A Câmara dos Deputados realizou uma sessão solene em homenagem à vereadora e a Anderson Gomes, assassinados em 14 de março de 2018
Parlamentares realizaram, na manhã desta terça-feira (26/3), uma sessão solene na Câmara dos Deputados para homenagear Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinados em 14 de março de 2018. O evento ocorreu dois dias após a Polícia Federal (PF) prender os supostos mentores do crime que vitimou a vereadora e seu motorista.
A sessão contou com a presença de deputados do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), sigla da qual Marielle fazia parte, com o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, e a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada Gleisi Hoffmann (PR). Além disso, integrantes do movimento negro ocuparam o plenário da Casa Baixa.
Nos discursos, parlamentares lembraram a atuação da vereadora e falaram sobre a milícia do Rio de Janeiro, reforçada por membros do Estado, que foi responsável pelo homicídio de Marielle e Anderson.
- TCU vai pedir suspensão do salário do deputado Chiquinho Brazão
- Morte de Marielle Franco foi planejada durante seis meses
- Mandantes do assassinato de Marielle prometeram lotes como pagamento
“Há seis anos nós realizamos essa sessão para lembrar do legado e memória de Marielle e para exigir justiça por Marielle e Anderson. Mas seis anos é tempo demais, é um tempo insuportável diante da gravidade que foi, para a democracia brasileira, a execução política de Marielle Franco e Anderson”, destacou a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ)
No domingo (24/3), A PF prendeu Domingos Inácio Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ); João Francisco Inácio Brazão, deputado federal pelo Rio de Janeiro; e Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e ex-chefe da PCRJ, apontados como os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson.
“Neste domingo a revolta nos tomou, porque, se nós já sabíamos do papel das milícias do Rio de Janeiro e dessa relação promíscua entre crime e política no nosso estado, ficou evidente a digital do Estado em todos os momentos desses últimos seis anos. Um crime planejado por um deputado federal, por um conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e pelo chefe da Polícia Civil”, ressaltou Petrone.
Nesta terça-feira (26/3), a Câmara vai deliberar sobre a continuidade da prisão de Francisco Brazão, conhecido como Chiquinho. Sobre isso, os parlamentares pediram por justiça e reforçaram a necessidade de responsabilizar os agentes do Estado envolvidos no crime.
“Todas as esferas do Estado brasileiro estavam no planejamento intelectual do crime, talvez, mais brutal desde a redemocratização. Foi o Estado brasileiro que executou esse crime, porque a bala que matou Marielle e Anderson foi uma bala do Estado”, disse a deputada.
Se você, como eu, é carioca, talvez conheça alguém que foi assassinado para atrapalhar os interesses dos milicianos. Eu mesmo digo a um pai de família honesto que foi morto por abrir um comércio na área da milícia sem pedir permissão. É inacreditável. Mas, para essas pessoas, matar é rotina. E a impunidade é quase certa.
No domingo, depois de seis anos, os suspeitos de serem os mandantes do crime que matou a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram presos (finalmente!). Eles são os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, que fazem ligações com milícias. Chiquinho foi deputado federal e Domingos foi escolhido para fazer parte do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Isso mostra que a milícia ocupa vários espaços públicos e de poder. É surreal.
As razões do crime também vieram a ser esclarecidas. Uma delas é uma disputa de terras. Os irmãos Brazão estariam querendo expandir territórios da milícia em Jacarepaguá (zona oeste do Rio de Janeiro). E Marielle se opôs a isso.
Só mais uma?
Domingos e Chiquinho Brazão deveriam ter achado que Marielle era "só" mais uma mulher negra da favela que eles podiam simplesmente mandar apagar, assim como acontece com tantas pessoas . Obviamente, ninguém pode ser assassinado. Mas é assim, infelizmente, que as coisas são nas áreas dominadas por milicianos: pura barbárie.
A impunidade é tanta e mandar matar é algo tão corriqueiro nesse "meio" que acreditava que eles tinham certeza de que escapariam. Afinal, na maioria das vezes, os envolvidos com milícias ficam impunes mesmo. Primeiro, porque eles sabem que todos nós temos medo das milícias (com razão), o que faz com que muitas vezes seus crimes nem sejam denunciados. E também porque uma milícia está infiltrada dentro da polícia e dos poderes do Estado, como mostra o caso Marielle.
Além dos dois mandantes que foram empregados do poder público, para choque geral, no domingo descobrimos que um dos presos por envolvimento no assassinato de Marielle, além dos irmãos Brazão, era Rivaldo Barbosa, o então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Com toda essa proteção, os mandantes devem ter achado que o crime contra Marielle e Anderson ficaria por isso mesmo. Porém, eles não imaginavam que Marielle representava milhares de mulheres do Brasil, que tomariam as ruas, pintariam o rosto da vereadora nas paredes, gritariam "Marielle presente", usariam seu rosto em camisetas e a contidas para sempre como inspiração.
Eles não tinham ideia da importância da imagem e do poder político de Marielle e quantos símbolos ela carregava (e carrega). A vereadora era uma mulher negra, bissexual, criada da favela, militante dos direitos humanos, feminista e muito ardente.
A prova é que ela peitava bravamente o crime organizado no Rio de Janeiro. "Não vão me interromper!", ela fala, em um de seus discursos mais famosos, para colegas vereadores que tumultuaram seu discurso na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro em 8 de março de 2018, seis dias antes de ser assassinado, em 14 de março de 2018.
Mundo conheceu Marielle
Sua luta ficou conhecida no mundo todo. E não, não é exagero. Sempre me lembro dela quando pego a linha U1 do metrô de Berlim. Olhando pela janela, em Kreuzberg, vejo seu rosto gigante pintado na fachada de um prédio, em um mural de 100 metros quadrados. A pintura faz parte de um projeto apoiado pela Anistia Internacional chamado Brave Women (mulheres quentes) que busca chamar a atenção para a necessidade de proteção de ativistas de direitos humanos e foi lançada em 8 de março de 2021, como homenagem ao Dia das Mulheres.
Esse é apenas um exemplo da importância de Marielle no mundo. Eu poderia dar muitos outros.
Os mandantes também não contavam com outra força: a da família de Marielle, que passou seis anos lutando pela justiça e não vão parar nunca. Provas: Anielle Franco virou uma ativista importante e hoje é Ministra da Igualdade Racial. Eles também atuaram no Instituto Marielle Franco, que cuida dos "sementes de Marielle" (outras mulheres negras ativistas).
Os cruéis assassinos de Marielle não contavam com nada disso. Nem com a persistência de milhares de pessoas que perguntavam insistentemente no mundo todo: "quem mandou matar Marielle?"
Marielle é gigante. Não há mural capaz de dar conta do seu tamanho. E é por isso que, mesmo depois de tanto tempo, o mundo todo começa a conhecer a verdade sobre seu assassinato.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escrevendo sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, viva entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
fonte: https://www.dw.com/pt-br/supostos-mandantes-subestimaram-for%C3%A7a-de-marielle/a-68669378