A Articulação de Mulheres Brasileira – AMB celebra as existências, contribuições e lutas implementadas pelas mulheres negras latino-americanas e caribenhas ao longo de nossa história e, nesse 25 de julho, mais uma vez, se manifesta pela plenitude das vidas dessas mulheres e pelo direito delas a ter direitos de existirem, viverem e resistirem em defesa de suas vidas e de seus territórios em florestas, nas águas, nos quilombos, no campo e na cidade.

PELA PLENITUDE DAS VIDAS DAS MULHERES NEGRAS LATINO-AMERICANA E CARIBENHAS

A Articulação de Mulheres Brasileira – AMB celebra as existências, contribuições e lutas implementadas pelas mulheres negras latino-americanas e caribenhas ao longo de nossa história e, nesse 25 de julho, mais uma vez, se manifesta pela plenitude das vidas dessas mulheres e pelo direito delas a ter direitos de existirem, viverem e resistirem em defesa de suas vidas e de seus territórios em florestas, nas águas, nos quilombos, no campo e na cidade.

Vivemos um tempo em que se agudiza as investidas nefastas para destruir territórios, vidas negras e indígenas. As mulheres são ainda as maiores responsáveis pela produção e reprodução social da vida e de suas famílias, e muitas vezes pagam com suas vidas, ceifadas por violências e assassinatos cruéis. As que sobrevivem, lidam com adoecimento mental, a perdas de suas filhas, filhos e maridos em decorrência de ações políticas deliberadas, escolhas seletivas e por vezes institucionalizadas com o racismo, o racismo ambiental encrustados em instituições, a violência contra as mulheres e meninas, o encarceramento de pessoas negras e desumanização da vida.

Pelo fim do racismo e violência contra mulheres negras

8 de março 2022, Salvador-BA. Foto: Acervo AMB.

Negras, Lésbicas e Trans: Há sempre um corpo estendido no chão. Nós mulheres negras, somos as maiores vítimas da violência de gênero no Brasil. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022) no ano de 2021, as mulheres negras corresponderam a: 62% de feminicídio; 72,7% de mortes violentas intencionais; 52,2% estupros e estupros de vulneráveis; e 43,3% foram vítimas assédios. Os corpos negros são inscritos pelo ódio ao fato de ser mulher, negra e pobre.

A desigualdade racial aumentou na última década, segundo a mesma fonte (FBSP: 2022). Foram 408.606 assassinatos de pessoas negras, e 72% dos homicídios foram de negros. Em 2021 a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 78% eram negras; e 84,1 % foram mortos pela polícia. Sobre a população encarcerada, as pessoas negras representaram 67,5 %. Nosso pacto negro pela vida, pela existência negra livre da violência e do racismo passa pelo fortalecimento da aliança ancestral com nossas irmãs indígenas que também tem a sua existência ameaçada.

Outra face perversa do racismo, estruturante da violência, que revela toda a sua perversidade refere-se ao assassinato de mulheres negras lésbicas – o lesbocídio. O corpo lésbico, especialmente quando ele é negro, sofre o apagamento da memória e sua negação. O dossiê de morte e violência LGBTQI, revelou que entre 2020 e 2021, morreram mais de 5.000 pessoas em razão da intolerância, das quais 42% foram de mulheres negras lésbicas assassinadas, em geral, por homens desconhecidos e 55% dos casos contra lésbicas não feminilizadas. Entre os anos de 2017 e 2022, segundo a ANTRA (Associação nacional de Travestis e Transexuais) tivemos um total de 912 (novecentos e doze) assassinatos de pessoas trans e não binárias brasileiras. Sendo 131 casos em 2022; 140 casos em 2021; 175 casos em 2020; 124 casos em 2019; 163 casos em 2018 e; 179 casos em 2017 (o ano com o maior número de assassinatos de pessoas trans na série histórica).

Encarceramento e genocídio do povo negro

Ato Justiça Por Miguel – maio de 2021, Recife-PE. Foto: Rafaella Gomes.

No Estado Brasileiro racista, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Público (2020) a cada três presos, dois são negros. Em 15 anos a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14% e branco diminuiu 19%. É fundamental dizer que com a cortina de fumaça da guerra às drogas exerce uma seletividade racial para encarcerar e matar a juventude negra no Brasil.

As mulheres e meninas negras também estão encarceradas e esses índices tem aumentado. São também as mulheres negras que, em sua maioria, denunciam as violações e torturas que acontecem nos sistemas prisionais contra seus filhos, filhas e companheiros. São estas que se organizam enquanto familiares de pessoas presas e sobreviventes do cárcere e, por isso, passam a ser intimidadas a ameaçadas. Enquanto isso, os grandes empresários das drogas estão livres e impunes.

Não ao Marco Temporal, ao racismo e por justiça socioambiental

Ato contra o Marco Temporal. Foto: Renan Khisetje.

Sangue Indígena e Sangue Negro derramados. No Brasil, vivemos a constante tragédia humana que se revela como verdadeiro genocídio de pessoas indígenas e negras. Vivemos nos últimos quatro anos a tragédia das violências, assassinatos, ameaças ao povo Yanomami, abandono e desassistência, numa política de desumanização da vida e eliminação de seus sujeitos políticos. O que torna essa pratica um genocídio, maior do que foi a invasão dos seus territórios entre as décadas de 70 e 80 em que mulheres, homens e crianças foram assassinadas por garimpeiros no massacre de Haximu, na fronteira entre Brasil e Venezuela. E agora dois assassinatos em Boa Vista, de Angelita Yanomami e Ana Yanomami, e mais um caso de estupro de uma Yanomami.

Essa realidade atinge povos de diferentes etnias em territórios na Amazônia, no Nordeste, Centro-Oeste, entre outros, e sempre tem mulheres e meninas entre as vítimas. Como no povo Munduruku no Pará onde lideranças vivem sob ameaças, com ações criminosas de incêndios de casas e tiroteios. Alessandra Munduruku e Leusa Kaba Munduruku são as duas líderes mais ameaçadas desse povo. Também vivem sob constante ameaça os Guarani em São Paulo, povos no Mato Grosso, no Maranhão, na Bahia, em Pernambuco e outros estados.

No estado de Santa Catarina, região Sul, o caso em expectativa é a demanda do Instituto de Meio Ambiente de SC contra o povo Xokleng e a FUNAI junto ao STF – que deve retomar o julgamento do Marco Temporal com o Recurso de Repercussão Geral (que também vale para outras terras indígenas do Brasil) número 1.017.365. Em resumo, a tese do Marco Temporal estabelece que os povos originários só terão direitos aos seus territórios tradicionais se estivessem neles antes da Constituição de 1988, apagando toda violência, extermínio e perseguição que os povos indígenas enfrentaram desde a colonização. Reconhecer o direito originário dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais é o primeiro passo para uma reparação histórica.

Essa prática de investidas contra povos originários e seus territórios tradicionais, o saque dos bens da natureza e sua degradação ambiental que põem em riscos vidas humanas, vidas de animais, plantas, águas e clima é a pura expressão do racismo socioambiental e do ecocídio. A injustiça social, ambiental e econômica atinge especialmente as etnias dos vários povos originários, as mulheres, meninas e seus povos vulneráveis e desprotegidos, tanto por meio do racismo como de práticas nocivas que impactam suas vidas, seus ambientes, modos de vida, culturas e a sociobiodiversidade.

O marco temporal, é uma proposta para eliminar a existência do outro, desumanizando-o, desqualificando-o, tentando colocá-lo como um ser inferior e promovendo o processo histórico de etnocídio com apagamento político e cultural dos povos originários. A proposta do Marco Temporal, que tratou o Projeto de Lei (PL) 490/07, aprovada na Câmara Federal por 283 deputados conservadores, é uma afronta aos direitos indígenas originários, torna mais frágil ainda a proteção e demarcação das Terras Indígenas, viola o direito de consulta livre, prévia e informada. Ela escancara o acesso as Terras Indígenas aos invasores, ao garimpo, ao agronegócio, a especulação e a grilagem.

A proposta do Marco Temporal está no senado sob o número de PL 2.903/2023, sem data para ser votado. Precisamos manter a mobilização e solidariedades as mulheres indígenas e seus povos. A violência atinge a todas nós. Não queremos águas envenenadas por mercúrio, nem consumir peixes contaminados. Todas as mulheres e meninas indígenas, seus povos – e a população como um todo – têm direito ao ar limpo, alimentos sem venenos, água própria para o consumo e vida digna. Existir, lutar, resistir. Precisamos de todas as mulheres vivas.

 

Reparação e Bem Viver

“A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.”

CONCEIÇÃO EVARISTO, POEMA VOZES MULHERES

Há muito tempo tem se falado e apontado o caminho da reparação histórica para o povo negro no Brasil. Não tem como exigir reparação sem aprofundar a compreensão política desta pauta histórica do movimento negro e das lutas antirracistas no Brasil e no mundo. É necessário voltar a memória para reafirma liberdade com coragem, resgatando o período escravocrata marcado pelo sequestro, violência e genocídio negro e trabalho forçado. É preciso destacar que o Brasil foi o país do continente americano que mais importou escravos africanos entre os séculos XVI e XIX, e cerca de quatro milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidas à força. O que representa mais de um terço de todo tráfico negreiro no mundo. Reconhecer a escravidão e o tráfico de africanos enquanto crimes contra a humanidade e exigir reparação histórica é um ato político fundamental contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas, como afirmar e lembra o marco histórico que foi a Conferência Mundial de 2001 realizada pela ONU em Durban.

Sabemos que a dívida histórica diante das milhares de vidas negras interrompidas é impagável. Contudo, cruzar a linha atlântica e apontar o Estado Brasileiro enquanto devedor, é lutar e movimentar resistência negra por políticas reparatórias pela escravidão no Brasil. Segundo a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) o Brasil é um país atrasado no debate, nas ações e no entendimento das consequências do período da escravidão para a população negra brasileira. É necessário que ocorra a efetiva responsabilização em todos os aspectos ao direito a vida, a memória e a justiça nas suas dimensões educacional, profissional, política, econômica, cultural e social abrangendo ações afirmativas em todas as políticas públicas no combate às desigualdades sociais e contra o racismo.

No Brasil há ações afirmativas existentes e resistentes como a Lei nº 12.711/2012 de cotas raciais para o ingresso no ensino superior; a Lei nº 12.990/2014 que determina reserva de 20% de vagas para negros nos concursos públicos; a Lei nº 10.639/2003 que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e os avanços no direito à saúde com a construção do conceito de saúde da população negra.

O objetivo principal dessas leis enquanto ações afirmativas é a reparação, que não deve ser encarada como algo individual, mas sim coletivo e de combate ao racismo estrutural diante da desigualdade histórica. Assim, a luta por políticas de ações afirmativas tem sido fundamental para a compensação histórica processual dos direitos sociais, da justiça social, da equidade racial, direito a vida plena e a liberdade da população negra brasileira. Contudo, ainda é preciso avançar muito, porque apenas essas poucas leis não reparam a desigualdade de oportunidades, sendo insuficientes no combate para a superação do racismo colonial e imperialista exercido pela sociedade brasileira racista. A retomada da democracia brasileira precisa ser parte do projeto por reparação histórica do povo negro no Brasil.

A luta por reparação segue alinhada ao pensamento e a prática ancestral afro-indígena onde se propõe um novo pacto político includente, amoroso, solidário, comunitário e ancestral que traduz a concepção do Bem Viver conforme descrita na Carta da Marcha das Mulheres Negras, 2015 onde “constitui as novas concepções de gestão do coletivo e do individual; da natureza, política e cultura, que estabelecem sentido e valor à nossa existência, calcados na utópica de viver e construir o mundo de todas (os/es) e para todas (os/es). Na condição de protagonistas oferecemos ao Estado e a sociedade brasileira as nossas experiências como forma de construirmos coletivamente uma outra dinâmica de vida e ação política, que só é possível por meio da superação do racismo, do sexismo e de todas as formas de discriminação, responsáveis pela negação da humanidade de mulheres e homens negros”. O bem viver tem sido forjado a partir de concepções, sentidos coletivos e individuais fincados na utopia de um mundo que caibam as individualidades, subjetividades e diferenças de todes os seres vivos neste planeta.

A reparação se funde parte do pacto civilizatório na perspectiva do Bem Viver, pois este é um pacto pela vida por negarmos a política de morte, de negação da existência negra e indígena, a desumanização dos povos tradicionais e originários e destruição das culturas e valores que são princípios fundamentes para viver enquanto princípio de existência no planeta. As formas de vida negra e indígenas tem sido combatida e destruída pela lógica perversa do capitalismo neoliberal e extrativista, entretanto, somos povos que seguimos existindo como parte do planeta. Sendo parte do ecossistema que retroalimenta a vida coletiva, resistimos numa aliança ancestral de luta contra o racismo forjando a luta antirracista da AMB.

16/11/2005, Brasília. Foto: Acervo AMB.

Nessa 11ª edição do julho das pretas marchamos contra o fascismo, o racismo, o ódio e a estrutura escravocrata centrada no sistema de poder protagonizado por pessoas brancas, heterossexuais, com capital econômico e político que seguem explorando e dominando as minorias sociais, e contra as instituições que praticam toda forma de violência, opressões, desigualdades socais e desumanização de corpos e culturas. Lutamos pela superação do racismo, do sexismo e de todas as formas de discriminação, responsáveis pela negação da humanidade de mulheres negras e indígenas. Lutamos pela titulação dos territórios quilombolas, o reconhecimento e o respeitos dos diversos modos de vida tradicionais. Seguimos construindo coletivamente, com muitas mãos o projeto político do Bem Viver pela vida e existência das mulheres negras e indígenas.

Um Brasil com política antirracista por reparação, sem violência, sem racismo e estruturado pelo Bem Viver!

fonte: https://ambfeminista.org.br/manifesto-amb-julho-das-pretas-2023/

 


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