Corte compromete também ações para promoção da igualdade e para autonomia econômica; Janja acompanhou a reunião. A ex-ministra Eleonora Menicucci apontou que o diagnóstico inicial também revelou desmonte das políticas para as mulheres
A futura primeira-dama, Janja Lula da Silva, foi convidada a participar, na tarde desta terça-feira (29/11), da reunião do Grupo Técnico de Mulheres do Gabinete de Transição. No encontro, foram debatidos os problemas já identificados pelo diagnóstico inicial feito pela equipe. De acordo com o GT, o corte no orçamento da Pasta coloca em risco o funcionamento do Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher, que atende vítimas de violência.
Roseli Faria, uma das coordenadoras do GT e vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, afirmou que o Ligue 180 conta com apenas 10% dos recursos previstos para 2022. “Isso significa que, no primeiro quadrimestre de 2023, teria que descontinuar o serviço. Hoje, a gente tem R$ 22 milhões em orçamento de 2022. Para o ano que vem eles previram R$ 3 milhões”, revelou.
A ex-ministra Eleonora Menicucci apontou que o diagnóstico inicial também revelou desmonte das políticas para as mulheres por parte do governo Bolsonaro nas ações de promoção da igualdade, autonomia econômica e no orçamento de ações finalísticas para 2023. “Houve um desmonte orçamentário para 2023, que tem R$ 23 milhões”, revelou. Os valores destinados representam, em valores nominais, 10% do orçamento deixado em 2015.
De acordo com o GT, desse total (R$ 23 milhões), R$ 13 milhões estão destinados à Casa da Mulher. Outros R$ 10 milhões estão pulverizados em diversas ações que não estão exclusivamente destinadas às mulheres. O GT identificou que, mesmo na pandemia, quando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais recursos (R$ 116 milhões), a Pasta optou por não executar.
Ministério das Mulheres
A futura primeira-dama acompanhou a reunião e afirmou que as mulheres terão participação importante no governo, assim como tiveram na eleição deste ano. “Hoje, se a gente está aqui, eu sempre falei isso e repito, sempre que tenho oportunidade, falei isso lá em Portugal, a gente deve às mulheres. Às mulheres negras, às mulheres da periferia”, disse ela.
Janja reafirmou o compromisso feito pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a campanha, de recriação do Ministério das Mulheres. “Não há nenhuma dúvida quanto a isso”, assegurou. “Ter um GT tão representativo como este na transição representa essa vontade de ter participação mais efetiva. Estar no centro do poder e nos espaços de decisão”, completou.
Para a futura primeira-dama, o tema “mulher” é transversal e deve estar presente em todas as áreas do governo. Da segurança à moradia. “O ministério terá um papel fundamental de propor políticas e de articulação para que as políticas públicas aconteçam”, defendeu.
21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres
Leia a íntegra do manifesto do GT de Mulheres do Gabinete de Transição pelo Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres
Uma vida sem violência é direito de todas as mulheres!
Em 25 de novembro celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Em mais de 160 países esta data marca o início dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. No Brasil, esta campanha guarda uma particularidade: começa cinco dias antes, em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, enquanto uma estratégia para aliar o enfrentamento à violência de gênero com as lutas antirracistas. Essa jornada de 21 dias de ativismo se encerra em 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Delimita-se assim a violência contra as mulheres enquanto uma violação de direitos humanos.
A data foi escolhida em memória das irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como “Las Mariposas”. Em 25 de novembro de 1960, na República Dominicana, as três foram mortas por ordens do ditador Rafael Trujillo, a quem faziam oposição, em uma emboscada durante uma viagem para visitar seus maridos que haviam sido presos. O assassinato causou forte comoção no país e ajudou a fortalecer a luta contra a ditadura, que culminou com a morte do ditador meses depois. O caso de Las Mariposas expõe a brutalidade contra a vida das mulheres, seja em âmbito doméstico ou no curso de suas vidas públicas. Tais práticas nomeadas como violência política de gênero (ou contra as mulheres) ganharam recentemente uma legislação protetora: Lei 14.192/2021 e Lei 14.197/2021.
No Brasil, as mulheres não encontram segurança ou desfrutam do direito a uma vida livre, qualquer que seja sua classe social, posição ou cargo, raça, sexualidade, território ou religião. Isso se dá em seus lares ou nas casas legislativas, nas relações públicas ou familiares. A violência acontece diariamente nas ruas, no transporte público, nos partidos políticos e durante o exercício de seus mandatos, quando eleitas.
Lamentavelmente, a violência política de gênero é a marca de um país com uma população composta majoritariamente por mulheres (52%). São reflexo disso o golpe político contra a primeira presidenta da nação, Dilma Rousseff e o assassinato político da vereadora Marielle Franco – que segue sem respostas sobre seus mandantes após cinco anos – além das ameaças recorrentes à vida das mulheres indígenas, camponesas, quilombolas e ribeirinhas, ataques esses que também miram nas suas terras, águas e florestas para, através da total destruição do meio ambiente, projetar o fim de todas e todos.
A violência contra as mulheres além de sistêmica tornou-se endêmica, estando banalizada a sua prática e fragilizados os mecanismos para enfrentá-la. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, somente no ano de 2021, mais de 66 mil mulheres foram vítimas de estupros, um aumento de 4,4% em relação ao último ano! Dessas vítimas, mais da metade, 61.3% eram crianças de até 13 anos de idade. O documento também aponta que a violência doméstica aumentou, e mais de 230 mil mulheres foram vítimas de agressões físicas cometidas, em quase 90% dos casos por seus companheiros. Frisa-se, contudo, que esta violência não é marcada apenas pelo gênero, já que, segundo dados do mesmo relatório, são as mulheres negras 62% das vítimas de feminicídio. O racismo que mata todos os dias, também impede que essas mulheres sejam vistas e proteção específica seja produzida por políticas públicas!
A violência contra mulheres transexuais também atingiu o grave número de 175 assassinatos apenas em 2020, segundo dados do Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras. Ainda no Anuário da Segurança Pública de 2022, a violência contra LGBTQIA+ aumentou em todos os tipos: agressão (aumento de 35,2 %); homicídios (aumento de 7,2%) e estupros (mais 88,4%).
Uma avalanche de mulheres clama por proteção, com um aumento de 13,6% nas solicitações de medidas protetivas de urgência. Um socorro que, em muitos casos, nunca chegou.
É o quadro que acompanhamos diante das políticas de proteção e enfrentamento à violência contra a mulher: um completo desmonte! Por meio da alteração de programas como o Mulher Viver Sem Violência, do sucateamento da Central de Atendimento à Mulher, o Disque 180 e do profundo corte nos recursos da pasta, este Grupo de Trabalho tem analisado os escombros das principais políticas públicas (des)implementadas no país para as mulheres.
O orçamento das ações da Secretaria de Políticas para Mulheres, transformada em 2019 em Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, passou de R$ 265 milhões (em 2016) para R$ 23 milhões, provisionado para 2023. Sabemos que para colocar em prática uma política pública é preciso definição de prioridades e compromisso financeiro. E para que isso ocorra, afirmamos, é indispensável que as mulheres brasileiras sejam inseridas no centro do orçamento público e, junto a elas, pensadas ações em todas as áreas temáticas do novo governo. As mulheres têm contribuições para todas as futuras pastas, desde propostas para um orçamento público transversalizado pelo gênero até a atualização das noções de trabalho, com compreensão dos trabalhos de cuidados (em grande parte não remunerados) para o funcionamento de toda a sociedade e seu impacto positivo na economia, com a necessidade de seguridade e garantias para todas.
É urgente que as mulheres sejam novamente vistas no Brasil enquanto sujeitos de direitos, com suas contribuições para as respostas e para a saída deste quadro de apagamento e morte. Todas queremos um Brasil livre, seguro e democrático para todos! É sobre nossas vidas, não apenas sobre as nossas mortes.
VIVER SEM VIOLÊNCIA É UM DIREITO DAS MULHERES.
Assinam a Coordenação do Grupo de Trabalho das Mulheres do Gabinete de Transição:
Aava Santiago
Ana Clara Ferrari
Anielle Franco
Anne Moura
Aparecida Gonçalves
Eleonora Menicucci
Eliana Magalhães Graça
Maria Helena Guarezi
Roberta Eugênio
Roseli Faria
Sandrali Bueno
Vilma Reis