Em contraposição à ideia de Economia Verde pregada pelo mercado, comunidades brasileiras se organizam em torno de projetos colaborativos e sustentáveis. 



Por Isadora Morena
Revista Casa Comum - www.revistacasacomum.com.br


As mulheres do projeto Flores de Ximenes em Barreiros (PE).
Foto: Rafaela Vasconcelos/Ascom IFPE

Como resposta à crise socioambiental enfrentada globalmente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) lançou, em 2008, a Iniciativa de Economia Verde (GEI, na sigla em inglês), com o intuito de motivar governos a desenvolverem projetos e programas ditos economicamente sustentáveis.

Apesar de a “Economia Verde” ser definida pelo Pnuma como “aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e na equidade social, ao mesmo tempo que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”, não se pretende com ela alterar os modos de produção e consumo do atual sistema, o capitalismo.

O termo, popularizado na Rio+20, pelo contrário, corresponde a um processo de financeirização de bens comuns – como a qualidade do ar, do solo e da água. Por exemplo, temos os créditos de carbono, que dão a liberdade de grandes empresas e nações poluírem, com a realização de ações de compensação ambiental, promovidas geralmente em territórios periféricos do planeta. Os créditos criaram um novo mercado, o de venda de “ativos verdes”.


Ciclo Formativo “Polinizando a Economia de Francisco e Clara na Amazônia”, da Casa Amazônica de Francisco e Clara. Foto: Diego Aguiar

 

Em contraposição a essa nova roupagem do capitalismo, surgem diversas iniciativas propondo novas economias. Não dá para pensar num novo estilo de vida sem um novo modelo de cultivo, produção e consumo. Por isso, construir novos modelos e sistemas econômicos é prioritário nesse contexto ambiental atual.

No Brasil, desde o chamado do Papa Francisco pela Economia de Francisco, um novo pacto econômico a partir de uma ecologia integral, vêm se constituindo as Casas de Francisco e Clara, espaços de discussão e ação local com o intuito de fomentar “economias solidárias, ecológicas, circulares, regenerativas, colaborativas em que todos caibam”, como afirma a Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara (ABEFC), em seu documento orientador.

A primeira Casa de Francisco e Clara criada no Brasil foi em Florianópolis (SC), a partir do trabalho do Instituto Vilson Groh (IVG), desenvolvendo uma moeda social para a comunidade de Monte Serrat. Com a moeda social, a comunidade realiza compras coletivas de alimentos.

Nessa iniciativa, as pessoas que podem contribuem doando o seu dinheiro em reais, o que gera uma compra coletiva. Os alimentos são distribuídos também para os que não conseguiram ajudar financeiramente na compra. Isso é possível porque em grande quantidade os alimentos são adquiridos de forma mais barata.

“A moeda social tem um atrativo formativo. Por meio dela, que não é a moeda do capital, mas sim da solidariedade, as pessoas conseguem compreender que existe um problema nesse sistema econômico atual e existem fórmulas de a gente construir novas formas de economia popular, solidária, coletiva e comunitária”, afirma Eduardo Brasileiro, integrante do Secretariado da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

A mais recente Casa de Francisco e Clara fica em Manaus (AM). Ela é fruto da mobilização de religiosas e de integrantes da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM). Com sede própria, doada por uma congregação religiosa, a Casa tem atuado em duas frentes: a agroecológica e a formulação política.

Segundo Eduardo, nesse projeto, “a agroecologia terá duas finalidades, uma formativa – de compreender como a gente se relaciona com os alimentos, como produz – e, também, a de ajudar as comunidades do entorno que possam usufruir do que será produzido nessa Casa, que consideramos a principal.”

Outro aspecto é que a Casa seja um espaço de debate sobre a economia para a Amazônia a partir dos seus povos, em especial dos povos originários, pensando quais os debates econômicos que estão influenciando o futuro da floresta e da região. Esse grupo pretende se fortalecer para pautar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada no Brasil em 2025, em Belém, no Pará.

Há outras Casas de Francisco e Clara espalhadas pelas cinco regiões do Brasil, como nas cidades de Brasília (DF), Recife (PE), Curitiba (PR), São Paulo e Campinas (SP). Cada uma realiza uma prática diferente, como feiras agroecológicas e cozinhas solidárias. Em julho e agosto de 2023, todas essas iniciativas se reuniram na Escola de Articuladores e Articuladoras da Economia de Francisco e Clara. O espaço foi de formação e, também, de imersão na experiência de cada território com o objetivo de inspirar a criação de novos projetos em outras localidades do país.

Segundo Eduardo, “a Casa de Francisco e Clara não é necessariamente um espaço físico. Ela pode ser um salão comunitário, um espaço de igreja, uma sala de associação, um encontro debaixo de uma árvore, uma roda de conversa na praça pública. A ideia é culminar na cultura do encontro, as pessoas se encontrarem para debater e construir projetos.” Essa proposta não tem um cunho confessional religioso. Qualquer pessoa, com ou sem filiação religiosa, pode integrar às Casas e participar ativamente dos projetos.

Diante das novas economias, a agroecologia é um forte princípio. Porém, Vivian Delfino Motta, pesquisadora e professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) da cidade de São Roque (SP), defende o uso do termo no plural, enfatizando a diversidade de práticas agroecológicas.

Segundo Vivian, que integra o Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Agroecologias (NEGRAS), a expressão agroecologia, “por mais nova e recente que pareça, na verdade está constituída de uma cultura, um arcabouço de conhecimento que é ancestral, quiçá milenar.” Para ela, essa palavra é, na verdade, um roubo epistemológico de diversos saberes e práticas populares, tradicionais, originárias, de relação com o território e seus recursos.

Apesar da crítica, a pesquisadora entende que o termo não deve ser abandonado, pois congrega a pluralidade de experiências com várias denominações e se popularizou, já tendo se tornado, inclusive, uma política pública. Mas como dito, deve ser pluralizado.

Nesse sentido, ela afirma que o que conhecemos hoje como agroecologia deve servir de reparação histórica aos povos, e para que isso se materialize é preciso “uma transformação social a partir da centralidade do território, da água e da comida” com uma perspectiva intrinsecamente racializada.

Durante sua trajetória, Vivian participou de inúmeras experiências agroecológicas, como é o exemplo do projeto Flores de Ximenes, do assentamento Ximenes, localizado na cidade de Barreiros (PE).

Essa comunidade originalmente vivia em Cabo de Santo Agostinho, cidade litorânea de Pernambuco, e teve seu território desapropriado para a construção do Porto de Suape. As famílias migraram, passando a viver em Barreiros, na Mata Sul pernambucana, região de intensa produção de monocultura de açúcar e que, por isso, tem um solo fragilizado, pouco fértil. As mulheres que antes viviam da produção de frutas, especialmente do cajá, estavam passando fome na nova localidade.

Em parceria com o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) de Barreiros, onde Vivian atuava na época, elas começaram a estudar e desenvolver práticas agroecológicas, como sistemas agroflorestais, que transformaram o assentamento. De forma auto-organizada, conseguiram voltar a produzir e comercializar frutas e, mais recentemente, passaram a produzir mel, garantindo a subsistência da comunidade de forma sustentável, integrada à natureza.

No momento, Vivian tem se envolvido, a partir do NEGRAS, em parceria com o Movimento Negro Unificado (MNU), em ações realizadas em Taboão da Serra e Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, para produção de comida a partir do cultivo de alimentos em pequenos espaços. “A ideia é que cada casa tenha o seu quintalzinho produtivo, quer seja de garrafa PET, em vaso ou, se tiver, terreno”, afirma a professora.

A perspectiva desse projeto é resgatar a historicidade desses territórios, recuperando as práticas antigas, como o consumo de plantas hoje chamadas de PANCS – Plantas Alimentícias Não Convencionais, ditas não convencionais, mas comuns na alimentação dos mais antigos. Em suas experiências, Vivian demonstra que as novas economias são, nada mais do que, a volta às práticas comunitárias ancestrais.

 

fonte: https://revistacasacomum.com.br/o-resgate-de-economias-populares-e-ancestrais-para-a-geracao-de-vida/

 


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