Artesãos dos povos Matis, Marubo, Mayoruna e Kanamari do Vale do Javari participam de oficina, em Atalaia do Norte, Amazonas, e adquirem as técnicas do artesanato de cestaria Ticuna, do Alto Solimões

 

Mulheres Matis, Marubo, Mayoruna e Kanamari escolhem as melhores fibras para oficina de artesanato. Foto:Cimi Equipe Javari

 

POR LÍGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL NORTE I
 

Melhorar a vida promovendo troca de conhecimentos e gerando renda através do aperfeiçoamento das habilidades próprias dos indígenas na criação e produção de artesanatos foi um dos objetivos da Oficina de Artesanato Indígena. O evento foi realizado nos dias 23 e 24 de outubro, em Atalaia do Norte, Amazonas, em parceria do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I com a Associação de Mulheres Indígenas (Mai).

O projeto trouxe 24 participantes dos povos Matis, Marubo, Mayoruna e Kanamari,  buscando “alternativas específicas de desenvolvimento econômico e social no contexto urbano e fortalecimento de algumas iniciativas culturais e econômicas”. Na ocasião, os indígenas puderam conhecer e apreender as técnicas de produção de cestarias do povo Ticuna, do Alto Solimões, com as artesãs Elizabete Ticuna e Maura Ticuna, do município de Benjamin Constant, da Associação de Mulheres Indígenas Artesãs Ticuna (Amatü), da comunidade Bom Caminho.

 O projeto trouxe 24 participantes dos povos Matis, Marubo, Mayoruna e Kanamari

Intercâmbios interculturais e troca de saberes entre os povos indígenas tem se realizado constantemente e são uma modalidade de formação e avanço cultural muito importante para o fortalecimento das organizações indígenas em toda a Amazônia. As equipes de missionários do Cimi Regional Norte I percebem que essas atividades “fortalecem as capacidades de gestão e articulação em rede e melhoram o desenvolvimento de suas iniciativas”. Para os missionários nesses momentos tem se criado oportunidades de diálogos sobre diferentes temáticas de interesse comum entre os indígenas.

A troca de experiências e de estratégias de ação, o diálogo sobre problemas e conquistas, desafios e metodologias de como ultrapassá-los, a produção de documentos para incidências em políticas públicas são alguns dos resultados que podem ser alcançados durante os intercâmbios.

Intercâmbios interculturais e troca de saberes entre os povos indígenas são uma modalidade de formação e avanço cultural

Ajustando os talos da base da cesta durante a oficina de artesanato. Foto Cimi Equipe Javari

Para Janete Cruz Marubo, a Oficina trouxe um conhecimento a mais sobre um artesanato que ela desconhecia. “Eu sei fazer pulseiras, colar e outros artesanatos de sementes, mas esse aqui de palha [fibra] dos parentes Ticuna, eu estou aprendendo, [no começo] é difícil, mas eu estou aprendendo, estou me esforçando para aprender porque é muito bonito”, disse.

A ampliação de conhecimentos sobre um novo tipo de artesanato possível é o que as artesãs Marubo sentiram quando conheceram as técnicas da cestaria Ticuna. Silvana Marubo, coordenadora da Mai, disse que a novidade e o aperfeiçoamento das habilidades vão permitir melhorar a renda e a vida das mulheres artesãs. “Essa troca de conhecimento é muito importante para nós mulheres aqui da nossa região Vale do Javari, porque as mulheres do meu povo Marubo trabalham muito com cerâmica, cocos, tucumã, tucum e também, com reciclagem de frasco de xampu. A cestaria é nova pra nós, e fica muito bonita. Então, essa troca de experiência está sendo ótima porque moramos na cidade e vamos poder melhorar a renda”, comemora.

“É difícil, mas eu estou aprendendo, estou me esforçando para aprender porque é muito bonito”

Silvana tem expectativas de continuidade dos aprendizados. “Tomara que venha novas etapas, com mais dias para aperfeiçoamento porque muitas jovens ficaram ainda com dúvidas. Então como foi só dois dias, a gente achou muito curto, mas o que aprendemos foi bastante e muito importante para nós”, afirmou.

Lindalva e Sandra Mayoruna, duas artesãs que não dominam o português, também acharam que foi pouco o tempo de oficina e pediram a realização de outros encontros. “As oficinas foram poucas, só dois dias. Deu pra aprender, mas precisa mais. Tenho dificuldades [no trançado] e quero aprender mais, ter mais prática. Quero fazer a oficina de novo”, considerou Lindalva, traduzida por Silvana Marubo, que domina o português e a língua Mayoruna. Sandra, que também teve seu depoimento traduzido por Silvana, também manifestou seu desejo de continuar aprendendo. “Eu estou fazendo essa cesta aqui e tenho dificuldade [de pegar a ponta da fibra], mas eu vou aprender, é só o começo”, afirmou.

“Quero aprender mais, ter mais prática. Quero fazer a oficina de novo”

Aplicando técnicas de cestaria durante oficina. Foto Cimi Equipe Javari

A artesã Dani Matis demonstrou orgulho pelo que sabe fazer e vontade de aprender mais sobre o que não conhecia: o trançado de fibra vegetal para produzir cestas. “Eu sou indígena Matis e com meu material eu sei fazer pulseira e colar. Mas, agora com oficina eu quero aprender tudo com as Ticuna. Eu quase que aprendi tudo “, declarou.

Os jovens artesãos que participaram demonstraram curiosidade e desejo de aprendizado. Samuel Andrade dos Santos, jovem Kanamari, se identificou com a tecelagem e também se orgulhou do interesse que todos os povos do Vale do Javari tiveram pelos aprendizados. “É a primeira oficina que eu participo de aprendizado em produção de cestas e estou gostando muito. Nossas instrutoras Ticuna são boas para ensinar e estamos aqui com as etnias Mayoruna, Marubo, Matis e Kanamari para aprender a produzir os cestos que elas fazem, para mais na frente a gente produzir mais e tirar um benefício social e familiar, de renda”, concluiu animado.

“É a primeira oficina que eu participo de aprendizado em produção de cestas e estou gostando muito”

A parceria com a Mai surgiu após a equipe do Cimi Regional Norte I, que atua na Terra Indígena Vale do Javari, realizar um levantamento sobre a situação dos povos indígenas em contexto urbano, em Atalaia do Norte.

O levantamento permitiu definir as atividades junto aos povos indígenas que moram na cidade e contribuir com o enfrentamento dos seus problemas, especialmente para a geração de renda a partir das habilidades que já possuem, como é o caso do artesanato e da produção de farinha. “Para que os indígenas possam melhorar sua renda a partir de produções mais apuradas, mais qualificadas, e com isso conquistar mais vias de comercialização para suas produções”, afirma Francesc Comelles, coordenador do Cimi Regional Norte I. Para a coordenadora, as oficinas proporcionam um momento de união entre os artesãos. “É um momento do povo se juntar”, declarou animado.

“É um momento do povo se juntar”

Cestos produzidos na oficina de artesanto. Foto: Silvana Marubo

Kell Wadick, missionário do Cimi Norte I, equipe Javari, também se sentiu animado com a oficina e com a dedicação dos participantes. “Participaram mulheres e alguns jovens, isso foi muito bom. Avaliando a partir dos participantes, de seus depoimentos e produções que fizeram, nossa equipe achou que [a oficina] foi bem proveitosa, e que todos se apresentaram bastante interessados e dedicados”.

Contexto urbano: um desafio para os indígenas

No levantamento feito pela equipe do Cimi, em Atalaia do Norte, a migração de indígenas de seu território para a cidade se intensificou na década de 1990 justificada pela ausência de políticas públicas no território. “A partir da década de 1990, os indígenas que viviam em contexto urbano, não chegavam a dez pessoas morando na cidade. Com o passar dos anos, por falta de atendimento adequado no território, tanto na saúde quanto na educação, os indígenas começaram a migrar para a cidade, a princípio lentamente pelo receio do preconceito que, já naquela época, era forte”, aponta o levantamento.

No início do século XXI, diz o documento, a prefeitura de Atalaia cria a Secretaria de Assuntos Indígenas, mas constata-se que foi mais um engodo político do que realmente promoção e implementação de políticas indígenas nas aldeias.

A migração de indígenas para a cidade se intensificou na década de 1990 justificada pela ausência de políticas públicas no território

 

Mulheres tecendo as fibras. Foto Cimi Equipe Javari

“Nos anos 2000, apesar de o prefeito ser o maior madeireiro desta região de Atalaia do Norte e que tinha como lema, ‘índio bom é índio morto’, cria a Secretaria de Assuntos Indígenas, colocando um indígena Marubo como secretário desta pasta municipal. Mesmo assim, não se conseguiu avançar com as políticas públicas nas aldeias e nesse período os indígenas começam a migrar em maior número para a cidade, por não haver educação de qualidade nas aldeias. É também nessa época que se inicia o cadastramento dos programas sociais do governo federal”.

O levantamento também indica que nos últimos anos foi observada uma grande migração dos indígenas das aldeias para a cidade de Atalaia do Norte, e apresenta os principais motivos que levam os indígenas à cidade. “Agora [atualmente], um dos motivos principais é a necessidade de acessar serviços públicos: prefeitura, banco, receber seus benefícios sociais, busca de melhor educação, etc. Além do mais, existem famílias que fixaram residência na cidade, o que é um fator de atração para outros familiares e indígenas permanecerem na cidade”.

Um dos motivos principais [para migração] é a necessidade de acessar serviços públicos, receber seus benefícios sociais, melhor educação

De acordo com o diagnóstico da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), “em 2018, havia aproximadamente 900 indígenas na zona urbana do município de Atalaia do Norte”. Hoje, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2022/2023, “são em torno de 2.636 indígenas fora da Terra Indígena Vale do Javari”.

No ranking de 5570 cidades brasileiras, Atalaia do Norte está na posição 5117, em termos de sustentabilidade da cidade, aponta o estudo da equipe do Cimi Vale do Javari, Regional Norte I, com base nos dados do Instituto Cidades Sustentáveis. “As condições de vida no município de Atalaia do Norte são difíceis e os indígenas sofrem dificuldades em relação à integração socioeconômica e também territorial. De fato, os indígenas sofrem com preconceitos e violências na cidade e nos espaços de vida (banco, escolas, entre outros). No aspecto territorial, eles moram, principalmente, nos bairros mais humildes da cidade, onde não tem água potável, nem saneamento básico”, afirma o estudo.

“Os indígenas sofrem com preconceitos e violências na cidade”

Oficina de artesanato- Integrando conhecimentos. Foto Cimi Equipe Javari

Tais condições de vida já foram apontadas pelo Cimi em seus diferentes regionais em 2015 e, mais recentemente, em 2022, nos artigos “Índios Urbanos: buscando as raízes longe da natureza” e “Os direitos indígenas que se consolidam nos contextos urbanos”, sendo este último de autoria do missionário Roberto Liebgott, do Cimi Sul.

Contribuir com ações de fortalecimento da identidade indígena nos espaços em que os indígenas quiserem ocupar é missão do Cimi em seus regionais. Em Atalaia do Norte, a equipe se une às organizações indígenas para realizar essas contribuições. O aprimoramento do artesanato indígena dos povos Marubo, Matis, Mayoruna, Kanamari e Ticuna é uma das estratégias.

fonte: https://cimi.org.br/2023/10/oficina-de-artesanato-promove-intercambio-de-saberes-entre-indigenas-em-contexto-urbano/

 


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