz.

 

fonte: https://sul21.com.br/noticias/politica/2023/01/reginete-bispo-chega-a-camara-com-nova-fotografia-do-poder-e-luta-por-quilombolas-e-imigrantes/


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