Trinta anos depois de se graduarem na UnB, oito colegas se reúnem para formar o Antropo(i)lógicas, que une arte e ciência para provocar reflexões sociais

Lara Costa* - Correio Braziliense
postado em 25/02/2024 
 Márcia Gramkow, Nei Clara de Lima, Lelia Lofego e Patrícia Rodrigues no ateliê Vilarejo 21, onde o grupo se reúne mensalmente -  (crédito:  Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
Márcia Gramkow, Nei Clara de Lima, Lelia Lofego e Patrícia Rodrigues no ateliê Vilarejo 21, onde o grupo se reúne mensalmente - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

 

Oito amigas, ex-alunas da Universidade de Brasília (UnB), se reúnem, 30 anos após a formatura na faculdade, para fazer colagens. A novidade, nesse caso, é que as profissionais não são formadas em artes, mas em antropologia. O coletivo Antropo(i)lógicas nasceu com o objetivo de expressar pensamentos e reflexões sobre o mundo de forma artística

As profissionais trabalham com a linguagem da colagem, uma composição por meio de materiais visuais, de texturas diferentes, que formam novas imagens. O projeto existe desde 2022 e pode ser conhecido no Vilarejo 21, espaço independente de arte, criatividade e cultura localizado no Paranoá, onde acontecem os encontros do grupo.

As colagens realizadas pelo coletivo Iló, como ficou conhecido, geralmente são feitas com base em temas, que acabam se tornando séries, como totens, seres híbridos, personas, pessoas-árvores. Tudo é feito de maneira intuitiva, conforme o repertório simbólico, imagético e pessoal de cada participante. Como inspiração, as amigas trazem referências do Surrealismo e Dadaísmo, de trabalhos de campo realizados na antropologia e de outros grupos de colagem e artistas que admiram. As experiências são feitas com guache, aquarela, e, principalmente, recortes de revistas e livros, incluindo fotografias encontradas nesses materiais.

Para Lelia Lofego, coordenadora do coletivo, a arte é inerente à antropologia e pode expandir as discussões da área. “A arte é uma possibilidade da fazermos críticas sociais, mas também é uma possibilidade de sonhar e transcender, para mostrarmos o surreal e o real”, explica. A ideia do coletivo surgiu de um projeto que Lelia realizava, anteriormente, no Hospital Sarah Kubitschek. A colagem era usada para estimular a criatividade em pacientes em reabilitação.

Para Lelia Lofego, coordenadora do coletivo, colagens são uma forma de criticar, pensar e imaginar velhos e novos mundos. “Para entender melhor essa conexão entre antropologia e colagem, precisamos voltar à história da própria antropologia, que surgiu no contexto europeu pós 1ª Guerra Mundial, quando também surgiram o Dadaísmo e o Surrealismo. Nesses movimentos, a colagem aparecia como resposta à falta de sentido de um mundo em guerra. As vanguardas artísticas e a antropologia foram, ambas, críticas a uma ideologia que excluía o outro, o diferente, como parte da mesma humanidade”, explica.

Ela destaca que a colagem é uma linguagem artística democrática, que não demanda habilidade técnica nem materiais especiais. “Frente a mundos em colapso, em guerras e pandemias, a arte alcança um outro sentido, um refúgio e uma resposta contra a barbárie”, completa.

 

Oito mulheres, todas brancas, estão ao redor de uma mesa. Cinco estão em pé, cinco sentadas. Elas sorriem
Coletivo Iló é composto por: Lelia Lofego, Márcia Maria Gramkow, Nei Clara de Lima, Adriana Mariz, Rita de Almeida Castro, Lara Santos de Amorim, Christine de Alencar Chaves e Patrícia de Mendonça Rodrigues (foto: Arquivo pessoal)

 

Márcia Maria Gramkow, uma das integrantes do grupo, acredita que a colagem é uma arte que conversa com áreas específicas da ciência. “É uma maneira de representação, uma forma de linguagem, que se conecta com disciplinas como a antropologia visual, em que se produz material fotográfico, registros, formas de transmitir o trabalho, o pensar”, exemplifica.

Capacitação

Ao criar o coletivo, nem todas as participantes tinham familiaridade com a técnica, por isso, foi preciso um tempo de estudo e preparação. A formação, que acontece de forma continuada, é promovida durante os encontros mensais do grupo.

Para Nei Clara de Lima, pesquisadora que atua na área de patrimônio cultural, material e imaterial, o processo de aprendizagem da arte da colagem tem sido desafiador, mas compensatório. “Meu trabalho sempre foi mais voltado para a escrita acadêmica e a dimensão teórica da antropologia. Então, a experiência com a colagem tem me mostrado formas de compreender a cultura numa dimensão, digamos, mais interiorizada. Ou seja, o que aprendi e tenho aprendido com o olhar antropológico tem se mostrado, na colagem, uma experiência cada vez mais poética.”

Nei acredita que ainda tem um longo caminho para que o grupo venha se especializar na área e se enxergar enquanto coletivo de arte, de fato, mas, para ela, a importância maior da experiência está em se expressar artisticamente. “Eu já não enxergo o mundo há muito tempo sem a antropologia, mas quero ultrapassar essa leitura para poder entender meu inconsciente de forma mais profunda, para compreender também como é que a cultura chega nesse plano”, explica.

Divulgação

 

Duas mulheres estão de costas ajeitando um varal onde penduram papeis com imagens
Nei Clara e Patrícia Rodrigues criam painel no ateliê Vilarejo 21, onde o grupo se reúne (foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

 

A divulgação das colagens do Antropo(i)lógicas ocorre pelo Instagram @coletivoilo, que contém um arquivo dos trabalhos realizados e textos que buscam contextualizar conceitualmente as imagens. A visibilidade por meio das redes sociais permitiu que elas entrassem em contato com outros grupos, como a Sociedade Brasileira de Colagem e a Rede Collage Brasil.

“No Instagram, conhecemos toda uma comunidade de colagistas com quem podemos dialogar e trocar experiências”, fala Lelia. “Queremos conhecer o processo de produção de outros colagistas, com diferentes maneiras de criar”, reforça Márcia.

Adriana Mariz conta que o coletivo começou a se reunir no ateliê de Lelia sem pretensões, mas que, agora, observa o trabalho ganhar corpo. “Temos recebido convites para participar de conversas e encontros abertos com outros coletivos e estamos buscando editais para fazer uma exposição e um livro, reunindo nosso trabalho”, revela.

Para a idealizadora do projeto, porém, o coletivo traz um diferencial em relação aos outros com quem elas têm trocado experiências: é composto apenas por pessoas que possuem a mesma formação. “A maioria dos coletivos são heterogêneos, com pessoas de diversas formações, então, o nosso tem essa singularidade de ter apenas antropólogas fazendo parte, o que resulta em uma linguagem comum a essa área do conhecimento”, afirma.

Além das galerias

As colagens produzidas pelo grupo se expandiram para os locais de trabalho das participantes, como materiais de terapia e disciplinas em universidades. Adriana Mariz, além de sua formação como antropóloga e atriz, é terapeuta holística e facilitadora de grupos de autodesenvolvimento. Desde a pandemia, entrou em contato com a colagem através do método da SoulCollage, e se encantou: “Essa lufada de criatividade transformou meu olhar, trazendo mudanças incríveis no meu trabalho profissional, que passou a contar com a colagem como elemento lúdico e intuitivo que, ao estimular a imaginação e a criatividade, traz uma nova perspectiva para o sujeito em seu trabalho sobre si mesmo e sua relação com o mundo.”

Ela afirma que colagem e antropologia, ou seja, arte e ciência, são áreas que podem ser trabalhadas de forma multidisciplinar. “O maior desafio é enfrentar as forças sociais retrógradas que teimam em demonizar a arte e a ciência, com um discurso que quer separar aspectos que são inseparáveis da alma humana, como a poesia, a intuição, a curiosidade, o gosto pelo conhecimento, o prazer de estar no coletivo”, explica.

A colega Rita de Almeida Castro também aproximou a colagem ao teatro por meio da disciplina “Práticas performativas em diálogo com abordagens orientais: percepção, sentidos e imaginação”, que leciona no curso de artes cênicas da UnB, onde atua há 29 anos. A disciplina é nova, ofertada desde 2022, e trabalha com a colagem sob a perspectiva dos haikais, poesias japonesas. Os estudantes precisam fazer as montagens considerando elementos abstratos relacionados aos seus sonhos.

Rita atua como artista há décadas — trabalhou temas das artes cênicas em suas pesquisas de graduação, mestrado e doutorado. Mesmo com toda essa trajetória, ela conta que ter entrado em contato com a colagem foi revelador: “Você começa a se adentrar na colagem, ver que existem camadas nas texturas, e amplia sua visão do mundo. Isso, para um artista, é muito rico.”

Para além da experiência pessoal, do outro lado da tela, o coletivo deseja promover reflexões diversas no imaginário de quem vê as colagens “e, quem sabe, o desejo de também se aventurar por essa experiência, que toca tão de perto o imponderável, o desapego, a intuição, o efêmero”, aposta Adriana.

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/trabalho-e-formacao/2024/02/6804097-arte-e-ciencia-antropologas-fundam-coletivo-de-colagem.html

 


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