O Brasil é terra indígena, mas o futuro dos povos indígenas do Brasil está em jogo com o marco temporal.

O marco temporal é inconstitucional, nosso território é ancestral

A luta pela vida não pode ser somente uma pauta dos povos indígenas, precisa ser uma luta do povo brasileiro

Por Samela Sateré Mawé*

Imagem: @kamikiakisedje

O Brasil é terra indígena, mas o futuro dos povos indígenas do Brasil está em jogo com o marco temporal.

A tese está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) e o seu julgamento deve retornar no dia 7 de junho. O marco temporal estabelece que os nossos povos só têm direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988 —data da promulgação da Constituição Federal—, ou que naquela data estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.

Mas nossa história não começa em 1988. Nossos povos estavam aqui muito antes da Constituição, da criação de nossas fronteiras e da fundação do Estado brasileiro. Somos originários!

Somos mais de 305 povos indígenas no Brasil, estamos em todos os estados e biomas brasileiros. Desde a invasão dos europeus, temos que lidar com a violação dos nossos corpos e territórios, sempre lutando contra ataques e estupros.

A tese do marco temporal é defendida pelo agronegócio e por setores que pretendem explorar os territórios tradicionais. Ela fere a vida da população originária e representa um risco para a biodiversidade e para o ambiente, pois coloca em risco a demarcação de terras indígenas —inclusive daquelas que já foram demarcadas.

As terras indígenas demarcadas e as unidades de conservação são as regiões com maior preservação da biodiversidade, pois somos nós, povos indígenas, os principais guardiões dos biomas.

O marco temporal também chegou no Congresso Nacional por meio do projeto de lei (PL) 490/2007. Nesta quarta-feira (24), a Câmara aprovou requerimento de urgência para a tramitação do projeto.

O PL busca transferir a competência de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo com o objetivo de inviabilizar as demarcações dos territórios ancestrais.

O PL também quer permitir a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras dentro das terras indígenas, sem consulta prévia às comunidades afetadas. Ações como essas têm impactos ambientais e culturais irreversíveis e contribuem para o extermínio dos povos indígenas.

Entendemos o território como uma extensão dos nossos corpos, não havendo diferença entre os seres humanos e as árvore, os animais e os rios. Sentimos na pele quando queimam e desmatam, matando as árvores e os seus moradores, seres vivos e encantados.

Quando dragas de garimpo ou hidrelétricas bloqueiam os rios sagrados, é como se entupissem nossas veias e artérias. Grileiros, fazendeiros e pistoleiros invadem nossos territórios, nos ameaçam e nos matam com o intuito de usufruir dos nossos recursos.

O marco temporal representa tudo isso. É uma tese perversa, que legitima a violência contra os nossos corpos-territórios. Há sangue indígena nas mãos e na ponta das canetas dos ministros.

O reconhecimento dessa tese representaria uma inversão de papéis: o colonizador viraria dono da terra, enquanto o indígena seria visto como invasor.

O marco temporal nega a presença dos nossos povos neste território. Nega nossas práticas de subsistência, a nossa ciência, o nosso canto, nossa pintura e a nossa culinária.

Além disso, essa tese ignora que muitos indígenas foram assassinados e expulsos de seus territórios ancestrais. Portanto, não poderiam estar nas suas terras sagradas na data da promulgação da Constituição.

Sobretudo, o marco temporal é inconstitucional. O artigo 231 da Constituição Federal garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

Segundo a nota técnica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre o marco temporal, as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são a principal condição da manutenção de sua sobrevivência física e cultural.

Para os povos indígenas, não existe dignidade sem suas terras. É nelas onde estão os recursos necessários para o seu desenvolvimento econômico e onde têm liberdade para expressar suas culturas, tradições e espiritualidades.

O direito à terra é um direito fundamental, inalienável e imprescritível. A sensação que fica é que o Estado desrespeita sua própria Constituição, e que os não indígenas violam as leis criadas por eles mesmos, mudando-as e manipulando-as quando lhes convém.

Vivemos sob a lei dos não indígenas, mas todos vivem sobre nossas terras.

luta pela vida não pode ser somente uma pauta dos povos indígenas. Precisa ser uma lutado povo brasileiro, que preza pela mãe terra, pelos biomas, pela Amazônia, assim como nós.

A votação sobre o marco temporal no STF está prevista para 7 de junho, e os povos indígenas realizarão uma mobilização em Brasília do dia 5 ao dia 8 do mesmo mês. Juntos, estamos mobilizados para que nossas pautas sejam ouvidas e atendidas pelo Supremo.

Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário e ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida e por demarcação já, nós, povos indígenas, gritamos: não ao marco temporal!

*Texto originalmente publicado na coluna do PerifaConnection na Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/perifaconnection/2023/05/o-marco-temporal-e-inconstitucional-nosso-territorio-e-ancestral.shtml

 

fonte: https://apiboficial.org/2023/05/25/o-marco-temporal-e-inconstitucional-nosso-territorio-e-ancestral/

 

Ataque do Congresso aos direitos indígenas afronta Constituição e reforça importância de derrotar marco temporal

Desmonte do Ministério dos Povos Indígenas e aprovação da urgência do PL 490 às vésperas do julgamento sobre marco temporal desrespeitam a Suprema Corte e as instituições democráticas

Foto e Arte: Verônica Holanda/Cimi

Foto e Arte: Verônica Holanda/Cimi

Na data de ontem, 24 de maio de 2023, assistimos às manobras inescrupulosas nas duas casas legislativas federais do Brasil. No início da noite, a Comissão Mista responsável por analisar a Medida Provisória (MP) 1154 aprovou a retirada de competências fundamentais dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e dos Povos Indígenas (MPI). O relatório aprovado subtraiu do recém-criado MPI a atribuição da demarcação dos territórios indígenas e flexibilizou a segurança ambiental do bioma Mata Atlântica.

Mais tarde, o plenário da Câmara aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que institucionaliza a tese do marco temporal, dificulta o andamento dos processos demarcatórios, abre as terras indígenas para toda sorte de exploração e busca, na prática, inviabilizar o direito constitucional dos povos originários à terra.

Nos causa perplexidade o fato de que o atual governo federal, que se elegeu com o compromisso de salvaguardar os direitos dos povos indígenas e avançar em sua efetivação, tenha liberado os parlamentares da base governista durante a votação da urgência deste gravíssimo projeto de lei.

Diante deste cenário, manifestamos nosso repúdio e denunciamos à sociedade esses últimos atos de barbárie, ao tempo que externamos nossa preocupação com o porvir que se anuncia, caso seja permitida a sua continuidade.

Em primeiro plano, o PL 490 é claramente inconstitucional e, por isso mesmo, já deveria ter sido enterrado, uma vez que reduz direitos fincados como cláusulas pétreas no texto constitucional, particularmente o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.

A aprovação da urgência em sua tramitação acontece nas vésperas do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do famigerado marco temporal. Isso significa, por parte da Câmara dos Deputados e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP/AL), um enorme desrespeito à Suprema Corte do Brasil e às demais instituições democráticas.

Além da tentativa de subalternizar o Poder Executivo com essas manobras abusivas, os parlamentares fulminam setores muito sensíveis do governo, em especial aqueles conduzidos por duas mulheres que têm relação imediata com a cultura ribeirinha, ambiental, indígena e camponesa. É um sinal sonoro do açoite ideológico e econômico imposto às pautas dos povos, seus direitos constitucionais e suas mais diversas culturas.

A história não nos permite esquecer dos assassinatos, torturas e expropriações que vitimaram diversos povos indígenas, violações promovidas pela Ditadura Militar sob a justificativa de promover o desenvolvimento econômico no país por meio da implementação de grandes obras de infraestrutura. Do mesmo modo, a história irá novamente nos cobrar, caso o país volte a trilhar no mesmo caminho dos anos de chumbo.

Cremos também que a retirada da competência de demarcação de terras tradicionais do MPI, com a devolução ao Ministério da Justiça, é reflexo de uma conjuntura que permite somente até certo ponto o avanço da luta e do protagonismo indígena, sendo estes os primeiros direitos a serem tolhidos em negociações consideradas de maior importância. Todavia, é importante que o governo federal garanta o andamento das demarcações, independente da pasta à qual estiverem atreladas.

Cumprindo nosso dever institucional e missionário, não ficaremos calados e denunciaremos à sociedade nacional e internacional a truculência de setores do Congresso Nacional que se apoiam em uma agenda reacionária para avançar sobre direitos assegurados pela Constituição. Também nos solidarizamos com os povos indígenas, suas comunidades e organizações, diante de tamanho retrocesso e desmontes institucionais que atravancam e embaraçam ainda mais as demarcações de terras indígenas e a proteção destes territórios.

Redobramos a esperança e o respeito na sociedade e em suas instituições. Do mesmo modo, reiteramos nossa confiança que o Supremo Tribunal Federal, em sua tarefa precípua e imprescindível de guardião da Constituição, reafirmará o caráter originário dos direitos territoriais dos povos indígenas e, com isso, não permitirá que as futuras gerações sofram com os impactos das atuais decisões políticas desastrosas do Congresso Nacional.

Por fim, condenamos o retrocesso, o desrespeito institucional e a covardia dos poderosos. Ao mesmo tempo, reiteramos nossa solidariedade ao movimento indígena nesse lamentável episódio e nos colocamos ao lado dos povos originários e de todos e todas que buscam construir uma sociedade em que a diversidade de modos de vida seja respeitada e entendida como um princípio ético, humano e inegociável.

Brasília (DF), 25 de maio de 2023

Conselho Indigenista Missionário – Cimi

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM

Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB

Caritas Brasileira

Comissão Brasileira Justiça e de Paz – CBJP

Pastoral do Turismo – Pastur

Pastoral do Surdo

Pastoral dos Nômades

Pastoral da Saúde Nacional

6ª Semana Social Brasileira

Pastoral da Sobriedade

Pastoral Operária Nacional

Pastoral da AIDS

Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração

Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP

Pastoral Carcerária Nacional

Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA

 

fonte: https://cimi.org.br/2023/05/ataque-do-congresso-aos-direitos-indigenas-afronta-constituicao-e-reforca-importancia-de-derrotar-marco-temporal/


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