IBGE divulga nova leva de dados do estudo demográfico que mostra como pretos, pardos ou indígenas, e a região Norte como um todo, compõem as populações mais impactadas pela privações de recursos e direitos. Na imagem, casas em áreas de várzea ficam coladas ao rio Negro, em Manaus, onde são lançados dejetos.

 

A reportagem é de Eduardo Nunomura, publicada por Amazônia Real, 23-02-2024.

Novos números do Censo 2022 revelam o que todos deveriam estar vendo, mas muitos preferem fingir que não, não existe racismo ambiental. Porém, como negar o fato de que sete em cada dez brasileiros que vivem em moradias precárias são pretos, pardos ou indígenas? Ou que as cidades brasileiras com menores índices de coleta de lixo estão localizadas na Amazônia Legal? Hoje menos da metade dos moradores da região Norte possui esgoto sanitário na porta de suas casas, uma taxa ainda inferior à da média brasileira de 20 anos atrás.

Os resultados, divulgados nesta sexta-feira (22) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentam as características dos domicílios brasileiros até o nível dos municípios – bairros e distritos, desta vez, ficaram de fora. Os dados trazem o recorte do tipo de moradia, se ela possui água ou não, se há coleta de lixo, esgoto e banheiro, podendo fazer a distinção também por raça e cor. De maneira geral, o Brasil está melhor que há 10 ou 20 anos, avançado em todos esses indicadores sociais.

Se 92,3% dos brasileiros tinham um banheiro exclusivo em suas casas, detectado pelo Censo 2010, hoje falta pouco para se chegar à universalização (97,8%). Mas se olhar com a lupa do racismo ambiental percebe-se que na região Norte esse número ainda é de 90,5% – acima dos 75,5% de 2010, porém ainda inferior ao patamar nacional daquele ano. Se 99% dos paulistas já possuem coleta direta ou indireta em suas casas, no Acre esse serviço não chega a 75,9% e no Maranhão, a 69,8%. Pelo Censo 2022, 91,3% dos domicílios em cidades grandes (acima de 500 mil habitantes) possuem rede coletora, pluvial ou fossa séptica. Contudo, em cidades de até 5 mil moradores essa taxa cai para 49,2%.

“O racismo ambiental é uma mazela histórica no Brasil e na região Norte. O racismo ambiental é causado pelas injustiças sociais”, afirma Francy Júnior, historiadora e articuladora do Movimento das Mulheres Negras da Floresta Dandara, de Manaus. “Se olharmos como e de que forma foram o processo de povoamento da região Norte, as manobras de ocupação das terras indígenas e dos quilombolas, podemos perceber escurecidamente o racismo ambiental.”

A reportagem da Amazônia Real questionou por que o órgão federal responsável pelo Censo não utilizava a expressão “racismo ambiental”, ao que foi informado, durante coletiva de imprensa, que não foram investigadas, nessa divulgação, as razões que provocam a desigualdade expressa nos dados. “Está fora do escopo dizer se existe ou não racismo ambiental, mas podemos dizer que existe uma desigualdade a partir dos resultados“, explicou Bruno Peres, técnico da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.

Roraima é o Estado brasileiro que apresenta o maior percentual de moradores vivendo em habitações precárias, como cortiços, cômodos improvisados, habitações indígenas, malocas ou casas degradadas. No total, 2,48% de seus moradores vivem nessas condições (15.431 pessoas), sem que 2,06% são indígenas (12.812). No Amazonas, 33.785 vivem precariamente, sendo que 29.668 delas são pessoas pretas, pardas ou indígenas (88% de sua população). A situação se repete no Acre, Mato Grosso, Pará, Amapá, Maranhão e em Tocantins e Rondônia.

Alto Alegre (RR) é a cidade brasileira com o maior número de habitações indígenas sem paredes ou maloca (1.099), como levantado pelo IBGE. Em seguida, vem o município de Barcelos (AM), com 625 moradias desse tipo e Santa Isabel do Rio Negro, com 403. No Brasil, foram encontrados 9.399 domicílios dessa natureza. “A maioria de nossas comunidades e bairros foi construída em áreas que não são seguras para moradia, como encostas de morros, às margens de igarapés, lixões e em qualquer lugar que tenha possibilidade de armar um pequeno barraco”, lembra a historiadora Francy Júnior.

Os dados gerais chamam a atenção pelo processo acelerado de verticalização das maiores cidades, o que inclui as partes ricas das capitais amazonense e paraense, por exemplo. Manaus, com 630.062 domicílios, está na 15ª posição em número de apartamentos (105.075). O Censo 2022 encontrou 489.122 casas nesta capital, que é o município brasileiro com maior número de indígenas do País (71,7 mil). Belém vem na 26ª posição, com 69.436 apartamentos como domicílios ante as 313.028 casas.

 

Sem banheiro ou sanitário

Comunidade de Nazaré em Porto Velho, Rondônia. (Foto: Marcela Bonfim | Amazônia Real)

No ranking dos 366.909 domicílios brasileiros sem banheiro, nem sanitário, São Gabriel da Cachoeira (AM), que é a segunda cidade com mais habitantes indígenas (48,3 mil), aparece no topo. São 4.168 moradias nessas condições. Dos seus 10.603 domicílios, apenas 352 possuíam uma rede geral, pluvial ou, ao menos, uma fossa ligada à rede. O instituto detectou que 1.031 moradias tinham uma fossa séptica ou uma fossa não ligada à rede de esgoto e 3.804 dos dejetos são jogados em uma fossa rudimentar ou mesmo um buraco cavado no chão; 561 lares têm de jogar diretamente no rio.

A ideia de lançar o esgoto em rios, lagos, córregos ou no mar é ainda uma realidade para 1.380.308 domicílios no Brasil. São Paulo possui 123.932 lares que adotam essa prática, mas o segundo lugar é ocupado por Manaus, com 46.911 domicílios. A diferença é que na capital paulista os dejetos são jogados em sua maioria nos córregos, enquanto os manauaras lançam em córregos, lagos e rios, por conta de sua geografia. Outros grandes municípios como Rio de Janeiro, Recife, Guarulhos, São Gonçalo (RJ), Belo Horizonte e Jaboatão dos Guararapes (PE) enfrentam a mesma situação.

Rede de água

Criança leva vasilha coletada de caixa d’água comunitária em Manoel Marque, na rodovia Transacreana. (Foto: Alexandre Cruz Noronha | Amazônia Real)

Os Estados do Norte têm os piores índices de ligação a uma rede geral de distribuição de água. No Amapá, que enfrenta o problema crônico de falta de água, apenas 43,38% dos domicílios recebem esse tipo de recurso, enquanto mais da metade dos amapaenses mora em casas sem ligação com a rede de distribuição. O drama deles é seguido pela população de Rondônia (46,15%), do Pará (48,90%), do Acre (52,56%) e do Amazonas (66,08%). Para dimensionar esse indicador do racismo ambiental, 83,88% dos lares brasileiros recebem água encanada e tratada. O Estado de São Paulo possui 95,74% de sua população abastecida com água na porta de casa.

O termo “racismo ambiental” é antigo, já foi levado a fóruns internacionais, como na COP26, em Glasgow, por representantes de movimentos negros, foi questionado pelo Estado brasileiro, na gestão de Jair Bolsonaro, mas voltou com força a partir do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em agosto do ano passado, o governo federal criou o Comitê de Monitoramento da Amazônia Negra e Enfrentamento ao Racismo Ambiental, anúncio feito pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Procurado pela agência, o ministério não informou o estágio atual do comitê, que é uma parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e que pretende propor medidas de enfrentamento ao racismo ambiental na Amazônia Legal.

Onde e como o racismo ambiental se revela? “Através da forma como as populações mais empobrecidas, jogadas à margem, são afetadas de forma desproporcional pelos impactos ambientais negativos”, explica Francy Júnior. “As moradoras e os moradores das comunidades periféricas estão expostas e expostos a um risco maior de sofrerem com as inundações, os deslizamentos de terra, a falta de saneamento e, enfim, a ausência de políticas públicas. A falta de acesso a serviços básicos, como água potável e saneamento, agrava ainda mais os impactos negativos do racismo ambiental.”

Coleta de lixo

Lixo e resíduos se acumulam no Igarapé do Franco, na zona oeste de Manaus. (Foto: Raphael Alves | Amazônia Real)

Entre as cidades brasileiras com menores índices de coleta de lixo, as da Amazônia Legal se destacam negativamente. Serrano do Maranhão só coleta 1,68%, seguido de Bacurituba (MA) com 12,40%; Uiramutã (RR), com 13,60% e Milagres do Maranhão (15,96%). Entre as capitais da Amazônia Legal, o destaque negativo é Porto Velho, que aparece na 1.903ª posição, entre os municípios com coleta de lixo nos domicílios, cujo índice nacional é de 91,9%.

Os Estados amazônicos apresentaram saltos significativos na destinação do lixo que produzem, quando se observa a proporção de moradores com coleta direta ou indireta. O Amazonas saltou de 59,57% em 2000 para os atuais 79,61%. O Amapá é, na região Norte, o que tem o melhor índice, de 90,39%. Já o Acre ainda está no patamar de 75,9%, abaixo dos 76,42% que o Brasil da virada do século apresentava.

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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/636861-censo-2022-poe-em-evidencia-racismo-ambiental-no-brasil

 


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